Segundo o mantra comum, tudo isso e talvez mais um ou dois pontos são os responsáveis pela flutuação no preço do leite, a que chamamos de volatilidade. No intuito de contribuir com a discussão, é oportuno ir mais a fundo, evitando conclusões precipitadas que, no final das contas, podem apenas nos afastar de soluções que realmente são eficazes.
O primeiro ponto a se discutir: se a volatilidade é culpa de tudo isso que está aí, países com a cadeia mais organizada, que não importam leite e que têm uma rede de proteção bem mais robusta do que a nossa devem, por definição, ter menor volatilidade e produtores com uma vida bem mais fácil.
No intuito de comprovar a hipótese, fiz um exercício trivial. Comparei a dispersão dos preços mensais, em dólar, de janeiro de 2010 até outubro de 2018 em uma série de países, desde a Nova Zelândia, ícone da eficiência, exportadora e com uma cooperativa praticamente monopolista, até a Argentina, com tantos ou mais problemas do que nós. Os dados de Desvio Padrão, expressos em US$ por litro de leite, estão no gráfico 1. Um baixo desvio padrão indica que os pontos dos dados tendem a estar próximos da média ou do valor esperado. Um alto desvio padrão indica que os pontos dos dados estão espalhados por uma ampla gama de valores, resultando em maior volatilidade. No gráfico 2, mostro o Coeficiente de Variação, em %, que determina o desvio padrão em relação à média da amostra.
Uma rápida visita aos gráficos acima mostra que comprovar a nossa hipótese não vai ser tarefa fácil. Mesmo com todos os nossos problemas, não somos piores do que os outros nesse quesito. Os dados indicam que a volatilidade é uma característica do mercado global como um todo, pelo menos dos países que estão, em maior ou menor grau, a ele conectados (o Canadá, por exemplo, não conta – possui fortes barreiras para entrada de leite, não exporta e tem cotas internas de produção, evitando aumentos de oferta – e gerando altos custos que a sociedade local até então está disposta a pagar).
Vale comentar o caso da Nova Zelândia que, justamente por estar diretamente conectada ao mercado internacional, já que exporta quase a totalidade da produção, possui a maior volatilidade. Um aviso para aqueles que consideram que as exportações são a salvação da lavoura. Sim, elas são importantes e é louvável que o setor esteja se estruturando para exportar, mas é necessário alinhar as expectativas. O que as exportações farão é permitir que continuemos crescendo a produção, mas não melhorar a rentabilidade ou reduzir a volatilidade. O mercado internacional é, como nos mostra a Nova Zelândia, mais volátil do que o mercado brasileiro, sem contar que os preços médios são em geral inferiores aos nossos. Para ter exportações consistentes, temos que ter custos mais baixos – e o setor vem mostrando continuamente que, com preços baixos, não conseguimos produzir nem para o consumo interno.
Ainda, vale lembrar que, tanto os exportadores quanto aqueles com políticas públicas robustas de proteção verificam um ambiente de negócios em que há contínua saída de produtores da atividade. Engana-se quem pensa que estar nos Estados Unidos, Nova Zelândia ou Europa representa estar seguro, com altas margens e crescendo sempre. Os menos eficientes sempre deixam a atividade e a nota de corte é cada vez mais alta. Nada diferente do que temos aqui.
O que deveríamos estar discutindo hoje e não estamos
Diversos países e empresas estão discutindo hoje como lidar com a volatilidade, e não como evitá-la, já que isso incorreria em custos para a sociedade que são cada vez mais difíceis de empurrar.
Vejamos alguns exemplos.
Os Estados Unidos lançaram em 2011 um programa de proteção de margens ao produtor. Em situações catastróficas de margem (sendo a margem o preço do leite menos o preço de uma combinação de alimentos), o governo completa o valor. Mas essa situação catastrófica praticamente não ocorreu de lá para cá. A parte interessante é que o produtor pode fazer um seguro para valores ruins, mas que estejam acima desse gatilho. Desta forma, joga-se para o produtor a possibilidade de gerenciar melhor a rentabilidade da atividade. Isso não reduz a volatilidade do mercado em si, mas dá um instrumento adicional de gestão financeira.
Recentemente, a Fonterra, na Nova Zelândia, anunciou que vai introduzir uma nova ferramenta financeira para ajudar os produtores a terem mais certeza e precisão da remuneração que recebem pelo leite. Todos os produtores da Fonterra terão a oportunidade de participar mensalmente (exceto nos meses janeiro e fevereiro). O chamado Fixed Milk Price será referenciado ao NZX Milk Futures Market a uma taxa de serviços não superior a 10 centavos (6,88 centavos de dólar) por quilo de sólidos do leite, o que equivale a 0,84 centavos (0,57 centavos de dólar) por quilo de leite, inicialmente. Ao longo de uma estação, os produtores poderão fixar até 50% de sua produção estimada de leite por fazenda.
Até a Argentina, cheia de problemas, está caminhando nesse sentido. Na semana passada, lançou seu mercado futuro de lácteos, com 50.000 litros negociados no primeiro dia. A matéria publicada no MilkPoint diz que a cobertura funcionará como “uma ferramenta para minimizar o risco econômico gerado pela volatilidade dos preços”.
Estes países já entenderam que brigar com a volatilidade é uma luta inútil; melhor gerenciá-la. Que tal também olharmos para isso? Há alguns anos, o setor discutiu a criação de um mercado futuro de leite, mas o projeto não avançou. Já o seguro de margem nunca foi ventilado.
Parte do processo de profissionalização da atividade vai passar, em algum momento, por disponibilizar ferramentas para gerenciar o risco econômico da atividade. Isso vai envolver governo e laticínios, que podem ter um papel relevante nesse processo. Esse, aliás, será um dos temas principais do nosso Fórum MilkPoint Mercado 2019, que ocorrerá no dia 07 de agosto, às vésperas do Interleite Brasil.