Finalizando os debates sobre utilização das terras indígenas para fins agropecuários, diante da repercussão levantada pelos indígenas da etnia Pareci no estado do Mato Grosso

Advogado (OAB/MS 16.518), Consultor Jurídico e Professor nas áreas de Direito Agrário, Ambiental, Família, Sucessões e Políticas Públicas. Organizador das obras “Agronegócio: direito e a interdisciplinaridade do setor” (Editora Contemplar, 2018) e “O direito agrário nos 30 anos da Constituição de 1988” (Editora Thoth, 2018). Escreveu em coautoria as obras “Direito Ambiental e os 30 anos da Constituição de 1988” (Editora Thoth, 2018); “Direito Aplicado ao Agronegócio: uma abordagem multidisciplinar” (Editora Thoth, 2018); “Constituição Estadual de Mato Grosso do Sul – explicada e comentada” (Editora do Senado, 2017). Professor convidado do IPOG – Instituto de Graduação e Pós-Graduação; e da FIA – Fundação Instituto de Administração / Pensa Agro. Conteudista na eadcursos.com. Foi Presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS e membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/MS entre 2013/2015. Graduado em Direito (2008) e Mestre em Desenvolvimento Local (2019) pela Universidade Católica Dom Bosco (2008). Cursos de Extensão em Direito Agrário, Licenciamento Ambiental e Gestão Rural. Apresentador do quadro “Direito Agrário” para o Canal Rural. E-mail: pedro@pmadvocacia.com – Endereço do currículo: lattes.cnpq.br

 

 

Finalizando os debates sobre utilização das terras indígenas para fins agropecuários, diante da repercussão levantada pelos indígenas da etnia Pareci no estado do Mato Grosso, serão feitos alguns comentários finais sobre o histórico de criação deste empreendimento agropecuário.

É noticiado que, a comunidade Pareci deseja ampliar a área de plantio para 50 mil hectares3, por meio de sistemas cooperativistas e associativistas, com acesso à políticas públicas de crédito rural, mas somente após a solução de uma série de questões relacionadas a multas milionárias e embargos de áreas que superam 20 mil hectares4, supostamente com intermédio do Ministério Público Federal e do IBAMA.

O MPF, por sua vez, cujo mencionado Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) está divulgado desde 2014 em notícias do mesmo caso dos Parecis5, já divulgou nota6 de que não está participando destas intermediações, de forma que, naquela época (2014) foi divulgado até mesmo que a própria venda da safra era feita com amparo no suposto TAC7.

Enfim, o ponto de vista jurídico.

O Estatuto do Índio (Lei Federal no. 6.001/1973), no artigo 3o., considera ‘índio ou silvícola’, todo indivíduo de origem e ascendência pré-colombiana que se identifica e é identificado como pertencente a um grupo étnico cujas características culturais o distinguem da sociedade nacional.

O mesmo estatuto, considera ainda como índios integrados (art. 4o., III), aqueles incorporados à comunhão nacional e reconhecidos no pleno exercício dos direitos civis, ainda que conservem usos, costumes e tradições característicos da sua cultura.

Tendo como exemplo os Parecis, historicamente, têm destaque em sua cultura agrícola na mandioca-brava, nas demais atividades de subsistência a pesca, a caça e a coleta, povo que domesticou as abelhas em métodos próprios8, agora sojicultores.

Já as terras indígenas, segundo o Estatuto do Índio, não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade indígena ou pelos silvícolas (artigo 18). O mesmo artigo proíbe a qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas a atividade agropecuária ou extrativa (artigo 18, §1o.).

Note-se que, a utilização de terras indígenas com finalidades diversas de seus “usos e costumes”, para trazer desenvolvimento socioeconômico às comunidades indígenas, traz consigo uma linha tênue entre a flexibilização do uso das terras indígenas e o esvaziamento do verdadeiro significado do art. 231, o qual reconhece expressamente usos, costumes e tradições de uma etnia.

A convenção 169 da OIT, internacionalmente reconhecida, também determina, quanto ao uso das terras indígenas (art. 14, 1), que os governos deverão adotar medidas para que indígenas tenham acesso às suas atividades tradicionais e de subsistência.

Na forma como se encontra o status da narrativa, é possível concluir que seria ilegal desenvolver atividades agrícolas distintas dos costumes tradicionais das comunidades indígenas, muito menos firmar contratos de arrendamento e parceria com estes povos, nestas terras, como divulgado.

A discussão é verdadeiramente paradoxal e demostra que, ao mesmo tempo em que o Brasil (Constituição Federal) e o mundo (Convenção 169, OIT) criaram um belo exemplo de regramentos legais para a manutenção de uma riqueza cultural, retiraram destes povos a possibilidade de aproveitamento destas terras para fins econômicos e o direito de aumentar o ‘nível de integração’ à sociedade, alimentando a velha discussão do ‘índio de museu’.

De tão paradoxal, os rumos do assunto se tornaram complexos, valendo repensar a sequência: origem das leis que buscaram ‘inocentemente’ proteger a cultura indígena; a forma de aquisição das terras e como foram geradoras de conflitos, invasões e processos judiciais; a atual mudança de paradigmas na utilização das terras para outras finalidades.

Exageraram no remédio; mataram o paciente’ e todo este crescente e infindável trabalho de demarcações demandará a relativização do seu regime, demonstrando, no Brasil, o que já foi dito em outros textos, falta de planejamento na atribuição territorial, afinal, destes 14% já demarcados, quantos são e serão agricultáveis? Sob qual regime de comercialização? Em mesmo nível de competitividade que acontece no mercado, em geral?

Se considerarmos uma conta fictícia e sem maiores embasamentos técnicos sobre os 117.956.054 de hectares de áreas indígenas, completamente preenchidos por áreas agrícolas, considerando, segundo a Embrapa, a produtividade média da soja brasileira foi de 3.362 kg por hectare9 (56,03 sacas/ha), em apenas uma safra ao ano, vendendo a saca de soja por R$ 60,00, totalizaria um valor de R$ 396,5 bilhões de reais injetados na economia brasileira por indígenas sojicultores.

A quebra de paradigma é necessária, como também passar às comunidades indígenas a visão de que o Brasil precisa ser planejado para todos os brasileiros, os processos de demarcação demandam agilidade e respeito aos ritos.

Intuição ou não, ao que parece, no que diz respeito a esta ‘forma de aquisição de terras’ por meio dos demarcação administrativa de terras históricas e tradicionais, subsidiada pelos laudos antropológicos, algo está prestes a acontecer, muito em breve.

Este ‘receio’ ou ‘intuição’ de que algo aconteça, nos leva à necessidade de amadurecer o assunto sob os mais diversos olhares possíveis, jurídicos, antropológicos, sociológicos, administrativos, já que a questão não deve ser polarizada entre proprietários rurais e comunidades indígenas.

Ao mesmo tempo em que o Brasil e o mundo criaram um belo exemplo de regramentos legais para a manutenção de uma riqueza cultural, retiraram destes povos a possibilidade de aproveitamento destas terras para fins econômicos e o direito de aumentar o ‘nível de integração’ à sociedade, alimentando a velha discussão do ‘índio de museu’.

Te puede interesar

Notas Relacionadas

ASSINE NOSSO NEWSLETTER