Os produtores de leite esperam que o governo federal avance mais nas políticas públicas de apoio ao setor. Hoje, eles enfrentam uma série de dificuldades decorrentes dos altos custos de produção, da alta carga tributária, da queda dos preços do produto ao produtor e das importações de lácteos. Para a base produtora, estes problemas não se resolvem apenas com medidas emergenciais, mas com a reestruturação da cadeia, a fim de melhorar a rentabilidade das propriedades leiteiras, com um novo modelo de remuneração.
“Tivemos, nesta semana, mais uma reunião virtual muito positiva com a ministra Tereza Cristina [Agricultura]. Além de medidas emergenciais, estamos buscando construir um novo modelo para a cadeia láctea brasileira”, diz o produtor gaúcho Leonel Fonseca, um dos coordenadores do Movimento Construindo Leite Brasil, que tem participado de encontros on-line com Tereza Cristina, junto com representantes dos grupos Inconfidência Leiteira, Aliança e Ação e União e Ação.
“Na realidade, o que precisamos é mudar o modelo de cadeia láctea do país, porque sempre há problemas, como a estiagem aqui no Sul em 2020 e neste ano novamente por causa da seca e da queda do valor do leite ao produtor, além do absurdo dos preços dos insumos, que vão se manter altos por dois, três ou quatro anos”, ressalta Leonel.
O diálogo com Tereza Cristina, acrescenta, visa a criar diretrizes para mudar o atual sistema do setor de leite. “Estamos tentando ver com a ministra o que é possível fazer neste momento de crise, mas precisamos mesmo é de um novo modelo para a cadeia, com distribuição de renda mais justa entre os elos, para que tenhamos um norte ao longo dos anos. O Plano Compete Br atende isso, mas necessita de ajustes e estamos trabalhando para tal.”
A expectativa da base produtora é que a ministra anuncie alguma medida estruturante nas próximas semanas, como resultado do entendimento que vem construindo com os produtores de leite de todo país.
Medidas do CMN
Na última quinta-feira 25, o Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou duas medidas: a contratação, até 30/06/2021, com recursos obrigatórios, de crédito de custeio com prazo de até 2 anos para retenção de matrizes bovinas de leite; e de Financiamento para Garantia de Preços ao Produtor (FGPP) para beneficiamento ou industrialização de leite, com limite de crédito de até R$ 65 milhões, taxa de juros de 6% ao ano e prazo de reembolso de até 240 meses.
“Quanto ao financiamento, é empurrar para frente [o problema]. O produtor de leite precisa é de rentabilidade no que faz. Financiamento, linha de crédito, prorrogação de crédito são muito bons, mas são soluções imediatistas”, enfatiza o produtor gaúcho.
Para Leonel, é preciso ter cautela em relação à oferta de crédito. “Dentro dessa linha de crédito de retenção de matrizes, com juro de 6%, qual é a garantia que nós temos no nosso negócio no mês que vem? Afinal, o preço do leite que eu estou entregando hoje pode despencar.”
Ele pontua ainda que produtores podem ser afetados de outra forma pela decisão do CMN. “O financiamento também é para estoque, armazenamento e capital de giro das empresas. Se elas pegarem esse capital a 5%, 6% ou 15% ao ano, com carência e prazo de pagamento, quem vai pagar a conta no fim são os produtores, porque não somos donos do nosso negócio, somos o operacional da mão de obra das indústrias. Elas é que têm esse controle no modelo atual.”
Leonel complementa: “Então, daqui a dois anos, elas terão um crédito para pagar e precisarão fazer caixa. Se elas tirarem meio centavo por litro do produtor, isso representará milhões no fim do mês. Elas bancarão isso com margens, com lucros. Se for necessário, podem ficar um mês no vermelho, caso errem a dose na hora da venda, porque recuperam o prejuízo nas costas do produtor”.
Empurrar com a barriga
Por isso, reforça Leonel, o produtor precisa ter bom senso neste momento. “Quando começou a pandemia de covid-19, também foi liberado crédito de capital de giro para as indústrias, para impedir que o negócio despencasse. Diante do que estamos enfrentando é ótimo, mas temos capacidade de pagamento? Não é empurrar com a barriga?”
O cenário para a indústria é outro, assinala Leonel. “A indústria tem [capacidade de pagamento], porque ela se ajusta, faz giro de capital, segura estoque, remunera um pouco menos o produtor e paga toda essa diferença. Ela perde em um mês e em dois ou três recupera sempre, porque tem esse poder.”
Leonel entende que essa situação acaba sempre prejudicando o produtor. “Dizer que o mercado está pressionando a indústria não pode resultar sempre em tirar do produtor. Se o mercado está ruim, é preciso se adequar e não repassar a conta para o produtor. Necessário, portanto, um novo modelo de remuneração na cadeia láctea.”