Muitas vezes é preciso um prêmio no exterior para que o consumidor brasileiro entenda o óbvio ululante. Temos bons queijos, a preços competitivos e de qualidade, muitas vezes, semelhante àqueles importados da França, Suíça, Holanda. Dessa vez, a constatação veio com nada menos que 57 medalhas no concurso francês “ Mondial du Fromage et des Produits Laitiers de Tours” (Ou: Mundial de queijos e derivados de leite de Tours). 183 produtos brasileiros entraram na competição, que contou com 900 participantes de todo o mundo. Será que o resultado nos fará abandonar o complexo de vira-lata e começar a olhar para nossos produtores regionais? E será que finalmente vamos começar a entender de onde vêm, como são feitos e por quem são feitos nosso produtos premiados?
Fato é que nem sempre o queijo mais caro que temos nas lojas especializadas e nos mercados são os melhores. Entre os medalhistas da competição gringa, estão alguns exemplares de produtores já consagrados como o “Pardinho Artesanal” e “Fazenda Bela Vista”, que têm queijos vendidos em supermercados de todo o país. Muitos queijos mineiros artesanais da região da Serra da Canastra também levaram condecorações (veja a lista completa no fim desse artigo). Mas entre os premiados, me chamou a atenção um velho conhecido meu: o laticínio Cruzília.
Com banca no Mercadão de São Paulo, distribuição ampla em supermercados do Brasil, a companhia levou 4 medalhas – duas para queijos já comercializados: o La Lenda e o Santo Casamenteiro. As outras duas vieram para lançamentos – como o Manto da Serra (estreia no mercado nacional em 2022) e o Serra da Mantiqueira (lançamento previsto pro fim do ano).
Curiosamente, os queijos da Cruzília não estão entre os mais caros das prateleiras, pelo contrário. É possível ter um belo jantar de queijos e vinhos com os produtos, sem se sentir assaltado. O preço mais baixo que os concorrentes de igual padrão talvez seja explicado pela capacidade de produção da queijaria (daí vem a 2ª curiosidade desse artigo): ela não é artesanal, apesar de manter processos artesanais em sua produção, o que faz com que a qualidade aumente e a produção em escala industrial seja possível.
Quem me explicou tudo isso é a pessoa que é a razão da terceira curiosidade dessa coluna de hoje: a Juliana Jensen. Você deve estar se perguntando: quem é essa moça, na foto?
Bem, essa moça é a mestre-queijeira que, aos 29 anos, comanda toda a planta de produção da Cruzília e de outras três plantas de produção de laticínios da empresa, espalhadas pelo Brasil.
É dela a responsabilidade de colocar em evidência para mundo os 4 queijos premiados esse ano. É dela também o desenvolvimento (a assinatura do produto) de um dos queijos medalhistas, o Manto da Serra. Engenheira de alimentos de formação, a jovem mineira de família dinamarquesa diz que o gosto por queijos vem de berço.
“Sempre gostei muito de queijo. Meu avô era dinamarquês e veio para a região, para produzir queijos, com 18 anos. Ele trabalhou a vida toda na mesma planta onde funciona, hoje, a fábrica”, conta.
O dia-a-dia da Juliana é medir, testar, averiguar e provar os queijos produzidos na cidade mineira que tem o mesmo nome do laticínio: Cruzília fica no sul do estado, perto de Três Corações.
“O leite é comprado na região, de produtores locais, com controle de qualidade desde o campo até a hora que ele chega na indústria. A montagem dos queijos é manual. No caso do queijo La Lenda, por exemplo, produzimos somente cinco quilos por dia. A gente experimenta tudo. Partimos uma peça e avaliamos lote por lote. É esse o diferencial”, explica Juliana.
O “La lenda” foi premiado com a medalha ouro no concurso francês. Eu gosto bastante. É um queijo de casca preta, interior amarelado, macio e levemente adocicado. Bom pra comer sozinho mesmo, com uma taça de vinho Pinot Noir. O grande premiado, no entanto, foi o queijo Santo Casamenteiro, que levou a medalha “Super Ouro”. É um queijo azul (de mofo, semelhante ao gorgonzola) suave, montado com nozes e damascos. É um queijo de “festa”, digamos assim. Por ter essa composição de nozes e damascos, ele sozinho parece uma tábua de queijos. Vale a pena experimentar, servir para os amigos. Gosto de comer com torradas. Nos mercados paulistas, é vendido porcionado, na maioria das vezes, em triângulos. Todos os queijos da empresa onde a Juliana trabalha são feitos com leite pasteurizado. No Brasil, é muito difícil comercializar em grande ou pequena escala qualquer produto com leite cru – por questões sanitárias e de fiscalização.
“O mercado de queijo brasileiro está passando por uma transformação muito grande, o leite cru sempre foi muito marginalizado. Infelizmente a gente precisou de uma valorização lá fora, pra depois ser valorizado aqui. Agora, o consumidor brasileiro está buscando valores diferentes, mas ainda temos um consumo de queijo muito baixo aqui em comparação dos outros países”, revela Juliana.