Os produtos da agricultura familiar estão diariamente na mesa da maioria da população, mas está cada vez mais difícil manter a abundância. Em Mato Grosso do Sul há 70 mil famílias de produtores em atividades de plantio e criação de animais, como gado leiteiro, suinocultura, avicultura e piscicultura, mas apenas entre 35% e 40% têm acesso à assistência técnica, extensão rural e linhas de crédito.
Segundo o diretor-executivo da Agraer, Fernando Nascimento, o Governo do Estado está desenvolvendo projetos para capacitar os pequenos produtores, tanto no manejo quanto na comercialização, mas o segmento enfrenta dificuldades estruturais e também os problemas conjunturais.
Na primeira situação o pequeno agricultor tem que lidar com as dificuldades de acesso à tecnologia e, no segundo caso, as instabilidades do cenário econômico, que atrapalham, por exemplo, a captação de recursos para irrigação e melhoramento genético, que permitem ganhos de produtividade. No Estado, fazem parte do segmento da agricultura familiar os assentados, quilombolas, micro produtores tradicionais, indígenas e pescadores.
Há um conjunto de fatores que impedem o crescimento da agricultura familiar, segundo o diretor-executivo da Agraer, incluindo aí a demanda irregular do mercado, alto preço de insumos e baixos preços de seus produtos, daí a importância da assistência técnica e extensão rural e as políticas de fomento do Governo do Estado, como a redução do custo da energia para irrigação e serviços de mecanização agrícola e pecuária. Fernando Nascimento destaca também a verticalização que agrega valor à produção dos pequenos agricultores por 110 agroindústrias do Estado e as compras governamentais, com a aquisição de produtos para a merenda escolar. Essa modalidade de agricultura tem relação direta com a segurança alimentar e nutricional da população brasileira. Além disso, impulsiona economias locais e contribui para o desenvolvimento rural sustentável ao estabelecer uma relação íntima e vínculos duradouros da família com seu ambiente de moradia e produção.
A inovação pode criar condições para a manutenção da viabilidade econômica das propriedades familiares e sua capacidade de se reproduzir como unidade social familiar, além de poder contribuir para a modernização do setor. Uma das saídas é e redução do custo da energia. A Agraer capacitou 30 técnicos para levar a energia fotovoltaica ao campo. “A água e a energia são os principais insumos, a água está cada vez mais escassa e a energia muito cara”, observa Fernando Nascimento, lembrando que o objetivo de qualquer setor produtivo são a sustentabilidade e ganhos significativos de produtividade, mas é preciso que eles também se beneficiem do desenvolvimento regional.
Entrevista
Confira entrevista com o diretor-executivo da Agraer (Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural), Fernando Nascimento
Pergunta – O agronegócio é um dos segmentos que mais investem em tecnologia para ganhos de produtividade e maior oferta de alimentos. No conjunto do agronegócio, a agricultura familiar é voltada mais para o mercado interno e depende de investimentos públicos em assistência técnica e extensão rural. Quais os avanços na agricultura familiar de MS em relação ao manejo e implementação de tecnologias para ganhos de produtividade?
Fernando Nascimento – Em Mato Grosso do Sul há muitos avanços pontuais, mas do ponto de vista tecnológico a agricultura familiar ainda enfrenta problemas para o financiamento no processo de automação e inovação. Hoje temos 70 mil famílias, mas somente entre 35% e 40% têm acesso à assistência técnica e extensão rural. Outro problema é o acesso ao crédito rural, mas o Governo do Estado tem desenvolvido ações para ajudar no desenvolvimento da agricultura familiar. A evolução se dá ainda através de parceria, como na produção de leite, que é uma das principais atividades entre agricultores familiares, com melhoria e rotação de pastagens, respiradores para garantir a qualidade do leite até a chegada nos laticínios, e melhoramento genético. Isso é tecnologia que, junto com o apoio de 240 patrulhas mecanizadas, contribui para que os pequenos agricultores tenham suporte para manejo e plantio no período recomendado, reduzindo riscos e queda na produtividade.
Pergunta – Como os investimentos na agricultura familiar podem contribuir para a oferta de alimentos no mercado interno? Os agricultores familiares têm acesso a tecnologias para melhoramento de cultivares e fertilização do solo.?
Fernando Nascimento – Em relação à produção para o mercado interno, não há dúvida que a agricultura familiar coloca a maior parte dos alimentos na mesa do brasileiro. A agricultura convencional ou comercial responde por meia dúzia de produtos, mas a maioria, como frutas, verdura, leite e derivados, ovos e pescado são produzidos por agricultores familiares. É um segmento importante e gera muitos postos de trabalho, absorve uma parcela grande da mão de obra, cria oportunidades, que poderiam se multiplicar com inovações tecnológicas, lembrando que há também a produção orgânica, que independe da mecanização agrícola. A agricultura moderna não é apenas aquela que usa GPS, drones. É possível fazer uma agricultura de precisão sem equipamentos, utilizando conhecimentos sobre a terra, propriedades e valores agronômicos.
Pergunta – Dois componentes importantes para a agricultura são a energia e a água, principalmente para o plantio irrigado. Quais incentivos oferecidos pelo Governo do Estado para que os agricultores familiares tenham acesso a insumos essenciais. Na pecuária os pequenos avicultores, suinocultores, piscicultores, criadores de gado leiteiro e apicultores também têm suporte da Agraer?
Fernando Nascimento – Seguramente, são dois componentes que impactam nos custos. A energia, por exemplo, está muito cara e a solução tem sido a utilização de sistema de irrigação no período noturno. Mas estamos incentivando a utilização de energia fotovoltaica. Treinamos 30 técnicos no Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS) para repassar essa alternativa aos produtores. Quanto a água, cada vez mais escassa, o trabalho é de conservação dos recursos hídricos. O solo é o grande reservatório de água de chuva, por isso o Governo do Estado está trabalhando junto às prefeituras para construir açudes e abastecer, não só a agricultura, mas também a bovinocultura de leite e de corte. Isso é importante para fazer frente aos veranicos. Os equipamentos que distribuímos às prefeituras contribuem para a construção de açudes e reservatórios de água, tanto para irrigação quanto para a piscicultura. A Semagro (Secretaria de Estado de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar) prepara um programa de irrigação, diante de um cenário em que além da energia ser um insumo caro à produção, muitos produtores da agricultura familiar sequer têm acesso.
Pergunta – A agricultura familiar em Mato Grosso do Sul dispõe também de políticas de comercialização para se tornar mais competitiva? A logística de transporte e acesso aos mercados são satisfatórios?
Fernando Nascimento – A comercialização é um outro gargalo da agricultura familiar, por conta dos obstáculos na cadeia de produção, mas houve avanço significativo a partir dos programas federais de aquisição para órgãos públicos e merenda escolar. Em Campo Grande, por exemplo, em parceria com órgãos municipais, a Agraer tem disponibilizado um pavilhão na Central de Abastecimento (Ceasa) para comercialização de produtos. Unidos em associações e cooperativas, os pequenos produtores podem se tornar mais competitivos no mercado de alimentos. Outro aspecto importante é a verticalização da produção da agricultura familiar por meio de aquisições feitas por 110 agroindústrias. A agroindústria é capaz de agregar valor.
Pergunta – A agricultura familiar, diferentemente das grandes cadeias produtivas de commodities agrícolas, até então se sustentava em sistema de produção altamente intensivo, com utilização de mão de obra de baixo custo. Mato Grosso do Sul dispõe de especialistas para assistir nossos produtores em relação às inovações no setor?
Fernando Nascimento – Tecnologia é tecnologia, serve para qualquer tipo de atividade. Naturalmente que há equipamentos específicos, produzidos pela indústria, de modo que a contribuição maior é a inovação tecnológica voltada à produtividade e eficiência no aproveitamento dos recursos naturais. A Agraer dispõe de vários especialistas para atender às necessidades do agricultor familiar. Estamos preparados, sabemos que só existimos por causa da agricultura familiar. Hoje a assistência técnica chega a 20 mil famílias, nossa meta é ampliar o universo de assistência e extensão rural