Pouco a pouco, as massas brancas são moldadas manualmente. Elas ganham forma arredondada e são prensadas até atingir uma consistência firme, já em formato de queijo. O trabalho não acabou. Para o alimento ficar pronto, são necessários mais uns 15 dias no processo de maturação. Tudo artesanal.
No laticínio Serra das Antas, em Bueno Brandão, a 465 km de Belo Horizonte, uma etapa extra: adicionar o carvão vegetal. Ele diferencia o queijo batizado de Lua Cheia dos demais e deixa a cor do produto em tons de preto.
“Para o leigo, o carvão vai influenciar só na cor, mas tem uma função tecnológica interessante por trás. Ele interfere no PH da casca e permite o crescimento de alguns mofos e leveduras que garantem ao queijo um sabor peculiar”, explica Airton Gianesi, dono do laticínio localizado na cidade de quase 11 mil habitantes, perto do estado de São Paulo.
As características únicas do Lua Cheia garantiram a ele uma das honrarias máximas na 34ª edição do World Cheese Awards (Prêmio Mundial do Queijo), realizada no País de Gales, na Europa, em 6 de novembro. O produto foi premiado com o título Super Ouro.
“Ele é muito macio desde as primeiras semanas de produção. E essa consistência macia vai se intensificando com a maturação”, completa.
O feito de Gianesi e sua equipe confirmam o destaque que a produção de queijo artesanal brasileiro tem ganhado fora do país. E eles não foram os únicos. Nessa edição, a cerimônia chancelou a qualidade de 15 produtos brasileiros. Seis deles são de Minas Gerais. Na disputa, estavam 4.434 inscritos de 42 países e 900 empresas de todo o mundo.
Veja a lista dos brasileiros premiados no World Cheese Awards 2022:
Categoria Super Ouro
1- Lua Cheia: fabricante Serra das Antas — Bueno Brandão (MG)
2 – Morro Azul: Pomerode Alimentos — Pomerode (SC)
Categoria Ouro
3 – Azul da Mantiqueira: Laticínios Paiolzinho — Cruzília (MG)
4 – Tulha: Fazenda Atalaia — Amparo (SP)
Categoria Prata
5 – Tulha da Toca: Fazenda Atalaia — Amparo (SP)
6 – Lendário da Generosa: Fazenda Generosa — Andrelândia (MG)
7 – Quark: Laticínios São João — São João do Oeste (SC)
8 – Vale do Testo 6 Meses: Pomerode Alimentos — Pomerode (SC)
9 – Brebis de Pomerode: Pomerode Alimentos — Pomerode (SC)
10 – Gorgonzola Dolce: Serra das Antas (MG)
11 – Burrata Búfala Almeida Prado: Laticínio Búfala Almeida Prado — Bocaina (SP)
Categoria Bronze
12 – Capim Mantiqueira: Laticínios Paiolzinho — Cruzília (MG)
13 – Tulha Regente: Fazenda Atalaia — Amparo (SP)
14 – Caprinus: Fazenda Atalaia — Amparo (SP)
15 – Bueno tipo Comté: Serra das Antas (MG)
Leônidas Oliveira, secretário de Cultura e Turismo de Minas Gerais, avalia que a conquista dos produtores vai além de um título pessoal. No caso de Minas, ela fomenta o turismo local e, consequentemente, a economia.
“Nós hoje recebemos muitos turistas portugueses e franceses. Os franceses querem entender o modo de fazer o queijo de minas. Eles querem conhecer esse povo que chegou à Europa e arrebatou quase todos os prêmios”, conta o secretário.
O governo estima que o estado tenha aproximadamente 30 mil produtores de queijos artesanais, que fabricam cerca de 40 toneladas do produto por ano.
De acordo com a Faemg (Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais), não é possível calcular a participação do setor na arrecadação total, por causa das variações na produção. No entanto, especialistas apontam como inegável a importância dos queijos para a economia mineira.
Maria Edinice Rodrigues, coordenadora estadual de queijos da Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais), afirma que esse impacto na economia pode ser observado a partir do estilo de vida dos produtores. “As famílias construíram casas novas, adquiriram veículos e pagaram os estudos dos filhos. Tudo em função do queijo”, afirma.
Hugo Leite, de 28 anos, é produtor rural com a família na cidade de São Roque de Minas, a 319 km de Belo Horizonte. O jovem chegou a se formar na faculdade de arquitetura, mas quis voltar para o campo e manter o legado da família, que fabrica queijos desde seu tataravô.
“O nosso maior desafio hoje é produzir de forma artesanal, mantendo os nossos princípios, como ter o bezerro no pé da vaca, e ao mesmo tempo agregar tecnologia”, comenta o jovem sobre o desenvolvimento do setor.
A queijaria Roça da Cidade, da família de Hugo Leite, esteve na rota das cidades queijeiras visitadas pela equipe da Record TV Minas durante as gravações para a série A Arte do Queijo de Minas, exibida na emissora entre os dias 28 de novembro e 2 de dezembro. O especial é um oferecimento Epa: seu super vizinho; e Mineirão Atacarejo: mais perto, mais barato.
Veja a seguir fotos da viagem:
Reprodução/ Regiane Moreira
O queijo faz parte dos hábitos do dia a dia dos brasileiros, em pratos simples ou sofisticados.
Apesar de a relação com o alimento parecer antiga, a iguaria não foi criada em terras tupiniquins. Seu surgimento remonta a um período de 10 mil anos antes de Cristo, fruto de uma coincidência do destino, em uma época em que o homem havia aprendido a domesticar ovelhas. Conheça a história no podcast abaixo:
Se você pedir a um mineiro para falar da cidade do Serro, localizada a 228 km de Belo Horizonte, boa parte vai dizer sem pensar duas vezes: “É a terra do queijo”.
O município de 20 mil habitantes fica entre montanhas vistosas, próximo à nascente do rio Jequitinhonha. As ruas lembram as vilas portuguesas. Por lá, tudo é queijo.
“Cidade do queijo tem que ter o sorvete de queijo”, diz Grazielle Reis, secretária de Cultura e Turismo do Serro, ao convidar a reportagem para experimentar a sobremesa.
A cidade realiza há quase quatro décadas a festa do queijo. O município também tem um salão que vai ser transformado em um museu. O espaço guarda equipamentos que eram usados antigamente no processo de produção.
“Muitos turistas procuram o queijo do Serro para comprar. Andando pela cidade, a gente acha o produto em praticamente qualquer lugar”, completa a secretária.
A produção queijeira do Serro foi a primeira a receber o título de Patrimônio Nacional Cultural no Brasil. Em 2021, o título foi estendido aos demais queijos mineiros.
A força econômica e cultural do queijo no estado é tamanha que o governo nomeou dez regiões como áreas queijeiras. São 106 municípios com modo de produção artesanal e único. Veja no mapa a seguir:
Apesar de a qualidade dos queijos artesanais mineiros ser reconhecida internacionalmente, a iguaria encontra barreiras para chegar a outros países.
Os impedimentos vão muito além da distância territorial. O primeiro deles é a restrição do governo federal em relação à exportação de produtos à base de leite cru.
“Nós podemos comprar queijos franceses ou italianos de leite in natura a hora que quisermos, e eles [estrangeiros] não podem ter os nossos produtos disponíveis”, critica Leônidas Oliveira.
Elmer Almeida, consultor técnico da Faemg, explica que os alimentos não são vendidos fora do Brasil principalmente em razão de doenças existentes no país. Entre elas, a febre aftosa.
“Na Europa, você não encontra nossos produtos. Nós vamos aos concursos e precisamos levar os queijos para concorrer. Algumas pessoas levam na mala, escondido. A gente ganha prêmio, mas nossas produções não estão lá”, revela Elmer Almeida.
A venda do produto em outras regiões do Brasil também é difícil. Apenas 112 queijarias são registradas no IMA (Instituto Mineiro de Agropecuária), com o Selo Arte, que permite a comercialização em todo o território nacional. A chancela regulamenta a produção e estabelece diretrizes para a fabricação da iguaria.
No podcast a seguir, produtores e especialistas repercutem as dificuldades de exportação e apontam soluções para o problema:
O especial da Record TV Minas conta com uma série de 10 podcasts sobre a história do queijo, a força econômica e a vida dos produtores que movem o setor. Conheça as histórias neste link.
A atual meta dos produtores e do Governo de Minas Gerais é conseguir um reconhecimento mundial maior. No dia 30 de novembro, um grupo de brasileiros participou de uma reunião no Marrocos, com membros da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).
Eles preparam campo para candidatar o modo de produção do queijo de minas artesanal ao título de Patrimônio Imaterial da Humanidade.
O secretário Leônidas Oliveira observa que a chancela pode ajudar os produtores a superarem alguns entraves. “Nosso esforço é para ver se, com o mundo reconhecendo nossa qualidade, o próprio Brasil vai fazer leis e cuidar para que a Vigilância Sanitária prove que nossos produtos não representam risco à saúde”, diz.
Hugo Leite, que produz com a família na serra da Canastra, está no Marrocos para acompanhar as reuniões e se diz esperançoso.
“Para nós, é um orgulho muito grande estarmos presentes neste evento, apresentando o jeito de fazer o queijo artesanal mineiro. Estamos confiantes de que muito em breve possamos retornar com resultados positivos e ganhar o prêmio”, avalia.
A serra da Canastra está a 1.000 metros de altitude, em meio a campos, florestas e águas cristalinas. É lá onde nasce o rio São Francisco. Especialistas afirmam que as características influenciam diretamente na qualidade dos queijos.
“A vaca converte toda característica e composição do capim em suas gorduras e proteínas no momento da produção do leite. Dependendo do tipo de pastagem, você vai ter um líquido mais gorduroso e mais ou menos proteico”, explica Hugo Leite.