Município, que produz o 'Queijo Artesanal de Alagoa', quer conquistar selo de Indicação Geográfica dado pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi).

Um lugar onde o tempo passa devagar, onde o povo parece não ter pressa. A frase, tantas vezes repetidas para se referir a cidades do interior, funciona só em parte quando olhamos para Alagoa (MG), município com pouco mais de 2,7 mil habitantes localizado no alto da Serra da Mantiqueira. Enquanto nas ruas o clima é tranquilo, beirando o monótono, nas queijarias os produtores se organizam e buscam a modernização para conquistar o reconhecimento oficial para a região produtora de queijo.

Até junho, o G1 apresenta o especial “Minas dos Queijos”, que mostra a tradição da produção de queijo no Sul de Minas. As reportagens apresentam os detalhes da produção industrial e artesanal nas cidades da região, a influência europeia na fabricação do produto e a luta de produtores artesanais em busca de regulamentação e reconhecimento para produzir e vender para todo o país. O especial traz também dicas de harmonização e culinária envolvendo as diversas nuances do queijo.

A história da produção em Alagoa é antiga, datada da imigração italiana para a região, em meados dos anos 1900. De lá para cá, o número de produtores cresceu, passou por uma baixa no início dos anos 2000 e agora voltou a ganhar novo impulso, chegando a 135 queijarias, com o despontar da cidade como uma região referência na qualidade de queijo não só no estado, mas no país e até no mundo.

Esse reconhecimento trouxe uma nova possibilidade que a maioria dos produtores sequer cogitava, que é a obtenção do selo de Indicação Geográfica regulado Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi).

Queijo Artesanal de Alagoa é produzido no alto da Serra da Mantiqueira — Foto: Régis Melo

Queijo Artesanal de Alagoa é produzido no alto da Serra da Mantiqueira — Foto: Régis Melo

Conforme explica o técnico da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG), Júlio Magalhães, para obtenção do selo, a região tem que comprovar que o queijo tem propriedades únicas, ou seja, não existe, daquela mesma maneira, em nenhum outro lugar do mundo. Ele pode ter dois tipos:

  1. denominação de origem
  2. indicação de procedência

“A denominação de origem tem que ter uma comprovação biológica ou química que difere de outros produtos. A indicação de procedência é o modo de fazer que é diferente dos outros lugares”, resume Magalhães.

A Emater-MG, em parceria com produtores que estão se organizando para constituir a primeira associação de queijeiros da cidade tem ajudado no processo e acredita que o município pode conquistar os dois tipos de classificação.

“Para a denominação de origem, a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) tem feito diversas análises aqui. E para a indicação de procedência, nós estamos fazendo um resgate histórico para mostrar que aqui existe uma tradição, uma cultura que é diferenciada para a gente conseguir essa indicação de procedência”, diz Magalhães.

Queijo artesanal maturado em Alagoa — Foto: Régis Melo

Queijo artesanal maturado em Alagoa — Foto: Régis Melo

Resgate histórico para a denominação de origem

A história do Queijo Artesanal de Alagoa começa, na verdade, antes da fabricação deste tipo de queijo por lá. Com diversos produtores de leite no município, os laticínios muitas vezes usavam o excedente para a comercialização de queijo Minas, fresco, que devia ser consumido rapidamente. A dificuldade para a venda, no entanto, atrapalhava os negócios.

Não é para menos. Não é fácil chegar até Alagoa, são somente duas vias de acesso. Uma pela LMG-881, saindo de Itamonte (MG), e passando por uma rodovia à beira de um desfiladeiro, repleta de curvas e que mescla trechos de asfalto e chão, quase sempre cheios de buracos. A outra via, saindo de Aiuruoca (MG), é um trecho de 30 km de pura terra, também com relevos, lombadas e imperfeições.

Precisando superar esses desafios, que no início do século XX eram ainda maiores, os produtores viram uma oportunidade quando o italiano Pascal Poppa saiu do Rio de Janeiro e chegou à cidade na década de 1920, acompanhado de sua esposa, Luiza Altomare Poppa. Com eles, veio uma receita diferente, que permitia uma maior conservação e, assim, que o produto tivesse mais tempo para ser vendido ao descer a serra.

“Quando chegou esse outro queijo vindo da Itália, que antigamente chamava-se parmesão, hoje a gente sabe que não é o parmesão, porque teve mudanças no modo de fazer, foi uma mudança. O queijo Minas não tem a mesma capacidade de armazenamento que tem esse italiano. E de 100 anos para cá, pode-se dizer que estamos na terceira geração de queijeiros, terceira quarta geração de queijeiros”, explica o técnico.

Modo de fazer o queijo mudou com a chegada de casal italiano a Alagoa — Foto: Régis Melo

Modo de fazer o queijo mudou com a chegada de casal italiano a Alagoa — Foto: Régis Melo

Segundo relatos antigos de moradores para a Emater-MG, o italiano construiu três laticínios no município e o processo de fabricação era feita de forma rudimentar. A produção cresceu quando um rico pecuarista da região se interessou pelo produto e contratou um jovem queijeiro, que fundou mais um laticínio na cidade.

Apesar de não ser mais chamado de parmesão, o Queijo Artesanal de Alagoa carregou o nome durante muito tempo. A mudança só veio recentemente quando os produtores passaram a buscar a indicação geográfica e entenderam que o tipo produzido ali era diferente do que é feito nas regiões tradicionais da Itália.

“O queijo parmesão tem uma norma que é internacional, então ele é bem regulamentado. O que difere principalmente o queijo parmesão, na norma, é que ele tem que ser maturado 180 dias. O tamanho também difere do parmesão. O queijo parmesão tem que ter 5, 10, 15 kg mais ou menos. O nosso aqui é de 5 kg para baixo. Tem forma de 1 kg, de 3 kg e de 5 kg. O parmesão é maior”, afirma Magalhães.

Apesar da mudança na nomenclatura, no entanto, a produção do queijo mantém a tradição ensinada pelo mestre Pascal Poppa. O trabalho é 100% manual em quase todas as queijarias, indo desde a retirada de leite das vacas, ao manejo da massa, salga dos queijos e, por fim, ao processo de maturação – alguns locais têm a ordenha mecanizada.

Mesmo que cada queijaria tenha suas especificidades, o método utilizado é muito próximo, o que diferencia os produtores, mas ao mesmo tempo caracteriza de forma quase uniforme o queijo produzido na cidade.

“A tradição, acho que é o principal. Tudo começou em Alagoa. O alagoense, ele respira queijo o dia inteiro. Ele fala de queijo, ele gosta de queijo, ele come queijo. Então é basicamente o único produto do município. Que todo mundo, direta ou indiretamente, vive do queijo”, ressalta o técnico.

Terroir é considerado o diferencial no Queijo Artesanal de Alagoa — Foto: Régis Melo

Terroir é considerado o diferencial no Queijo Artesanal de Alagoa — Foto: Régis Melo

Indicação de procedência

Mas talvez mais do que a história em si, são o terroir – palavra francesa que se refere a como a relação do solo, da água e do microclima influenciam diretamente no produto final de determinada região – e a forma de fazer o queijo que determinam sua qualidade, suas características e, por fim, seu sabor.

Além disso, o Queijo Artesanal de Alagoa se difere do parmesão principalmente pelo seu tamanho. Enquanto os tradicionais italianos têm entre 24 kg e 40 kg, no município mineiro, o peso gira entre 1 kg e 6 kg. Para a produção:

  • o leite é tirado logo cedo e depois colocado nos tachos;
  • ele é fervido até chegar a uma temperatura de pouco mais de 30º C, quando o coalho e o fermento são adicionados;
  • quando a fervura chega atinge entre 45º C e 48º C, o soro separa do leite. A massa fica no fundo do tacho, enquanto o líquido fica em cima;
  • o soro é retirado, seja com baldes, seja com bombas;
  • a massa é prensada para tomar a típica forma circular;
  • o queijo é colocado na salmoura, onde permanece por um a três dias;
  • os queijos são separados, enquanto uns são vendidos frescos, outros seguem para maturação, onde pode ficar, normalmente, por até um ano.
Queijo fica na salmoura por até três dias em Alagoa — Foto: Régis Melo

Queijo fica na salmoura por até três dias em Alagoa — Foto: Régis Melo

Essa forma de fazer vai sendo passada de pai para filho ou aprendida com mestres queijeiros tradicionais da cidade. Além do cuidado na hora de fabricar a massa em si, há também muita preocupação com a saúde do rebanho e qualidade do leite.

“O leite cru é o grande diferencial, porque o microrganismo, o terroir, que a gente chama, que está presente aqui em Alagoa, na altitude de 1,2 mil a 1,6 mil metros de altitude, como o pasto e as raças próprias, dá esse sabor diferenciado no nosso queijo”, explica Magalhães.

Francisco Humberto de Souza Barros, ou simplesmente Humberto, é vice-prefeito de Alagoa e também produtor de queijo. Ele também ressalta a importância de acompanhar o processo completo, desde a ordenha até a venda do queijo já pronto.

“Porque, assim, alimentação a gente que faz. É plantado lá na roça. A gente não usa mais adubo, a gente só usa esterco, não está usando mais nada químico. E então a gente tem uma garantia. As vacas são examinadas. Então a gente faz ‘do pé ao pote’. A gente cuida desde o início até o final”, diz.

Alagoa se moderniza em busca de reconhecimento

Alagoa se moderniza em busca de reconhecimento

Premiação e início da modernização

O processo de desenvolvimento vem acontecendo nos últimos 10 anos em Alagoa, mas tem um ponto claro de influência ainda mais recente. A premiação de um queijo da cidade no concurso Mondial Du Fromage, em 2017 na França, lançou o nome da cidade nacional e internacionalmente e fez muitos produtores da cidade retomarem o interesse na área.

A premiação foi conquistada pelo empresário Osvaldo Martins de Barros Filho, fundador da empresa ‘Queijo D’Alagoa’ e pioneiro na venda de queijos pela internet. Foi com o tipo ‘Alagoa Grande’, que Osvaldinho, como é conhecido, saiu com a medalha de bronze do concurso, que teve a participação de mais de 600 concorrentes de 42 países. No mesmo ano, outro queijo da marca conquistou o troféu Super Ouro no III Prêmio Queijos Brasil.

“O prêmio internacional na França colocou Alagoa em um patamar internacional. Os prêmios nacionais também dão uma dimensão muito grande na cidade. E isso atrai turistas, isso movimenta as pousadas, movimenta o comércio local e todo mundo sai ganhando”, afirma Osvaldinho.

Osvaldinho é um dos responsáveis pelo processo de modernização de Alagoa — Foto: Régis Melo

Osvaldinho é um dos responsáveis pelo processo de modernização de Alagoa — Foto: Régis Melo

“Quando o Osvaldinho levou o queijo para a França, que ganhou o prêmio, teve uma melhora muito grande, até porque divulgou muito o nome do município trazer uma medalha ganhada no exterior. Então isso foi bom pra caramba, isso alavancou o município”, confirma Humberto.

O empresário foi pioneiro na venda de queijos pela internet. Sua empresa, criada em 2009, surgiu após uma conversa com produtores amigos que estavam insatisfeitos com os preços cobrados pelo produto na cidade.

“Aquilo me incomodou profundamente, ao ponto que eu comecei a perder noites de sono pensando nesse assunto”, conta. “Eu pesquisei, ninguém fazia isso ainda aqui no Brasil”.

Osvaldinho então procurou o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), onde obteve apoio para desenvolvimento de um plano de negócios e para entender como funcionava um e-commerce, terreno desconhecido até então. Em seguida, foi a hora de ir até uma agência dos Correios, saber se o queijo poderia ser enviado para outros pontos do país.

“Aí a mocinha olhou no computador e falou: ‘Olha, não pode abelha, formiga, porque tem essa restrição. Queijo não está na lista de restrição. Se não é proibido, é permitido. Então pode’. E nos primeiros dois meses, nós mandamos três pecinhas pelos Correios. Hoje é o nosso contrato que ajuda a manter a agência dos Correios aberta em Alagoa”, afirma.

Queijo D'Alagoa envia meia tonelada do produto por mês — Foto: Régis Melo

Queijo D’Alagoa envia meia tonelada do produto por mês — Foto: Régis Melo

De três peças para meia tonelada. Sem limite de alcance nas redes, o negócio cresceu e ganhou uma proporção, fazendo com que em determinados produtos, o cliente precise até aguardar para receber a iguaria em casa.

“Na verdade, assim, a gente sonha grande, mas a gente é pequeno. Então nós temos filas de espera para os queijos”, conta Osvaldinho.

Se Osvaldinho tem fila de espera para entregar, muitos outros queijeiros da cidade estão aproveitando o momento de alta para investir em infraestrutura. O processo tem sido acompanhado de perto pelo Emater-MG.

“Agora nós estamos em um processo de reforma das queijarias, boas práticas de fabricação, análise de brucelose, tuberculose do gado, análise de água, porque tudo faz parte da melhoria da qualidade”, explica Magalhães.

Em 2018, Alagoa produziu em média 1,5 mil quilos de queijo por dia. Entre o Artesanal de Alagoa e o Minas, que ainda é feito na cidade, a certeza de que é possível gerar mais renda para quem trabalha diretamente nos laticínios.

“Com o tempo, o produtor foi vendo que o produto dele é um produto diferenciado, não é uma commodity, é um produto único. Como um vinho francês. E aí ele passou a colocar o preço dele, então hoje o preço médio do queijo de Alagoa é R$ 20, R$ 25 o quilo. E isso foi um grande salto”, afirma o técnico.

“Agora o produtor percebeu que o maior ganho é justamente nesse processo de agregação de valor, de maturação, embalagem, ter uma marca, ter um site na internet. E isso mudou substancialmente [a cultura na cidade]”, ressalta Magalhães.

Alagoa produziu em média 1,5 tonelada de queijo por dia em 2018 — Foto: Régis Melo/G1

Alagoa produziu em média 1,5 tonelada de queijo por dia em 2018 — Foto: Régis Melo/G1

Consolidação

Esse crescimento nas vendas nos últimos anos gerou também o movimento de pessoas indo diretamente até Alagoa para visitar as queijarias. De olho nisso, em 2016, o empresário iniciou um dos seus projetos para captar mais clientes e alavancar o turismo no município e criou a Rota do Queijo e Azeite – o produto da cidade também foi premiado recentemente no concurso ExpoOliva, na Espanha, como melhor azeite do Hemisfério Sul.

O objetivo da iniciativa é que os visitantes possam fazer um tour pelas fazendas e conhecer algumas queijarias (valorizando a parceria que ele já havia feito com os produtores). Além disso, o empresário também tem apostado em cuidados com pontos turísticos na cidade. A rota, claro, termina na própria loja, onde os turistas podem aproveitar para comprar as iguarias.

“Nesse roteiro, a gente traz o turista para cá, leva ele para conhecer a fazenda das oliveiras, os olivais, almoça comida mineira, a gente leva para conhecer onde é produzido o queijo premiado internacionalmente, depois a gente faz um tour na cidade e termina aqui na loja com degustação de queijo e azeite. E isso está atraindo muito turista. Para você ter uma ideia, teve um turista que veio de Aracaju, veio para o Rio de Janeiro, pegou um carro lá e veio aqui para Alagoa conhecer”, conta, orgulhoso.

Cuidado com pontos turísticos é aposta para atrair visitantes em Alagoa — Foto: Régis Melo

Cuidado com pontos turísticos é aposta para atrair visitantes em Alagoa — Foto: Régis Melo

A presença de turistas e comerciantes que vêm de fora para comprar nas queijarias mudou o panorama local. As cinco pousadas da cidade, quase vazias durante a semana, ficam lotadas nos feriados.

“Isso é bom economicamente. Tanto para cidade quanto para os munícipes. Para as pessoas, porque hoje 90% do município vive em função de leite e queijo. Então quanto mais pessoas vierem, mais procura tiver, mais vai agregar valor ao produto. Isso acaba trazendo retorno para o próprio município”, diz o vice-prefeito.

Além disso, há até um pequeno movimento de pessoas de cidades grandes, como São Paulo e Rio de janeiro, que tem buscado abrigo nos ares da Mantiqueira. É o caso da paulista Alice Satia Cottani, que foi à cidade primeiramente a passeio, mas gostou tanto do clima e da receptividade das pessoas que agora já pensa até em se mudar para Alagoa com o marido.

“Isso aqui para mim é um sonho. Tem tudo que você precisa para ter uma vida tranquila, pacata. Tem o necessário, a boa convivência. E a cada dia que passa, a gente descobre coisas interessantes. Então tem as pessoas que vivem do queijo, tem gente que tem criação de truta, gente que faz estufa de shitake, cogumelos. A cada dia a cidade nos surpreende”, conta Alice.

“Eu acho que pessoas novas, culturas novas, isso vai influenciar na evolução do município. É bom. A gente hoje vive da tradição, mas não só tradição. A gente tem que ter uma cultura diferente estar aberto para o mundo novo”, conclui Humberto.

Alagoa está localizada no alto da Serra da Mantiqueira — Foto: Régis Melo

Alagoa está localizada no alto da Serra da Mantiqueira — Foto: Régis Melo

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