Aumento nos custos de produção e valor recorde do grão criam cenário favorável para implantação da tecnologia e despertam interesse dos produtores
O cenário desfavorável para os custos de produção da pecuária nos últimos meses tem despertado a atenção para um sistema produtivo famoso, mas ainda pouco adotado no país: a integração-lavoura pecuária (ILP).
Implantada em pastagens degradadas, a tecnologia desenvolvida pela Embrapa no início dos anos 1990, tem contribuído para reduzir os custos com reforma de pastagens e alimentação animal num ano em que os principais grãos usados na ração, milho e farelo de soja, bateram recordes históricos de preço.
“Embora eu não consiga quantificar o quanto está crescente, existe essa sensação. Inclusive conversando com outros colegas da Embrapa Gado de Corte, por exemplo, eles têm recebido muito mais demanda querendo fazer agricultura do que nós aqui da Embrapa Milho e Sorgo”, conta o pesquisador Emerson Borghi, ao relatar que até mesmo pecuaristas mais tradicionais passaram a procurar a empresa para adotar a tecnologia.
Segundo dados do Banco Central, as contratações do Plano ABC para recuperação de pastagens e para implantação de sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta cresceram, respectivamente, 54,7% e 70% nos últimos dois anos.
Em Mato Grosso, Estado com a maior produção de carne bovina do país, a sensação é compartilhada pelo diretor técnico da Associação de Criadores do Estado, a Acrimat.
“A gente percebe – e já vem vindo de uma crescente – o grande interesse nas áreas de aptidão para agricultura”, conta Chico Manzi. Segundo ele, alguns pecuaristas têm arrendado parte das suas terras para fazer a integração com a lavoura, atentos à nova realidade do mercado.
“É claro que, com o preço atrativo, você fica mais estimulado a pensar nessa possibilidade do que quando o preço não está bom. Por isso, a tendência é aumentar, porque essas áreas de vocação de lavoura tendem a migrar para a integração”, reconhece Manzi.
Dos 23 milhões de hectares de pastagem do Mato Grosso, cerca de 14 milhões são aptos para a agricultura, segundo o Imea. A distribuição dessa aptidão para a integração com a lavoura, contudo, também obedece a parâmetros sociais e econômicos, aponta Borghi.
“Na região centro-sul do Estado, onde é forte a produção de grãos, é muito difícil você entrar com o componente pecuário. Diferente da parte oeste, onde a chuva é mais irregular e o povo partiu há muito tempo para a pecuária. Então, nessas regiões, o pessoal está preferindo recuperar a pastagem a fazer um sistema de ILP”, explica o pesquisador da Embrapa.
Contudo, com os custos de fertilizantes e sementes para reforma de pastagens também em alta, a possibilidade de plantar milho e soja na mesma área tem ganhado contornos mais interessantes.
Em Minas Gerais, a estratégia tem sido adotado pelos produtores atendidos pelo consultor agropecuário Rogério Vidal na região central do Estado. Ele explica que, sem a integração, o custo de reforma da pastagem se torna “inviável”.
“Até uns quatro ou cinco anos atrás, se a gente falasse para um pecuarista que era bom ele cultivar o milho ele ia rir da gente porque era muito mais barato pegar um caminhão e mandar buscar em GO, MT ou Triângulo Mineiro. Mas agora, realmente, a fazenda vai ter que ser suficiente na produção de milho porque os custos não vão fechar se ele for trabalhar com esses insumos nos preços que estão”, relata Vidal.
Em Curvelo (MG), o produtor Thiago Álvares Guimarães conta que o custo com as sementes de Brachiária plantadas na última temporada dobrou em relação a 2019/2020. Mesmo assim, ele decidiu triplicar sua aposta na integração lavoura-pecuária e expandiu o sistema para 300 hectares.
“Eu vejo muita gente fazendo esse contorno de lavoura e pecuária visando muito o grão ou o volumoso que estão muito caros. Se você vai produzir um hectare de milho para silagem, a tonelada. que era R$ 75. hoje está com um custo de R$ 140, praticamente dobrou. Então, o povo está partindo muito pra isso”, relata o pecuarista.
Com produção de 3,5 mil litros de leite por dia, ele mantém outros 60 hectares plantados com milho irrigado, que serão transformados em silagem para alimentação do seu rebanho. Com a compra dos insumos feitas ainda em 2020, o custo com a produção do grão ficou em R$ 32 a saca, devendo subir para R$ 67 nesta temporada (2021/2022). Já na área integrada com a pastagem, onde a lavoura não recebeu irrigação, a falta de chuvas frustrou os planos.
“No meu caso, tive essa infelicidade. Parei tudo para poder estar com o gado hoje no pasto nas áreas onde foram lavoura, só que infelizmente as chuvas não ajudaram”, lamenta o pecuarista. Mesmo com as perdas na integração, ele descarta abandonar a agricultura e recomenda a estratégia que, nesta temporada, garantiu uma silagem 70% mais barata que os preços praticados na sua região.
“Meu foco não era vender milho grão, era produzir grão para as minhas vacas e ganhar o lucro do cara que me vende o grão. E acaba que vou superar isso porque, se preciso de 90 hectares de grãos, mas vou plantar 120, vão sobrar 30 hectares plantados para vender. Isso dá cerca de 5 mil a 6 mil sacos por ano que, a R$ 100 a saca, dá um bom dinheiro. É capaz de praticamente cobrir o custo da safra e fazer com que o milho para as minhas vacas saia praticamente de graça”, calcula o produtor.
O pesquisador da Embrapa, Emerson Borghi, estima que, em sacas, o custo de implantação de uma lavoura de soja numa área de pasto degradado seja de cerca de 42 sacas por hectare se considerada uma produtividade de 50 sacas. A margem, cerca de 20% inferior à média, tende a ser compensada num cenário de forte na alta nos preços do grão.
“O valor da commodity está muito bom. Então, ele pode produzir hoje 50 sacas, gastar 42, mas os oito sacos hoje para ele valem muito mais do que oito sacos há anos atrás”, explica Borghi. Segundo ele, “se os preços continuarem da forma como estão indo, todo o produtor que tiver uma área em algum estado de degradação vai querer entrar com a agricultura”.
O processo, contudo, exige planejamento e paciência, uma vez que os custos iniciais não envolvem só a implantação da lavoura, mas também a aquisição de maquinário e o treinamento da equipe de trabalho da fazenda.
“Não é só o fator econômico. Ele é o grande estímulo, mas não é só ele que é suficiente para que você decida. O valor do investimento, o grau de tecnificação, a vocação, tudo isso tem que ser levado em conta”, ressalta o diretor técnico da Acrimat. Segundo ele, esse é um processo que “está acontecendo, mas que não acontece de uma hora pra outra e não acontece para todos”.
“É por isso que a gente sempre fala que a integração lavoura-pecuária nunca deve ser feita em 100% da sua fazenda. Porque você não vai deixar de fazer sua atividade principal. Você tem que ter rentabilidade para você investir e para isso você precisa ter dinheiro. Então não abandone sua atividade principal, faça pouco a pouco, vá ganhando experiência, ganhando corpo, que aí o negócio avança”, aconselha Borghi.