Considerando que o milho e a soja são mercadorias cotadas em dólares, a taxa de câmbio actual da moeda americana no Brasil não alivia o problema. O dólar ficou abaixo dos R$5,00 em Junho, abrindo uma janela interessante para compras, mas voltou ao seu nível anterior, tornando os inputs novamente mais caros. Dados do ICPLeite (Índice de Custos de Produção de Leite da Embrapa) mostram que em Junho a compra e produção de forragem grosseira apresentou uma variação de 7% e alimentação concentrada, 3,85%. A alimentação do rebanho é mais dispendiosa nesta estação baixa.
Durante a reunião mensal sobre a situação do Milk Intelligence Center, os investigadores e analistas da Embrapa na instituição foram confrontados com a questão: “Quando é que os preços que integram os custos de produção vão começar a baixar?” A combinação do aumento dos produtos agrícolas com a desvalorização do Real não torna esta resposta fácil. A ICPLeite registou um aumento de 39% nos últimos 12 meses, terminando em Junho. O concentrado subiu 68%.
“Para agravar a situação, a falta de chuva na região Centro-Sul do país comprometeu a produção de milho fora de época”, afirma o investigador da Embrapa, Glauco Carvalho. Manifesta preocupação com o aumento significativo e diz que não vê perspectivas de os custos de produção começarem a diminuir.
Para além do atraso na plantação da cultura de cereais e da pouca chuva, mais recentemente, o aumento dos custos, para além de pressionar as margens de lucro do produtor, prejudicando a produção de leite, aumenta os preços dos produtos lácteos, que naturalmente têm preços mais elevados na estação baixa. No mercado grossista, o leite UHT (de uma caixa) estava a ser vendido na primeira quinzena de Junho a R$ 3,55. O queijo Mozzarella foi cotado a R$ 27,81.
“Depois de os preços terem registado um aumento no atacado, o mercado perdeu força nos últimos dias, mas ainda há apoio devido à estação baixa, que termina em Agosto/Setembro”, diz o investigador.
Em qualquer caso, o cenário é de prudência, devido às incertezas sobre a procura e ao aperto das margens dos produtores e da indústria.
Quanto ao produtor, o analista Denis Rocha diz que as margens de lucro continuam apertadas, mas houve uma melhoria no último mês. Em Junho, o produtor recebeu R$ 2,20 por litro de leite, com um recorde de máximos consecutivos desde Abril.
“Esta tendência ascendente é explicada pela menor disponibilidade do produto no mercado grossista, devido à época baixa, ao elevado custo de produção e à menor entrada de leite via importação”, explica Rocha.
Relativamente a 2020, o analista recorda, contudo, que neste período do ano passado, o governo pagou um montante mais elevado de ajuda de emergência, devido à pandemia, que acabou por aumentar o consumo e o preço dos produtos, assegurando uma melhor margem de lucro para o sector produtivo nessa altura. O momento actual, de acordo com Rocha, é mais complexo devido às elevadas taxas de desemprego.
Carvalho está optimista quanto ao cenário macroeconómico do país: “Os investimentos no PIB no primeiro trimestre foram bons e o consumo das famílias está a recuperar”.
O investigador afirma também que apesar do fraco desempenho no mercado de trabalho, os indicadores de desempenho tendem a ser melhores neste segundo semestre, causando um impacto positivo no sector.
O investigador Kennya Siqueira constata que o comércio, em geral, melhorou, com o consumo das famílias a regressar aos níveis pré-pandémicos.
Existe ainda um consumo reprimido muito grande, que o comércio tem vindo a absorver pouco a pouco. Ela ainda acredita que o regresso do movimento nos restaurantes poderia contribuir para o aumento do consumo de lacticínios.
Entrevista – Glauco Carvalho
Após um ano e meio da pandemia, o investigador Glauco Carvalho concedeu uma entrevista ao Anuário Leite, da Embrapa Gado de Leite, na qual fala sobre o comportamento do sector neste período:
Como avalia o comportamento do sector leiteiro durante este período de pandemia?
A indústria como um todo fez um excelente trabalho durante a pandemia, especialmente no início, quando tudo era muito novo e desconhecido. Não houve qualquer perturbação na produção ou distribuição. E o sector foi rápido a realocar leite de produtos lácteos com maior dificuldade de venda para outros com menos problemas logísticos e de distribuição. Desta forma, a cadeia de produção conseguiu manter o abastecimento de leite e produtos lácteos em todo o país, satisfazendo as necessidades de consumo dos brasileiros.
Houve mais impacto no segmento da produção ou consumo de leite?
Houve um crescimento no sector como um todo. Crescemos na produção de leite e crescemos no consumo. Mas como a nossa balança comercial era negativa, ou seja, importamos mais do que exportamos, eu diria que o impacto no consumo foi maior. Mas, neste caso, foi um impacto positivo. Se olharmos para a produção de leite formal, ou seja, com inspecção, houve um aumento de 2,1% no ano passado. A disponibilidade, que é o volume absorvido internamente no consumo directo ou indirecto, registou um crescimento de 2,8%. Por esta razão, digo que o impacto no consumo foi maior e muito impulsionado pelo efeito no rendimento que ocorreu na população através da Ajuda de Emergência. Mas também tivemos novos hábitos de consumo que ajudaram as vendas.
No primeiro ano da pandemia, houve um crescimento no sector, devido à ajuda de emergência. Este ano, a ajuda é menor. Poderá o ano 2021 fechar-se com uma crise estabelecida na cadeia de produção, que se prolongará até 2022?
A cadeia do leite é muito resistente às crises e, em geral, ajusta-se rapidamente. Mas o cenário a curto prazo não é o melhor, devido a uma série de factores. Do lado macroeconómico, temos uma elevada taxa de desemprego, uma queda nos rendimentos e um aumento da inflação e das taxas de juro. Além disso, prevê-se que o crescimento económico seja baixo, ficando muito aquém da expansão global. Especificamente em relação ao sector, estamos sob enorme pressão de custos e com dificuldades em transmitir os preços ao consumidor final devido à própria fraqueza macroeconómica. É um ambiente muito desafiante e, sim, pode arrastar-se para além de 2021, especialmente em termos de custos. Por conseguinte, é um ano que sugere decisões mais conservadoras. Mas não podemos esquecer que a economia está a recuperar, com efeitos positivos no rendimento e no consumo ao longo dos próximos meses.
Como explicar o aumento dos custos de produção de leite, que se arrastou desde o início da pandemia?
Este aumento está relacionado com um conjunto de factores, internos e externos. Externamente, podemos destacar: a desvalorização do dólar em relação a outras moedas, que aumentou os preços das mercadorias em dólares; o forte crescimento do consumo global; as importações de milho chinês, que costumavam ser entre 3 e 5 milhões de toneladas/ano, deverão agora exceder 25 milhões de toneladas; o declínio dos stocks globais de milho e soja, com uma queda acentuada dos stocks dos EUA. Outro factor, pouco falado, foi a migração de fundos hedge para os mercados de mercadorias. Os fundos têm uma posição historicamente alta e longa, o que acaba por colocar mais pressão sobre os preços. Mas também tivemos factores internos. Para além dos problemas climáticos que afectaram a plantação e a colheita, houve uma desvalorização do real, o que tem um forte impacto nos custos de produção de leite. De qualquer modo, o facto é que temos uma procura firme de milho e soja e com produtores altamente capitalizados, retardando as vendas.
Para além dos preços das mercadorias, o que mais aumentou os custos de produção de leite?
Os principais aumentos foram no custo do concentrado, como mencionado acima. Mas estamos também a assistir a um aumento no custo dos alimentos volumosos, com combustível, fertilizantes e pesticidas mais caros. Estes são factores de produção afectados pela taxa de câmbio, o preço do petróleo, o frete marítimo internacional, e todos estes factores sugerem um aumento.
O aumento da taxa de câmbio torna o leite brasileiro mais barato em comparação com os preços internacionais. No entanto, as importações estão a aumentar. Qual é o papel da taxa de câmbio na crise actual?
No agronegócio, a desvalorização cambial é geralmente positiva. Mas isto quando pensamos em cadeias agro-exportadoras como a soja, café, laranja, etc. No caso do leite, apesar da taxa de câmbio das importações, há um efeito directo nos custos. No segundo semestre de 2020, a taxa de câmbio não foi suficiente para manter as importações. Os preços internos mais elevados e a competitividade dos produtos lácteos da Argentina e do Uruguai aumentaram consideravelmente as nossas importações. E isto também ocorreu no início de 2021, mas com volumes decrescentes. No início do ano, estamos a ver as importações a perder força e as exportações a crescer. A subida dos produtos lácteos no mercado internacional contribuiu para este movimento.
No que diz respeito à indústria, o que tem preocupado os produtos lácteos?
A grande preocupação é a dificuldade em aumentar as margens e em acrescentar valor. Como temos uma indústria muito fragmentada e nenhum poder de negociação com os retalhistas, o sector acaba por ser pressionado em certos momentos. A existência de baixas barreiras à entrada no sector acaba por gerar este resultado de pouco poder de mercado. Quando a economia cresce mais acentuadamente, este efeito é mitigado, uma vez que há uma expansão do rendimento e do consumo. Mas quando o crescimento económico é baixo, os problemas agravam-se. O consumo de leite tem uma forte relação com o rendimento e o Brasil deixou de crescer em 2014. Como resultado, estamos praticamente estagnados também no leite. E quando há apreensões sequenciais, o resultado é muito perigoso. O Brasil diminuiu em 2015 e 2016, depois tivemos um crescimento muito baixo no período de 2017-2019. Em 2020 veio a pandemia e mais crise económica. Isto mina a capacidade de investimento das empresas em diferentes sectores, afecta o emprego, o rendimento, o consumo, etc. No primeiro ano da pandemia, tivemos uma forte contribuição fiscal, que gerou um importante consumo de produtos lácteos. Mas é algo que não se sustenta e acaba por aumentar o endividamento público, o que tem outras consequências económicas negativas, tais como taxas de juro mais elevadas, por exemplo.
Houve um aumento no consumo de leite no primeiro ano da pandemia, como é que o consumidor se está a comportar neste momento?
A situação no início de 2021 é mais complicada. No ano passado tivemos um grande consumo das classes D/E com a libertação da Assistência de Emergência. Mas perdemos uma boa parte dessa parte da população por falta de rendimento. Começámos 2021 com um tímido crescimento do consumo, o que está a limitar aumentos de preços mais robustos e a exercer uma pressão negativa sobre as margens de rentabilidade do sector.
Considera que o sector leiteiro foi o menos afectado pela pandemia no âmbito do agro?
Não o vejo. No primeiro ano, o sector beneficiou do aumento do consumo e da melhoria das margens. Mas isto não se manteve e no final de 2020 o cenário tinha-se agravado. O facto é que o mundo está a crescer rapidamente e as cadeias agro-exportadoras estão a tirar partido do momento, com maiores carregamentos de produtos e a preços mais elevados. Por outras palavras, uma combinação perfeita. Este não é o caso do leite, que depende quase exclusivamente do rendimento interno para crescer. Deveríamos ter um ajuste de oferta para melhorar a actual condição de preços.
Que lições pode o sector leiteiro, dentro e fora da exploração, tirar deste período tão atípico e qual é a tendência a seguir?
Vejo que há várias lições, tais como a adaptação exigida pela pandemia, como lidar com as incertezas e como lidar com a expectativa de más notícias, esta última está muito presente na vida quotidiana da pandemia. Neste sentido, as maiores lições aprendidas estão relacionadas com a acção e a cooperação. Reclamar não ajuda em nada, mas agir ajuda. E vejo que a indústria seguiu esta linha no primeiro ano da pandemia. Todos nós enfrentamos inúmeros desafios e o importante é procurar soluções para avançar e ter sucesso. No caso da cooperação, a procura de boas parcerias no negócio é essencial para lidar com a complexidade do mundo actual. E a pandemia mostrou que a cooperação entre indivíduos, empresas e nações foi a arma mais poderosa na procura de soluções, como a vacina Covid-19. Para o futuro, esta cooperação será essencial nas empresas para produzir mais eficientemente, para fazer melhores compras de insumos, para melhorar a comercialização e para acrescentar valor. Há também tendências relacionadas com a segurança alimentar, saúde, ambiente, responsabilidade social, todos os tópicos que precisam de estar na agenda do sector.
Com menos pessoas a frequentar bares e restaurantes, na sua opinião, a pandemia foi capaz de mudar os hábitos de consumo de lacticínios?
Definitivamente sim. Houve uma substituição de alimentos fora de casa por alimentos em casa, o que aumentou a procura de produtos lácteos utilizados na cozinha. Mas as mudanças de hábitos não aconteceram apenas devido à menor presença em bares e restaurantes, mas devido a uma série de mudanças que experimentámos. Com a pandemia, as famílias favoreceram as despesas com a alimentação. Além disso, enquanto uma parte da população ganhava rendimentos e gastava mais em alimentos, outras tinham aumentado a poupança devido à poupança noutras despesas, tais como viagens e até mesmo em bares e restaurantes. Estas famílias acabaram por favorecer uma dieta mais elaborada e mais prazerosa. De qualquer modo, tem sido um período com diferentes experiências de consumo. E também vejo que a pandemia acelerou algumas tendências como as compras online. É uma forma de comercialização que o sector leiteiro precisa de explorar mais. Há outras questões relacionadas com a segurança alimentar e a origem que provavelmente ganharão tracção nos próximos anos.
É muito provável que uma nova ordem seja estabelecida na agricultura brasileira e mundial quando a nossa vida voltar à normalidade. O que devemos esperar?
Há uma procura crescente de práticas de ESG (Environmental, Social, Governance) no terreno. A sociedade e os investidores procuram um modelo de desenvolvimento sustentável que considere estas questões, ou seja, a protecção ambiental, a responsabilidade social e uma maior transparência. Estas são questões que ganham peso na análise dos investidores, no comércio global, e o Brasil tem um enorme potencial nesta direcção, com uma agricultura de baixo carbono e produção alimentar para abastecer uma grande parte da população mundial, sem subsídios. Este é o sinal que estamos a ver para o futuro. As cadeias agro-alimentares avançam para ganhos de produtividade para a segmentação do mercado e a personalização do consumo, e aqui estamos a falar de acrescentar valor aos produtos. No caso do leite, a forma como é produzido, e por quem, irá ganhar cada vez mais importância. Como resultado, há exigências de rastreabilidade, bem-estar animal, pegada de carbono, resíduos e reciclagem, sustentabilidade, produtos locais, produtos naturais, entre outras tendências. Os consumidores procuram esta informação e a indústria pode utilizá-la como uma importante fonte de valor.
Traduzido por DeepL