Carreira profissional do ilustre cidadão se confunde com a história da pesquisa agropecuária brasileira
Eliseu Alves, a lenda da Empraba. A trajetória profissional do ilustre cidadão se confunde com a história da pesquisa agropecuária brasileira (Foto:  Diego Bresani)
Eliseu Alves (Foto: Diego Bresani)

*Publicado originalmente na edição 414 de Globo Rural (abril/2020)

O ex-ministro Delfim Netto o descreve como “um mineiro cientista jeitoso, humilde, perseverante e convincente, o genial pai da Embrapa, e, portanto, da moderna agricultura brasileira”. O presidente da Embrapa, Celso Moretti, avalia que “é dono de uma inteligência privilegiada, com raciocínio brilhante, lógico e pragmático. Um visionário”.  O ex-presidente da Embrapa Maurício Lopes o tem como “um analista profundo, provocador hábil e construtivo, capaz de obter o melhor das pessoas”.

O presidente da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), João Martins, o chama de “lenda do agro brasileiro”.  A senadora Kátia Abreu, quando era ministra da Agricultura, sempre quebrava o protocolo para tê-lo a seu lado.  A atual ministra Tereza Cristina o trata com reverência.

Eliseu Alves, a lenda da Empraba. A trajetória profissional do ilustre cidadão se confunde com a história da pesquisa agropecuária brasileira (Foto: Diego Bresani)
Eliseu Alves (Foto: Diego Bresani)

Além do reconhecimento, todos possuem um enorme carinho por este senhor de passos lentos, olhar arguto e pensamento ágil que, aos 89 anos, segue distribuindo lições de vida e palavras sábias.

Eliseu Alves foi criado em uma fazenda mineira de criação de gado leiteiro e duas vezes foi salvo pelo que acredita ser a intervenção de Deus. Na primeira, tinha uma doença desconhecida, e, à morte, descobriu-se que era fome. Na outra, escapou do tifo.

Cresceu ambicioso por conhecimento. Fez agronomia e foi para a recém-surgida extensão rural. Gostava de matemática, estatística e do método científico. Foi para os EUA cursar mestrado e, em 1968,  graduou-se PhD em economia rural pela Purdue University, de Indiana.  Voltou ao Brasil sabendo que o problema da pouca produção não era o desconhecimento do agricultor – tese vigente na época –, mas a falta de informação técnica adaptada.

Era preciso conjugar a ciência básica e aplicada para gerar soluções. Hábil e convincente articulador, desenvolveu os conceitos básicos da Empresa Brasileira de Agropecuária (Embrapa) junto com um grupo original nomeado pelo então ministro Cirne Lima e apoiado pelo ministro Delfim Netto. Faziam parte do grupo Eliseu Alves, José Pastore, Afonso Pastore, Guilherme Dias e Luiz Fonseca.

Infância com os primos e a irmã na Fazenda do Angola, em Itutinga; e ao lado, deitado (ao centro) com colegas da extensão rural em Viçosa (MG) (Foto: Arquivo pessoal)
Infância com os primos e a irmã na Fazenda do Angola, em Itutinga; e ao lado, deitado (ao centro) com colegas da extensão rural em Viçosa (MG) (Foto: Arquivo pessoal)

No seu modelo institucional, a Embrapa criou centros de pesquisa por produtos, por temas e por características regionais. Haveria um sistema nacional de pesquisa reunindo também os institutos estaduais e universidades em articulação direta com os produtores.

De seu cérebro nasceu o conceito de treinar estudantes qualificados em massa no exterior e trazê-los de volta para resolverem problemas concretos dos agricultores. Apostou em uma ciência brasileira para garantir a segurança alimentar da população.

Eliseu Alves recebendo o título de doutor honoris causa da Purdue University, Indiana, nos Estados Unidos, em 1985 (Foto: Arquivo pessoal)
Recebendo o título de doutor honoris causa da Purdue University, Indiana, nos Estados Unidos, em 1985 (Foto: Arquivo pessoal)

E o Brasil deixou de ser importador de quase tudo, até feijão, arroz e leite, para se tornar um dos maiores exportadores de alimentos do planeta. Uma única tecnologia gerada pela Embrapa, a fixação biológica de nitrogênio no solo, economiza, todo ano, 13 vezes o orçamento da empresa.

Fez isso como um dos construtores da proposta e integrante da primeira diretoria da Embrapa (1973-1979). Já como presidente da empresa (1979-1985), acelerou a implementação do projeto original. Telefonava cada dia para um chefe de centro de pesquisa para perguntar sobre resultados, impacto, o que estavam obtendo. Estabeleceu foco e entregas como prioridades. Chamou físicos, economistas, sociólogos, tecnólogos para fazer pesquisa agrícola e implantou centros de pesquisa nos Estados para atender às necessidades do país.

Pensou, antes de todos, em recursos genéticos e biotecnologia, em instrumentação avançada e informática na agricultura. Sempre soube da importância dos políticos, habilmente evitando que interferissem nas prioridades da pesquisa. Administrador sábio e diplomático, obteve apoio de sucessivos ministros e presidentes, enfrentou pressões de todo tipo e recusou a perseguição política.

Ao centro, Eliseu Alves com colegas da Universidade Federal de Viçosa, em 1957 (Foto: Arquivo pessoal)
Ao centro, com colegas da Universidade Federal de Viçosa, em 1957 (Foto: Arquivo pessoal)

É questionador habilidoso e persistente. Provoca diálogos tanto agradáveis como produtivos. O interlocutor vem com conversa leve e sai com ideias originais. Simplifica problemas complexos para dar soluções práticas e efetivas.

Diz que aprendeu a pensar com método e definir, primeiro, o diagnóstico correto: “Ver nos problemas complexos a teia de simplicidade que os compõe para escolher a solução”; depois, ativismo para viabilizá-la: “Pensar, propor e agir”. Agradece por ter feito isso em “uma aventura tão bem-sucedida como foi a Embrapa”.

Eliseu Alves no escritório sede da Codevasf, em Brasília (Foto: Arquivo pessoal)
No escritório sede da Codevasf, em Brasília (Foto: Arquivo pessoal)

Foi  o terceiro presidente da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), entre 1985 e 1989.  Sua gestão teve um papel  fundamental na aurora da exportação de frutas no Nordeste. Transferiu do setor público para o agricultor a coordenação dos projetos de produção e fortaleceu a região como polo produtor de alimentos a partir da organização e do uso intensivo de tecnologia.

Voltou à Embrapa como assessor da presidência, função que exerce até hoje. Ali, numa sala no primeiro andar, ensina que, mais importante que recursos financeiros, laboratórios ou tratores, é preciso ter gente competente com foco, iniciativa e visão clara dos desafios.

Eliseu Alves é uma instituição, o mito fundador da Embrapa. E de uma simplicidade encantadora. Tem animados debates, carinhosamente agudos à vista de todos, com Eloisa Moreira Alves, esposa de seis décadas. Vira amigo de infância de qualquer um que busque uma conversa. Então, os olhos dele faíscam. Quando comento que às vezes altera bruscamente o tom da fala, ensina: “Às vezes, você tem de mudar a ênfase, se não fica muito monótono, e a pessoa cansa e perde o interesse pela conversa”.

Eliseu Alves na sede da Embrapa (Foto: Divulgação)
Na sede da Embrapa (Foto: Divulgação)

Até na prosa tem método. Para provocar, desafia o senso comum e emite opiniões originais sobre os muitos assuntos que domina: extensão, pesquisa, administração, matemática, economia, educação, agricultura, criação de gado, crédito agrícola, pobreza rural, desenvolvimento sustentável e segurança alimentar.

É cristão entusiasmado, religioso, com fé inquebrável na busca de uma “sociedade justa e fraterna e uma vida feliz”. Segue produzindo artigos sobre grandes temas da agricultura que, sabe, serão lidos com atenção pela capacidade de mudar visões e guiar decisões.

Nos últimos anos, dedicou-se a estudar a pobreza rural e mostrou como a pequena produção sucumbe: compra insumos por valor mais alto e vende a produção por valor mais baixo. O resultado são 3,9 milhões de estabelecimentos pobres. Imperfeições de mercado é o nome da desigualdade, afirma, resoluto. Organização é a solução, aponta.

Eliseu Alves, um extraordinário personagem não apenas da vida, da ciência e da agricultura, mas da compreensão e construção do Brasil.

Bryce Cunningham, um produtor de leite escocês, proprietário de uma fazenda orgânica em Ayrshire (Escócia), lançou um produto lácteo para agregar valor ao leite de sua fazenda, que é um produto de ótima qualidade, sem aditivos, e é um exemplo de economia circular.

Você pode estar interessado em

Notas
Relacionadas

Mais Lidos

Destaques

Súmate a

Siga-nos

ASSINE NOSSO NEWSLETTER