Para uma empresa do conhecimento, como a Embrapa, é importante saber exatamente do que se fala, especialmente quando se trata dela mesma.

Para uma empresa do conhecimento, como a Embrapa, é importante saber exatamente do que se fala, especialmente quando se trata dela mesma. A suspeita é que se conhece pouco do papel dessa instituição na história do Brasil, embora a sua imagem seja muito forte. Quem está na Embrapa há mais de 35 anos, como eu, já viu quase tudo, como os tempos dos pacotes tecnológicos, estratégia usada logo depois da criação da estatal. Havia, naquela época, muito a fazer e tudo a sistematizar em todas as áreas do conhecimento e a Embrapa já nasceu mostrando a sua pujança. Um pouco mais tarde, com o retorno do pessoal que saíra do País para fazer pós-graduações, viveu-se o ciclo da “genética embrapiana”, talvez o mais altivo e por isso mais saudoso para quem acompanha e faz esta bonita aventura tropical de pesquisa agropecuária brasileira. Muitos pesquisadores foram admitidos e imediatamente saíram para a qualificação em outros países, de onde voltaram carregados de ideias para se juntarem aos que ficaram.

Esses cientistas fizeram uma revolução genética latina espetacular. Na orizicultura acompanhei de perto o trabalho do melhorista Arlei Terres, incansável no desenvolvimento de muitas das cultivares do arroz que estão à mesa dos brasileiros. Mesmo aposentado, Terres mantém experimentos no quintal da sua casa, no município gaúcho do Capão do Leão, porque não sabe viver sem a ciência.

Os desafios da Embrapa são outros hoje: a genética competitiva está nas mãos das grandes multinacionais, que fazem dela um negócio como outro qualquer. Por enquanto é altamente rentável vender genética. Se um dia não for mais, qual a genética vai abastecer os nossos produtores? A da Embrapa, claro, só não vê quem não quer ou não sabe ler a onda da história e a marcha dos acontecimentos. Afinal, no mundo dos negócios não tem almoço grátis.

Temos, nesta questão da genética, uma grotesca falácia, a de que com o papel hoje desempenhado pelas empresas nos negócios agrícolas de sementes a Embrapa ficou sem chão e sem objeto de pesquisa. Nada disso, as commodities são importantes, mas não se pode reduzir ao único foco do desenvolvimento agrícola brasileiro. Quando se vê o Brasil por dentro descobre-se que as funções agrícolas são mais diversificadas e complexas do que se imagina e que em muitas das atividades, mesmo as de alta renda, não há ninguém interessado, a não ser a pesquisa brasileira.

Maior produtor e exportador de café no mundo, o Brasil conta exclusivamente com genética e todas as demais tecnologias de produção em uso com a marca nacional. Não se pode anular o papel do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), em São Paulo, do Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) e do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural do Espírito Santo (Incaper) e, claro, da nossa Embrapa. A Embrapa Rondônia está lançando mais uma série de clones cafeeiros com alta adaptabilidade para a região Norte, onde já se produz com as comunidades locais, inclusive indígenas, um dos melhores cafés brasileiros. E um diferencial: o melhoramento é participativo.

Quem estaria interessado também em melhoramento de batata, senão a Embrapa, que aceitou o desafio de lançar batatas de alta qualidade para atender o mercado especializado e hoje tem opções para deixar de importar sementes? Ninguém pode desmerecer o trabalho incansável do pesquisador Arione Pereira, da Embrapa Clima Temperado (Pelotas-RS) para chegar na melhor genética de batata para consumo direto e indústria. E quem não inclui batatas no seu cardápio? E quem fica sem o seu cafezinho? Enfim, como estes poderíamos desfilar outros exemplos sobre genética. Mas, perdoem, não é possível mencionar todos neste artigo.

Ainda que genética continue a ser importante, o que justifica manter e investir mais ainda numa empresa de estado como a Embrapa está muito além dela. O conhecimento adquirido de Brasil pelos técnicos que fazem esta instituição e que migra para o dia-a-dia dos sistemas produtivos é superlativo e espetacular. Pouca gente sabe como as mudanças acontecem no campo. Para conhecer a relevância desse trabalho é preciso ir aos rincões do País para saber o impacto, que não se tem régua para medir, da informação e demonstração técnica qualificada na vida das pessoas.

Na produção de leite, por exemplo, um dos projetos notáveis é o Balde Cheio, que completou 21 anos de existência. Na comemoração, os depoimentos emocionados dos produtores aos pesquisadores Arthur Chinelato e André Novo, levou às lágrimas mais de 200 pessoas num auditório em São Carlos-SP no último dia 22/3. Ao seguir com rigor as orientações de Chinelato, os produtores de leite mudaram de vida, passaram a ter dignidade e orgulho de suas propriedades rurais. Está tudo documentado, o antes e o depois, os avanços obtidos, as pessoas felizes e entusiasmadas em produzir. São pequenos, médios e grandes produtores produzindo mais, pois a tecnologia não tem bandeira, a não ser a do desenvolvimento. Apenas uma exigência: é preciso o acompanhamento de um técnico que alinha as ações, afinal a Embrapa não faz assistência técnica e, por isso, reconhece a decisiva relevância dos parceiros.

O que se aprende nos relatos destas histórias da vida científica no campo é que algo mudou e por isso a Embrapa precisou mudar. Havia um tempo para focar apenas nas tecnologias, mas hoje são novos os desafios. Mais do que fazer, é importante saber como fazer, como dizer e comunicar as ideias. Este é um grande diferencial, relativo ao modo de transmitir e assim promover o desenvolvimento com (e não para) os agricultores. Muitos técnicos da Embrapa estão inovando, mais do que em outras áreas, quando ouvem atentamente e respeitam o conhecimento daqueles que vivem no campo e para o campo, ao forjarem as tecnologias que os atendem. Com este modelo não há desperdício de tempo e tampouco de foco nos problemas e, assim, avança-se mais rápido. O Balde Cheio, o melhoramento de batata, o café em Rondônia e o Projeto Bem Diverso seguem esta rota de interação entre a Embrapa e a sociedade. E, portanto, são inovadores, mesmo no cenário especializado da ciência.

A Embrapa dá muito certo e se renova porque está comprometida com o desenvolvimento brasileiro, mais do que com o desenvolvimento de tecnologias. A Embrapa moderna funciona ao fazer intercâmbio e construção de conhecimentos, porque antes de tudo quer saber a “dor” antes de aplicar o remédio. O imenso portfólio de tecnologias de uma empresa como a Embrapa só tem sentido quando inicia orientado nos problemas reais do setor produtivo. O contrário é desperdício e isso não se pode admitir. Ou seja, o maior desafio do desenvolvimento tecnológico não é ele mesmo, mas o que vem antes e o que acontece depois.

A Embrapa animada e altiva não vê apenas o seu umbigo tecnológico, vai em busca de parcerias estratégicas com outras instituições e especialmente com as universidades. Vamos para mais um exemplo, o recém-lançado programa Avança Café, pela Embrapa Café e pelo Consórcio de Pesquisa do Café. Estão abertas as inscrições nas Universidades de Lavras e de Viçosa, em Minas Gerais, para formar empresas startups, nas incubadoras dessas instituições de ensino, voltadas para soluções 4.0, baseada na internet das coisas, para todo ciclo produtivo do café.

O desafio foi lançado e as universidades estão envolvidas e exultantes com a inovação do programa, semelhante ao que acontece há mais tempo no leite com o Ideas for milk, promovido pela Embrapa Gado de Leite (Juiz de Fora-MG), já em sua terceira edição. São os jovens, ainda embarcados na vida acadêmica que terão oportunidade de criar negócios com base no café e serem treinados para desenvolverem soluções tecnológicas com alta aderência com a realidade. Assim a ciência avança mais rápido dentro e fora da Embrapa, além de incentivar novos cientistas. Logo mais o Avança Café estará espalhado em todo o Brasil.

A Embrapa é vibrante em áreas remotas, como na Amazônia, onde está envolvida com as comunidades locais e vai até os produtores em busca de desenvolvimento e sustentabilidade. Para ficar mais perto das comunidades o pesquisador Everaldo Nascimento de Almeida mudou-se de Belém para Marabá e agora está “colado” ao território onde o projeto será executado e, assim, tem uma noção mais clara e conectada com os problemas dos agricultores. Ali se aplica o princípio da construção do conhecimento – o popular e o científico juntos- como base para qualquer ação.

Sabemos que nem tudo é perfeito, há quem aponte e justifique críticas a Embrapa e temos que ouvi-las com a máxima atenção. Porém, penso que muitas delas não se sustentam e suspeito que falta informação e comprometimento de quem fala. Por isso, apelo que conheçam mais o trabalho da nossa empresa, os seus exemplos de sucesso, como o projeto Bem Diverso, liderado pela Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) das Nações Unidas (ONU), que imerge nas comunidades, identifica seus problemas e se alia para fazer com as pessoas o seu desenvolvimento integral, com apoio de inúmeras organizações da sociedade civil. Ninguém faz nada sozinho e o bonito de ganhar é ganhar juntos.

A solução não cai do céu, porque quem faz a hora somos nós e fica mais fácil quando se conhece este lindo país chamado Brasil. Quem sabe nas próximas férias optar por ir até os seus rincões mais distantes. Falar com os agricultores numa cerca ao lado do pasto alto, sobre a importância da Embrapa. Ai então a gente pode lavar a alma e ficar sabendo o quanto a sociedade valoriza a Embrapa como empresa pública. Talvez a partir dessa viagem passe a ter sentido também pra você falar da Embrapa como um balde cheio de soluções.

Bryce Cunningham, um produtor de leite escocês, proprietário de uma fazenda orgânica em Ayrshire (Escócia), lançou um produto lácteo para agregar valor ao leite de sua fazenda, que é um produto de ótima qualidade, sem aditivos, e é um exemplo de economia circular.

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