O soro de queijo (SQ) é o subproduto resultante da produção de queijos ou caseína, representando de 85 a 95% do volume total de leite processado na indústria.

O soro de queijo (SQ) é o subproduto resultante da produção de queijos ou caseína, representando de 85 a 95% do volume total de leite processado na indústria. Este material contém aproximadamente 55% do conteúdo da matéria-prima original (GUIMARÃES et al., 2010). O SQ é muitas vezes reaproveitado para a fabricação da ricota; no entanto, este processo libera outro subproduto: o soro de ricota, conhecido como soro secundário de queijo (SSQ) ou soro de queijo de segunda geração.

Este material contém 60% do total de sólidos do SQ, mantendo grande parte da lactose. Quando há a utilização de sal para a fabricação do queijo ricota, o SSQ pode apresentar uma alta salinidade, o que também é prejudicial em termos de descarte deste material (CARVALHO et al., 2013). Tanto o SQ quanto o SSQ possuem altas cargas orgânicas, com Demanda Biológica de Oxigênio (DBO) e Demanda Química de Oxigênio (DQO) de 30-50 g/L e 60-80 g/L, respectivamente (SANSONETTI et al., 2009). Estes valores representam 1/150 da carga poluidora de esgotos domésticos, que possuem DBO e DQO de aproximadamente 0,20 e 0,41 g/L, respectivamente (GALLEGO-SCHMID; TARPANI, 2019).

Segundo Smithers (2015) o volume de SQ produzido anualmente no mundo é de aproximadamente 180 a 190 milhões de toneladas, das quais 50% (aproximadamente 90 milhões de toneladas por ano) são descartadas, sem qualquer tipo de reuso. Dos outros 50%, metade (aproximadamente 45 milhões de toneladas/ano) são utilizadas diretamente na sua forma líquida, para a produção de ricota e de bebidas fermentadas a base de soro.

Aproximadamente 30% (ou 13,5 milhões de toneladas/ano) são transformados em SQ em pó, produto que pode ser vendido diretamente ou aproveitado para a produção de fórmulas infantis. Aproximadamente 15% (ou por volta de 6,75 milhões de toneladas/ano) são purificados e vendidos como lactose e seus derivados e os últimos 5% (aproximadamente 4,5 milhões de toneladas/ano) são utilizados para a concentração ou isolamento das proteínas do soro, podendo ser comercializados nos suplementos conhecidos como whey protein (MOLLEA; MARMO; BOSCO, 2013). Atualmente, estas são as estratégias empregadas pela indústria para reaproveitar os soros lácteos.

No entanto, a produção anual de SQ ainda vem crescendo. De acordo com a empresa PM Food & Dairy Consulting (2016), a produção global de queijo em 2023 é estimada em 26 milhões de toneladas. Considerando que 9 litros de SQ são liberados a cada 1 kg de queijo produzido, o volume anual de SQ em 2023 será de 230 milhões de toneladas. A produção de grandes volumes de um material com alto potencial poluidor reforça a necessidade de estabelecer novas alternativas para a sua reutilização.

Neste sentido, as pesquisas voltadas a estas estratégias vêm ganhando força no meio científico. O SSQ, por exemplo, é reportado para a produção de combustíveis como bioetanol (SANSONETTI et al., 2010; VINCENZI et al., 2014), hidrogênio (VASMARA; MARCHETTI, 2017), biogás (COMINO; RIGGIO; ROSSO, 2012; CURCIO et al., 2010) e, de forma indireta, para a produção de biodiesel (CAROTA et al., 2017). Além disso, estudos recentes descrevem hidrolisados de SQ como fontes para a obtenção de peptídeos bioativos (fragmentos obtidos após a “quebra” das proteínas) (BRANDELLI; DAROIT; CORRÊA, 2015; DULLIUS; GOETTERT; DE SOUZA, 2018).

Ainda, devido à presença de lactose, vitaminas e minerais, o SQ vem sendo aplicado como substrato para a produção de enzimas (GEIGER et al., 2016; YOU et al., 2017) e ácido láctico (SORIANO-PÉREZ et al., 2012), para a síntese de galacto-oligossacarídeos (GOLOWCZYC et al., 2013; HUGO; BRUNO; GOLOWCZYC, 2016; LISBOA et al., 2016) e, finalmente, para o desenvolvimento de bactérias ácido-lácticas (BURNS et al., 2008; PESCUMA et al., 2012; KAREB et al., 2018).

Portanto, os soros lácteos produzidos na indústria de laticínios possuem um alto potencial poluidor e, se descartados indevidamente, podem causar um impacto ambiental negativo. Cabe ressaltar, ainda, que existem inúmeras possibilidades de reúso para estes materiais, que vêm ganhando destaque em meio às pesquisas na área de laticínios.

O projeto intitulado “Pesquisa & Desenvolvimento MEQ: uma inovadora e sustentável produção de queijos maturados de elevado valor agregado”, desenvolvido na Universidade do Vale do Taquari – Univates, em Lajeado – RS, em parceria com a empresa Milk, Education and Quality (MEQ), de São Paulo, busca, em um dos seus objetivos, estabelecer estratégias para o reuso dos soros lácteos que serão gerados na indústria.

Referências bibliográficas

BRANDELLI, A.; DAROIT, D. J.; CORRÊA, A. P. F. Whey as a source of peptides with remarkable biological activities. Food Research International, v. 73, p. 149–161, 2015.

BURNS, P. et al. Suitability of whey and buttermilk for the growth and frozen storage of probiotic lactobacilli. International Journal of Dairy Technology, v. 61, n. 2, p. 156–164, 2008.

CAROTA, E. et al. A sustainable use of Ricotta Cheese Whey for microbial biodiesel production. Science of the Total Environment, v. 584–585, p. 554–560, 2017.

CARVALHO, F.; PRAZERES, A. R.; RIVAS, J. Cheese whey wastewater: Characterization and treatment. Science of the Total Environment, v. 445–446, p. 385–396, 2013.

COMINO, E.; RIGGIO, V. A.; ROSSO, M. Biogas production by anaerobic co-digestion of cattle slurry and cheese whey. Bioresource Technology, v. 114, p. 46–53, 2012.

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DULLIUS, A.; GOETTERT, M. I.; DE SOUZA, C. F. V. Whey protein hydrolysates as a source of bioactive peptides for functional foods – Biotechnological facilitation of industrial scale-up. Journal of Functional Foods, v. 42, p. 58–74, 2018.

GALLEGO-SCHMID, A.; TARPANI, R. R. Z. Life cycle assessment of wastewater treatment in developing countries: A review. Water Research, v. 153, p. 63–79, 2019.

GEIGER, B. et al. From by-product to valuable components: Efficient enzymatic conversion of lactose in whey using β-galactosidase from Streptococcus thermophilusBiochemical Engineering Journal, v. 116, p. 45–53, 2016.

GOLOWCZYC, M. et al. Use of whey permeate containing in situ synthesised galacto- oligosaccharides for the growth and preservation of Lactobacillus plantarumJournal of Dairy Research, v. 80, n. 3, p. 374–381, 2013.

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KAREB, O. et al. Effect of electro-activated sweet whey on growth of Bifidobacterium, Lactobacillus, and Streptococcus strains under model growth conditions. Food Research International, v. 103, p. 316–325, 2018.

MOLLEA, C.; MARMO, L.; BOSCO, F. Valorisation of Cheese Whey, a by-product from the dairy industry. In: Food Industry. [s.l.] InTech, 2013.

PESCUMA, M. et al. Diversity in growth and protein degradation by dairy relevant lactic acid bacteria species in reconstituted whey. Journal of Dairy Research, v. 79, n. 02, p. 201–208, 2012.

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LISBOA, C. R. et al. Response surface methodology applied to the enzymatic synthesis of galacto-oligosaccharides from cheese whey. Food Science and Biotechnology, v. 21, n. 6, p. 1519–1524, 2012.

SANSONETTI, S. et al. Bio-ethanol production by fermentation of ricotta cheese whey as an effective alternative non-vegetable source. Biomass and Bioenergy, v. 33, n. 12, p. 1687–1692, 2009.

SANSONETTI, S. et al. Optimization of ricotta cheese whey (RCW) fermentation by response surface methodology. Bioresource Technology, v. 101, n. 23, p. 9156–9162, 2010.

SMITHERS, G. W. Whey-ing up the options – Yesterday, today and tomorrow. International Dairy Journal, v. 48, p. 2–14, 2015.

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