Alta no leite impacta o setor; consumidores deixam de comprar queijo inteiro.

BELO HORIZONTE Na mesa de café da tarde de um mineiro até pode faltar broa de fubá, biscoito de polvilho e bolo de milho, mas vai ter queijo.

Essa tradição, porém, vem sendo ameaçada pela alta nos custos do seu principal ingrediente, o leite, que subiu 24,8% apenas entre junho e julho deste ano nos supermercados.

Com o alerta ligado, produtores do estado, que responde por aproximadamente 25% do volume nacional, articulam-se para tentar evitar aumento no preço para os consumidores e manter as margens de lucro.

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O quilo de queijo na capital mineira está em aproximadamente R$ 45, cobrado por produtos com menor valor agregado. O valor já afugenta consumidores e comerciantes falam em queda de 30% nas vendas desde fevereiro.

Uma saída para lidar com o aumento do preço do leite é a “dobradinha” de produção, que prevê tanto a fabricação de queijos mais elaborados como mais simples, que têm volume de venda e margens de lucro diferentes.

Os produtores também buscam reduzir custos com transporte e intermediadores, investindo na atração de compradores para o local onde produzem e negociando diretamente com pontos de venda nos grandes centros.

“Por aqui apostamos na propaganda dos produtos junto aos turistas. As pousadas recomendam os nossos queijos aos hóspedes, que fazem suas compras na volta para casa”, relata o presidente da Apaqs (Associação dos Produtores Artesanais do Queijo do Serro), José Ricardo Ozólio.

A associação tem 36 produtores e fabrica oito toneladas de queijo por mês. Pela legislação estadual, segundo Ozólio, os fabricantes de queijo artesanal do estado são obrigados a produzir o leite que utilizam, o que faz com que sintam mais diretamente a alta no preço do insumo.

“A ração aumentou 100%. E tem mais um agravante, nesta época do ano, de seca, não tem pasto, ou seja, o gado fica sem comer capim, o que faz aumentar os gastos com a ração”, diz.

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Ozólio diz que para fazer o giro, ou seja, para aumentar o fluxo de caixa, os produtores fabricam queijos mais caros, cuja saída é menor, mas que dão retorno melhor, e também os menos elaborados, que vendem mais com margem menor.

Na Aqmatri (Associação dos Produtores de Queijo Minas Artesanal do Triângulo Mineiro), a decisão foi investir na negociação direta com pontos de vendas, sobretudo empórios, inclusive de outros estados, como São Paulo, Paraná e Santa Catarina.

“Estamos buscando vender diretamente ao varejo, evitando atravessadores”, diz a vice-presidente da associação, Walkiria Naves.

Outra medida foi a busca do melhor preço para contratar transportadoras para as entregas.

A produtora lembra que não é só o leite na cadeia de produção do queijo que aumentou. “O sal custava R$ 0,80 o quilo. Hoje custa R$ 1,30, tudo isso precisa ser contabilizado”, afirma.

O presidente da Amiqueijo (Associação Mineira dos Produtores de Queijo Artesanal), João Carlos Leite, avalia que o produtor está entre “a cruz e a espada”. “Se aumentar o preço, perde venda, se mantém o preço, não ganha dinheiro”, diz.

O representante é fabricante de queijo tipo canastra, tradicional na região da serra que deu nome ao produto. “Houve aumento nos custos de produção e, ao mesmo, tempo, a inflação alta corroeu o poder de compra do consumidor”, lamenta.

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O aposentado Antonio Silva com metade de um queijo no Mercado Central de Belo Horizonte. “Acho o preço não volta ao que era antes”, afirma. – Douglas Magno / Folhapress

Assim como a associação dos fabricantes de queijo do Serro, os produtores da região da Canastra também estão apostando nas vendas locais, para evitar custos com transporte. “Com o fim da pandemia, os turistas estão voltando”, diz.

“A saída agora é fazer gestão para que possamos caminhar melhor lá na frente”, analisa.

CONSUMIDOR NÃO COMPRA MAIS QUEIJO INTEIRO

No Mercado Central da capital, um dos maiores termômetros de venda de queijo do estado, comerciantes falam em queda de 30% nas vendas e mudança no hábito dos consumidores, que seguem comprando o produto, mas agora em pedaço.

“Os consumidores não compram o queijo inteiro e, sim, metade ou um quarto. Sem o produto, no entanto, não ficam”, diz Gilda Maria da Silva Vieira, 52, dona do Laticínio Oliveira Guimarães, no Mercado Central.

A comerciante diz que o queijo da Canastra, o carro-chefe do mercado, estava em torno de R$ 30 por quilo em fevereiro. Hoje está em R$ 45, alta de 50%.

O gerente da Queijaria Mineira, Wellington Henrique dos Anjos Silva, 26, cita os mesmos dados de perda da concorrente, e diz ser difícil não repassar os preços ao consumidor. “Tem que acompanhar. Não tem jeito”, afirma.

Fátima Costa, 68, do Laticínios Eldorado, também relata o aumento no comércio fracionado do queijo. “As vendas diminuíram, as pessoas levam a metade do queijo, mas não deixam de comprar”, diz.

O aposentado Antonio Silva de Souza, 72, adotou a prática da compra fracionada. “Um queijo canastra inteiro antes saía por R$ 50 ou R$ 55. Hoje fica entre R$ 70 e R$ 80”, diz.

Souza não acredita que o cenário vá melhorar. “A gasolina bateu R$ 8. Agora está em R$ 6. Antes era R$ 3. O mesmo vai acontecer com o queijo. Pode cair, mas não vai voltar ao que era antes”, projeta.

Mas há também quem consiga manter o fluxo de compras, como é o engenheiro Carlos Bueno, 69. “Venho ao mercado e compro de 15 em 15 dias como sempre fiz. Não dá para ficar sem queijo”, afirma.

Bryce Cunningham, um produtor de leite escocês, proprietário de uma fazenda orgânica em Ayrshire (Escócia), lançou um produto lácteo para agregar valor ao leite de sua fazenda, que é um produto de ótima qualidade, sem aditivos, e é um exemplo de economia circular.

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