De seu lado, o governo trabalha internamente no conjunto de propostas para regulamentar a lei e pretende enviar esses projetos para avaliação do Congresso entre março e maio. A correria, portanto, tem o objetivo de acelerar um posicionamento sobre o assunto e mostrar para o governo o que cada setor pensa.
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A minuta a que o Intercept teve acesso estipula ainda que a extração mineral seja excluída da cobrança seletiva, devido a seu “caráter de essencialidade”. Isso incluiria itens como a água mineral, além de minerais considerados “estratégicos para transição energética sustentável” e os fertilizantes, requisito incluído pela bancada do agronegócio.
“Para cada um dos produtos passíveis de incidência deverá ser elaborada uma lei complementar específica pelo poder executivo, que irá definir as alíquotas e as demais regras da cobrança do imposto para aquele determinado produto”, afirma o texto.
O pré-projeto prevê que o imposto seletivo seja cobrado em um único momento da cadeia produtiva, podendo ocorrer na extração, na produção ou na venda do produto final, conforme os critérios da lei complementar específica.
Estipula, ainda, que a cobrança não terá caráter arrecadatório para o governo. Deve, em vez disso, ser destinada a um fundo específico, com o propósito de mitigar os impactos das atividades nocivas à saúde e ao meio ambiente, incluindo ações de prevenção e conscientização.
A minuta defende que cada proposta elaborada pelo governo seja, depois, submetida ao crivo do Congresso, para que seja discutida e votada, seguindo para sanção presidencial.
“Acreditamos que a participação social não encontra melhor representação que não seja a do Congresso Nacional. Nesse sentido, a condução da reavaliação por uma comissão mista especial do Congresso Nacional e a posterior aprovação pelo plenário do Congresso Nacional em regime de urgência garantem a participação do legislativo na revisão e ajuste do imposto seletivo”, lê-se no texto.
Frente seguiu o modelo de lobby da bancada ruralista
Para emplacar seu projeto de lei, a indústria de ultraprocessados conta com a Frente Parlamentar do Empreendedorismo, grupo criado nos moldes da bancada ruralista para facilitar a interlocução entre empresas e Congresso.
A FPE foi criada em fevereiro do ano passado e hoje é presidida pelo deputado Joaquim Passarinho, do PL paraense. Hoje, ela soma 181 deputados entre os 513 membros da Câmara, e 35 senadores, do total de 81 nomes da Casa.
Um dos principais apoiadores da frente e que foi palco de sua criação é o Instituto Unidos Brasil, fundado em 2020 com a missão de atuar na “promoção de proposições legislativas respaldadas pela iniciativa privada”.
Liderado pelo empresário Nabil Sahyoun, presidente da Associação Brasileira de Lojistas de Shopping, o instituto afirma ter uma posição “apolítica” e voltada para o livre mercado. Entre suas centenas de membros estão empresários de companhias como Coco Bambu, Habib’s, JBS, Madero, Mc Donald’s e Grupo Carrefour.
Na FPE, as discussões têm sido lideradas por João Henrique Hummel, um consultor e agrônomo que foi responsável pela criação do Instituto Pensar Agro em 2011.
Hummel tem experiência no setor: foi responsável pela da estruturação da Frente Parlamentar Agropecuária – também conhecida como bancada ruralista – em 2008, sendo diretor-executivo das duas instituições até 2021.
Elel foi, ainda, consultor da Aprosoja no Mato Grosso, de 2005 a 2021, e da Associação Brasileira de Biotecnologia de 2006 a 2020.
Presidente da Abia ignora ciência e diz que ultraprocessados não fazem mal à saúde
Na arena dos ultraprocessados, outro lobista que tem se destacado na representação do setor e atuado ao lado dos parlamentares para elaborar uma proposta que atenda à indústria é João Dornellas, presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos, a Abia.
Dentro da Abia, estão praticamente todos os grandes nomes desse tipo de alimento, uma lista com 94 gigantes da alimentação mundial que inclui companhias como Nestlé, Vigor, McDonald’s, Nissin, Pepsico, Danone, Seara e BRF.
Além da Abia, outras três associações têm puxado a pressão contra a taxação: a Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Amendoim e Balas, a Abicab; a Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães & Bolos Industrializados, a Abimapi; e a Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas, a Abir.
João Dornellas não atua somente junto ao Congresso. Com um pé no governo federal, ele também integra o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, grupo que reúne dezenas de ministros e representantes de várias indústrias.
Nas discussões sobre a cobrança de um imposto seletivo dos ultraprocessados, Dornellas parte do princípio de que seu setor sequer deveria ter sido incluído entre aqueles que devem pagar pelo novo imposto.
Segundo ele, não há provas efetivas de que os produtos ultraprocessados fazem mal à saúde, a despeito de todas as comprovações científicas já colhidas sobre o assunto.
Dornellas também costuma criticar o conceito de ultraprocessados. “Cabe tudo dentro desse conceito. Não tem sentido”, afirmou ele, na última sexta-feira, 1º de março, durante uma audiência pública na Câmara.
No mesmo encontro com representantes de outros setores, Dornellas criticou um estudo sobre o tema coordenado pelo professor Carlos Monteiro, do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo, que baseia o Guia Alimentar para a População Brasileira.
Ao discorrer sobre o porte do setor, o executivo afirmou que a cadeia produtiva de alimentos e bebidas não-alcoólicas representa 2 milhões de empregos formais e diretos no país, 38 mil indústrias, processamento de 61% de tudo que é produzido no campo e 270 milhões de toneladas de alimentos e bebidas por ano.
Segundo Dornellas, o Brasil tem hoje uma das maiores cargas tributárias sobre alimentos industrializados do planeta, com alíquota de 24,4%, enquanto a média mundial é de 7%.
“Falar de aumento imposto no Brasil sobre alimentos, nos parece que é fora de propósito. Imposto seletivo sobre alimentos, para nós, é uma questão que nem deveria ter sido colocada na mesa de debate. Querem taxar alimento por fazer mal ao meio ambiente e à saúde. Alimento não faz mal ao meio ambiente ou à saúde”, reclamou.