As negociações do Acordo de Associação entre o Mercosul e a União Europeia foram encerradas em junho de 2019. A conclusão de cerca de 20 anos de tratativas foi, por si só, motivo de comemoração no Brasil, mas pouco se sabia sobre as obrigações assumidas pelo país e pelos demais membros do Mercosul, ou as vantagens que teremos no importante mercado europeu.
Apesar das exceções, reservas e tratamentos específicos a bens e serviços sensíveis, uma leitura atenta dos compromissos do acordo demonstra uma abertura de mercado sem precedentes, de ambos os lados. Os governos envolvidos apresentaram comentários sobre os principais pontos acordados e as conquistas obtidas nas negociações, mas no dia 15 de julho de 2021 foram efetivamente publicados os cronogramas de desgravação tarifária e os compromissos em matéria de serviços e de contratações públicas do acordo. No comércio de serviços, buscou-se abertura, transparência, segurança jurídica e não discriminação.
Embora os documentos ainda não sejam definitivos, e possam sofrer modificações em decorrência do processo de revisão formal e jurídica (denominado legal scrubbing), a publicização das obrigações assumidas no acordo é bastante positiva e está alinhada com as boas práticas internacionais, em termos de transparência e previsibilidade.
O acordo ainda não tem data para entrar em vigor, mas agora, em posse de informações mais detalhadas e precisas sobre o seu conteúdo, as empresas brasileiras poderão se preparar para acessar o mercado europeu, e também para a concorrência com produtos e serviços estrangeiros no seu próprio mercado.
Com relação ao comércio de bens, o Acordo entre o Mercosul e a UE prevê, de maneira geral, a liberalização do acesso a mercado em 15 anos, sendo gradualmente reduzidas as tarifas aplicáveis no comércio entre as partes.
O cronograma publicado revela um sistema geral de desgravação por cestas. Cada bloco estabeleceu a tarifa final de bens. Então, os bens originários de cada bloco foram segregados em cestas de desgravação tarifária. Cada cesta está sujeita a uma determinada programação de redução das tarifas estabelecidas, até sua completa eliminação. Por exemplo, há produtos que terão suas tarifas zeradas assim que o acordo entrar em vigor; outros estarão sujeitos a tarifas decrescentes por 4, 7, 8, 10 ou 15 anos até que o comércio esteja totalmente livre.
Determinados produtos foram considerados como mais sensíveis e estarão sujeitos a tratamento diverso, com a aplicação de quotas combinadas com tarifas intraquota e extraquota. É o caso do tomate, chocolate e de preparações que contenham cacau, entre outros produtos.
No caso do cacau em pó, por exemplo, acordou-se uma quota de 1.710 toneladas para o primeiro ano de vigência do acordo, sujeita a tarifa intraquota de 16,2%. No segundo ano, a quota passa a ser de 2.091 toneladas, e a tarifa intraquota diminui para 14,4%. Essa lógica é aplicada ao longo dos anos, até que se atinja o livre mercado. A tarifa extraquota a ser aplicada caso haja excesso de importações é de 18%.
O Mercosul também estabeleceu quotas para leite em pó, queijo, fórmula infantil e alho. A União Europeia, por sua vez, estabeleceu quotas para esses mesmos produtos e também para a carne bovina, carne suína, carne de aves, milho, sorgo, arroz, açúcar, ovos, mel, rum, amido de milho e mandioca, derivados de amido e etanol.
Com relação ao comércio de serviços, o acordo prevê compromissos assumidos que buscam maior abertura, transparência, segurança jurídica nos mercados de serviços, além de evitar a discriminação de prestadores de serviços e de investidores estrangeiros em favor dos nacionais, bem como a imposição de barreiras à entrada desses prestadores de serviços e investidores, em linha com os compromissos assumidos no âmbito da OMC.
Foram publicadas as listas de compromissos específicos da União Europeia e do Mercosul, compreendendo as três modalidades de prestação de serviços negociadas – prestação transfronteiriça, presença/estabelecimento comercial e prestação pessoal por meio de pessoal-chave.
Finalmente, no que tange às compras governamentais, o Brasil incluiu uma vasta lista de órgãos públicos federais no acordo, abrangendo os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, permitindo a participação de empresas europeias nos processos de aquisição por esses entes.
Porém, deixou de fora do acordo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Agência Espacial Brasileira, Comissão Nacional de Energia Nuclear e o Instituto Nacional da Propriedade Industrial. O Brasil fará consultas dois anos após a entrada em vigor do acordo, para a inclusão de entidades estaduais, municipais e distritais e notificará imediatamente a UE a respeito.
A União Europeia, por sua vez, incluiu o Conselho da União Europeia, a Comissão Europeia e o Serviço Europeu de Ação Externa, e poderá incluir outros órgãos subcentrais a depender de nova proposta do Mercosul nesse sentido.
As partes também definiram os bens e serviços que seriam excluídos das disciplinas sobre compras governamentais, como os relacionados à defesa.
O cronograma de desgravação de compras governamentais foi definido com base em valores mínimos para as licitações/concessões, definidos em Direito Especial de Saques (DES), um instrumento monetário do Fundo Monetário Internacional, que é composto por uma cesta de moedas – atualmente, uma unidade de DES equivale a US$ 1,42.
A oferta brasileira prevê a liberalização do setor de compras governamentais iniciando-se por licitações envolvendo valores a partir de DES 300 mil, até o 5º ano da entrada em vigor do acordo. A partir de então, os valores serão decrescentes em intervalos de 5 anos, até que licitações a partir de DES 130 mil sejam incluídas, a partir do 16º ano de sua vigência. Nos casos de licitações envolvendo serviços de construção civil, o patamar é de DES 8 milhões, até o 5º ano, reduzindo-se, então, o limite para DES 5 milhões.
A União Europeia assumiu o compromisso de incluir no acordo quaisquer licitações a partir de DES 130 mil, para bens e serviços, e DES 5 milhões para serviços de construção civil, desde o início.
Concluída a etapa de revisão jurídica, aguarda-se a assinatura formal e, subsequentemente, os procedimentos internos de aprovação parlamentar, que permitirão a ratificação do acordo e sua efetiva entrada em vigor, passando a ser vinculante para os blocos.