Todos os anos, centenas de famílias abandonam a atividade leiteira no Rio Grande do Sul e em outras partes do país. Entre um dos principais motivos, está a baixa rentabilidade para quem exerce a atividade, principalmente para os pequenos produtos. Diante desse cenário, o pagamento por sólidos totais surge como uma alternativa para que produtores recebam melhores preços, diz o presidente da Associação de Criadores de Gado Jersey do RS, Darcy Bitencourt.
“Esse modelo já é adotado por países como a Nova Zelândia e Austrália, importantes players do mercado mundial. Na Argentina, os nossos vizinhos já começaram a fazer esse trabalho. No Brasil, esse modelo poderia ajudar muito os pequenos produtores, especialmente para o produtor que tem uma propriedade e um rebanho menor.”
Para entender como essa mudança beneficiaria o produtor na prática é necessário compreender um pouco sobre a composição do leite e a importância dos sólidos. Normalmente, o leite é composto por 87,5% de água e 12,5% de sólidos, na forma de proteínas, lactose, gordura, sais minerais e outros componentes de menor presença. Os derivados finais lácteos, com exceção do leite fluído e do leite de longa vida, precisam muito dos sólidos totais, para renderem maiores quantidades de produtos acabados. É o caso dos queijos, dos iogurtes, da manteiga, leite em pó e outros.
Por exemplo, 100 litros de leite com 12,5% de sólidos totais, renderão 10 kg de queijo. Se os mesmos 100 litros tiverem 10% de sólidos totais, o rendimento será de 8 kg de queijo. Por isso, de acordo com a pesquisadora da Embrapa Clima Temperado, Maira Zanela, os sólidos do leite têm muita importância para a cadeia láctea, especialmente para a indústria.
Rendimento para os laticínios
“Esses sólidos são a base da indústria de laticínios. Com eles, pode ser feito queijo, requeijão, doce de leite, manteiga, por exemplo. Ou seja, quanto mais sólidos no leite, maior o rendimento para a indústria e, também, mais produtos na mesa do consumidor”, assinala Maira.
Ainda conforme a pesquisadora, tudo passa pela organização da cadeia produtiva. Ela acredita que as propriedades que produzem leite de excelente qualidade devem despertar, cada vez mais, o interesse das indústrias de laticínios e, consequentemente, remunerar essa qualidade.
Atualmente, a indústria leiteira no Brasil paga por volume, medido em litros. Alguns laticínios, no entanto, ainda oferecem uma bonificação por teor de gordura e de proteína. Mas não é o suficiente. O leite produzido no Brasil tem em torno de 12,5% de sólidos totais, que precisa ser aumentado para agregar valor ao leite.
Mas, para o pagamento por sólidos totais ser implantado com sucesso no Brasil, além da concordância dos laticínios, é preciso que os produtores tomem algumas medidas. De acordo com os técnicos da Embrapa, três áreas são estratégicas: genética, alimentação e manejo.
Genética
Na genética, usar raça de animais direcionados para a produção de sólidos totais e não mais para produção de maior volume de leite, como tem sido a regra. Nesse quesito, a raça Jersey tem vantagens, porque produz o leite com maior quantidade de sólidos como proteína, vitaminas, minerais e gordura. Comparado com o leite de outras raças, o leite Jersey pode conter até 18% mais proteína e 29% a mais de gordura e, em média, 20% a mais de cálcio.
“É importante que o produtor entenda que produzir leite de qualidade com teor de sólidos elevado é um benefício para a cadeia produtiva e para toda a sociedade. Por isso, ele precisa juntar forças com outros produtores e tentar negociar melhor o seu produto”, enfatiza Maira.
Neste ano, por exemplo, a Campeã do Concurso Leiteiro de Sólidos da raça Jersey na Expointer 2019 produziu 51 kg/dia (24h), com um percentual de sólidos totais de 13,50%.