Silas Vicente Barbosa Junior colocou o pequeno município de Nossa Senhora do Livramento, em MT no mapa da queijaria brasileira.
leite
Médico produtor de leite conquista premiação nacional com queijo artesanal

Durante a pandemia da covi-19, muita gente descobriu ou redescobriu algum ofício com o qual tinha identificação ou que já havia colocado em prática. O médico e produtor de leite Silas Vicente Barbosa Junior dedicou-se aos queijos, uma atividade que conhece desde criança – o pai é produtor de leite no Paraná e sempre fez queijo frescal.

O filho seguiu os mesmos passos e faz queijos desde 2012 quando começou a produzir leite em sua fazenda no município de Nossa Senhora do Livramento (a 39 km de Cuiabá) ­ fazia o frescal nos finais de semana com o leite de duas vacas que comprou na época. Animado com a atividade, acabou com o gado branco e ficou só com o gado leiteiro. Tem hoje 150 cabeças, sendo 40 vacas em lactação, que produzem 150 litros de leite/dia em média. Ainda vende leite e faz queijo nos finais de semana.

Mas a história agora é outra. Em setembro (15 a 18/2022), o brie Diamante da Cartucheira, produzido por ele e a esposa Larissa Alves Berte Barbosa, ganharam medalha de bronze no Concurso Mundial de Queijo do Brasil, em São Paulo, numa disputa com 1.580 queijos de mais de mil produtores de todo o mundo.

A produção continua sendo feita pelo casal nos finais de semana. Além do brie, fazem parmesão (Ouro da Cartucheira), gouda (Rubi da Cartucheira) e stilton (queijo azul originário da Inglaterra, parecido com o gorgonzola, porém mais cremoso), o mais recente deles, lançado na última edição da feira É de Livramento (01/10). É um queijo azul, semelhante a um gorgonzola, mas é bem cremoso. Foi um pedido de algumas pessoas que frequentam a feira. O local é um ponto onde Silas e a família comercializa os produtos. Ela acontece uma vez por mês – a próxima edição será no dia 5 de novembro. Recentemente, esteve na feira Sabor Pantaneiro, organizada pelo Sebrae MT em um shopping de Cuiabá, incluindo a programação do Pantanal Cozinha Brasil. Como dizem os cuiabanos “não deu para quem quis”.

Comercialização

Tudo que produzem é vendido e por vezes os clientes precisam aguardar a disponibilidade de produtos. Funciona assim, quando tem produtos prontos para o consumo, avisam no Instagran @quintadacartucheira e as pessoas fazer os pedidos. Fazem ainda o doce de leite super cremoso, sem lactose, criado para a filha caçula que é intolerante, que também faz o maior sucesso.

Como ficaram duas semanas sem produzir por causa do concurso, agora estão sem queijo para vender. “Todo muito quer o queijo e eu não tenho, sou médico, trabalho de terça a sexta-feira no consultório e faço queijos nos finais de semana. No sábado eu produzo um e no domingo outro”, detalha a rotina pesada, mas que também lhe muito prazer e alegria. Ele conta que quando voltaram do concurso ficaram quatro dias na fazenda produzindo queijo, só que eles vão ficar prontos em novembro.

Todos os queijos são curados. O brie tem a cura mais jovem, 45 dias, porém no ponto mais curado chega a 90 dias de guarda. Parmesão leva um ano para estar pronto, mas ainda têm bastante produzido durante a pandemia. O gouda é 90 dias. Já o stilton leva seis meses de cura.

Extremamente criterioso Silas conta que trabalham com o leite do dia. “Não posso guardar no resfriador porque perde qualidade, a gordura é quebrada e não dá o mesmo sabor”.

No início, fazia receita de 70 litros de leite, o resto eu vendia – as panelas eram pequenas também. Passei para um recipiente de 180 litros, hoje tem um com capacidade de 750 litros, mas usa 350 em um único dia de produção. Silas informa que tem condições de dobrar a produção, mas ainda não cogito a possibilidade de trabalhar mais dias. “Eu até tentei ensinar ao pessoal que trabalha na fazenda, mas não é um processo simples, esses queijos têm que ter um controle rígido de qualidade, do Ph do leite, taxa de fermentação, temperatura”.

Cuidado no campo

Todo esse cuidado e zelo começam no campo com o rebanho e o manejo dele. O produtor, que ainda vende leite, conta que tiravam 750 litros de leite/dia, mas descartou várias vacas velhas, cujo leite tinha uma contagem células somáticas (CSS) muito alta, o que implica na qualidade. Ficou só com as mais novas e a alimentação delas é 100% a pasto, rotacionado em piquetes. “O Sebrae me ajudou nisso, o Aureliano Pinheiro e o consultor Fernando Bueno estiveram na propriedade e mudei meu estilo de produção. Tirava leite duas vezes ao dia, com o bezerro apartado da mãe. Voltei todos os bezerros para as mães e tiro leite uma vez só por dia somente. Diminui muito a quantidade, mas melhorou a qualidade, o teor de gordura, tudo”, descreve, acrescentando que para fazer queijo o teor de sólidos e de gordura são essenciais.

Sempre antes de começar a fazer o queijo, faz todo um controle de qualidade do leite para evitar dissabores lá na frente quando o queijo estiver curado. “Antes de fazer o queijo tenho que ter certeza de que meu leite está bom, se não é perda de tempo”, resume.

Sobre padrão, diz ser difícil por se tratar de queijos artesanais, sempre têm uma pequena variação, dia que chove o leite é diferente. O queijo gouda da época de chuva é infinitamente melhor do que da seca que tem menos gordura e fica menos cremoso. “Agora começou a chover, o gouda que está saindo vai ser top”, garante.

Silas reforça querer fazer um queijo com um toque artesanal, diferente. Não quer competir com indústria.

O analista técnico Ricardo William Santiago, gerente de Conexões Empresariais do Sebrae MT, diz que a instituição pode continuar apoiando o produtor no sentido de fortalecer a marca, buscar uma certificação do produto, uma possível restreabilidade como diferencial e identificar novos mercados com padrões de consumo mais sofisticados, é claro que denteo da avaliação e interesse dele.

Silas adianta que tem mais dois queijos que quer produzir. Provou no Mundial e se apaixonou, mas prefere guardar sigilo, dizendo que vai divulgar somente quando estiverem prontos e aprovados. O jeito é esperar.

Início de tudo e o futuro

Silas veio do Paraná para Mato Grosso em 1997 e fez faculdade de medicina aqui. Desde que comprou a fazenda produz leite e faz queijos. “O queijo para mim é um hobby, uma paixão. Vai chegando quinta-feira e eu já fico doido para ir para a fazenda para fazer queijo no sábado”.

Começou fazendo o frescal. Em 2018, na Feira do Empreendedor, no Centro de Eventos do Pantanal, fez um curso de queijo meia cura, porém não começou a produzir, mas sempre ficou com aquilo na cabeça, mas precisava de material adequado.

Em 2020 veio a pandemia, o lockdown e ele foi morar na fazenda com a família. O pessoal que comprava o leite dele para produzir doces, rapadura, etc, parou de comprar porque não tinham para quem vender. Silas começou a fazer queijo frescal para não jogar leite fora, porém não conseguia vender.

Aí veio a ideia de fazer o queijo meia cura porque conseguiria armazenar. Procurei o professor Mário Martinez, que deu o curso no evento do Sebrae e ele acabou fugindo da pandemia lá na fazenda ­ morou um ano lá.

Começaram a fazer meia cura, mas chegaram a conclusão que não valia a pena, por que as pessoas não valorizam. Então começaram a fazer parmesão. No começo não deu certo, saía ruim demais, rachava e não prestava. Estudaram, pesquisaram, fizeram contato com outros produtores e acabaram acertando.

Ficaram seis meses fazendo só parmesão e na hora que eles estavam bem bons, Silas resolveu investir no gouda. Mais uma vez, pesquisa, estudo, compras, assessoria técnicas, tudo via internet. “Aí, quando os dois estavam bons, minha esposa falou: ‘agora eu quero o meu queijo’. Ela queria o brie, só que ele é diferente de tudo e deu muito mais trabalho. O senhor Mário foi embora, tinha acabado a pandemia. Eu comecei a pesquisar e estudar sobre o brie uns quatro meses. Nada dava certo, mas a gente comia. Gostoso era, mas não ficava bonito. Até que começamos a acertar a receita, ver o que estava errado até que saiu um queijo bom e a gente começou a levar para a Feira É de Livramento e foi sucesso total”, conta.

Silas faz questão de frizar que desde o início a prefeitura de Livramento sempre o apoiou. “Quando eu resolvi fazer o queijo meia cura, com 15 dias a fiscalização do Indea foi lá querendo prender meu queijo, porque um vizinho que também produz queijo me denunciou. Fui na prefeitura e disse ao prefeito que estava fazendo um teste para não jogar o leite fora, minha intenção não é montar um laticínio. De pronto, recontrataram um veterinário que atuava no Serviço de Inspeção Municipal (SIM), desativado naquele momento e em menos de 30 dias, a prefeitura reativou o serviço começou a assinar nosso queijo”.

Por um pedido do prefeito e do secretário José Eugênio levei os produtos para a feira e nunca mais deixei de ir. Foi lá que o brie fez sucesso e me incentivou participar do concurso.

Sobre o futuro, diz em tom de brincadeira: “a Deus pertence”. Para logo completar afirmando que não pretende deixar sua profissão de médico. “Para mim o principal não é quantidade e sim a qualidade. Tendo queijo de qualidade para que as pessoas possam ter uma experiência com a degustação deles. A princípio, meus planos são esses, não quero abandonar a medicina que é minha outra paixão. Talvez, numa aposentadoria eu possa fazer só o queijo”, finaliza.

 

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