Ajustes de preços ao longo da cadeia, custos em alta, importações elevadas e o desempenho da economia são alguns dos fatores que trazem incertezas ao mercado.
O setor lácteo brasileiro está vivenciando um momento de incerteza, com grandes dúvidas sobre o desempenho da oferta e da demanda nos próximos meses.
No lado da demanda, o desemprego elevado, a redução da ajuda emergencial do governo e as fracas exportações, indicam desaquecimento do mercado. Somente não se sabe, ainda, sua força ou sua dimensão. Mas isso já se faz sentir nos preços do atacado. Em maio, os preços diários dos produtos lácteos começaram um movimento de valorizações, atingindo seu pico em setembro, quando começaram a recuar. Nesse período, o preço do leite em pó fracionado aumentou 44,2%, seguido de queda de 6,7%. O queijo muçarela aumentou 77,2% e após recuou 14,5%. O UHT aumentou 46,5% e recuou a seguir 21,9%. Contudo, nesta segunda semana de novembro, o UHT apresentou recuperação nos preços, indicando a existência de um processo ainda inacabado de ajuste na demanda.
No lado da oferta, além da entressafra, a produção foi negativamente afetada por seca em algumas regiões, alta nos custos de produção e redução da importação no primeiro semestre. A busca por matéria prima se acirrou de tal forma que alguns pequenos e médios laticínios não puderam honrar compromissos de venda de produtos por falta da matéria prima. Com isso, o preço do leite no mercado spot aumentou 101,5% de maio a setembro, refletindo o aquecimento da demanda e a redução da oferta.
A partir da segunda quinzena de setembro, os preços do leite spot apresentaram nova dinâmica e recuaram 28,6%. Esta busca por matéria prima levou a forte valorização dos preços pagos aos produtores. De maio a outubro os preços médios pagos aos produtores no Brasil subiram 56,6%, atingindo em outubro R$2,16/litro. Outra variável que explicou o aumento dos preços do leite foi a forte alta da taxa de câmbio que diminuiu a competitividade das importações. Contudo, as importações em 2020 vêm crescendo de forma sistemática desde maio e superou a média mensal observada em 2019 a partir de julho.
Os volumes importados em setembro e outubro ficaram próximos de 180 milhões de litros equivalente, o que representa cerca de 8,5% da produção inspecionada mensal, caracterizando força importadora neste segundo semestre. Essa internalização de leite pode afetar os preços domésticos com prejuízos aos produtores que enfrentam, ainda, aumento do custo de produção do leite, advindo do aumento dos preços de insumos básicos de produção como soja e milho.
Figura 1. Preços de milho e soja de janeiro/2019 a outubro/2020 e preços futuros até setembro/2021
Fonte: Cepea, B3 e Bolsa de Chicago
Mas quais as perspectivas para 2021? Segundo projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), a economia mundial deve crescer 5,2%, o Brasil 2,8%, China, 8,3% e a Ásia 8,0%.
O crescimento esperado, notadamente da Ásia, indica mercado comprador para produtos brasileiros (grãos e carnes), podendo implicar novo e mais alto patamar de preços para milho e soja. O boletim Focus de 06 de novembro prevê o dólar a R$5,20 em 2021, indicando que importações de lácteos podem também se estabelecer em patamares mais altos, dependendo dos ajustes de preços em curso no mercado. Esse cenário com demanda interna reprimida, exportações fracas, aumento do custo de produção, redução dos preços pagos aos produtores e importações elevadas, podem significar fortes desafios para a cadeia agroalimentar de lácteos em 2021. Isto exigirá melhor coordenação da cadeia, gestão para maior eficiência dos sistemas de produção, redução do custo Brasil e esforços para aumento das exportações. Como se vê, o mercado está em processo de ajustes trazendo incertezas, mas também oportunidades, todas sensíveis às ações proativas dos agentes da cadeia de valor.