- Representatividade diluída
Existe, aproximadamente, 1 milhão de produtores de leite (formais e informais) em todos os estados da Federação, que dependem total ou parcialmente da produção para sustentar suas famílias. Seus interesses são veiculados por meio de uma centena de associações ou sindicatos. E muitos “protetores” aparecem quando há movimentos pela causa.
Assim, fica difícil vincular ações de governo dirigidas a tão grande e diluído público num país continental heterogêneo. A Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite) foi um avanço em nível nacional, mas representa também os criadores de gado de leite.
- Inexistência de órgãos no governo federal, que se dediquem à produção de leite, além da Embrapa
Não se consegue aprofundar e dar continuidade às questões centrais no âmbito do próprio ministério setorial. Enquanto isso, no Uruguai há a autarquia exclusiva, o Instituto Nacional do Leite e uma secretaria no ministério. Na Argentina, uma Secretaria Nacional da Produção de Leite no ministério.
Isso para ficar só com nossos vizinhos. Não por acaso, os mesmos que fornecem cerca de 90% das importações brasileiras de lácteos.
- Não há técnicos no governo federal especialistas em produção e comercialização de leite
O Ministério da Agricultura dispõe de um único funcionário, que dedica também seu tempo a outros setores da pecuária. Portanto, não há com quem discutir ou cobrar uma política duradoura para o setor.
- Pouco reconhecimento da importância da atividade, em termos de alimento, emprego rural e urbano, além de estabilidade social no campo
O produto da pecuária de leite é o único da economia (desconheço algum outro relevante) que é vendido sem se conhecer o preço a ser pago. Somando a isso, há má vontade, perene, na área econômica do governo diante de importações predatórias em todas ocasiões em que os preços sobem, para não pressionar os índices inflacionários.
- Não há intervenção governamental para evitar quedas periódicas acentuada nos preços
A medida ocorre tradicionalmente no setor de grãos, em que pese a atuação tímida de apoio à agricultura familiar via Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
- Nunca houve programa específico de crédito adaptado às características da pecuária leiteira, à exceção do público do Pronaf
Num cenário deste, quando a ministra Tereza Cristina convoca representantes da cadeia do agronegócio de lácteos para formular uma política setorial não me entusiasma quanto aos possíveis resultados. Os demais elos dessa cadeia são mais bem organizados e mais poderosos que os produtores de leite.
A própria Câmara Setorial do Leite do ministério tem mais representantes da indústria láctea do que de produtores de leite. Por outro lado, recursos para uma ação governamental previsível e de impacto depende de outro ministério.
Ouvir os pleitos e propostas da cadeia produtiva é necessário e elogiável, mas tende a repetir o que tem acontecido ao longo das últimas décadas, ou seja, uma medida aqui outra acolá para atender o interesse de um ou outro subsetor, conjunturalmente.
É fundamental que o próprio Mapa tenha um posicionamento firme e proposta clara de orientação específica para o setor. A realidade é que é difícil produzir leite no Brasil e ser competitivo tendo que absorver custos
maiores que os concorrentes, relativamente a insumos, máquinas, medicamentos, impostos, juros altos, custos trabalhistas e transporte ruim. E mais difícil ainda o é para os pequenos e médios produtores de leite, isoladamente.
A realidade tem sido dura. Os pequenos produtores, se amparados pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), e se atuarem em cooperativas ou sistema de integração (melhor ainda se completarem a renda com outras atividades) poderão resistir e melhorar a competitividade.
Os médios produtores tendem a sair do mercado, na companhia de pequenos, serão dezenas de milhares que continuarão a deixar a atividade nos próximos anos. E os grandes, especialmente os que combinam lavouras com produção de leite, e que atuam com tecnologia avançada, têm boas perspectivas.
“Quae sera tamen” (ainda que tardiamente), é bem-vinda a iniciativa da ministra, inclusive pela sua credibilidade. A pré-disposição de elaborar uma política, democraticamente, é condição necessária inicial, mas vem aí a pedreira.
É o que temos para o jantar, ainda que em mesa de convidados com pratos de tamanho bem diferenciados, e pouca comida.