Ao terceiro dia da COP 27, que decorre no Egipto, foi apresentado um relatório do Grupo de Especialistas de Alto Nível para evitar a “falsa neutralidade carbónica”. Na apresentação do documento, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, defendeu "tolerância zero para o greenwashing”.
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Nações Unidas traçam “linhas vermelhas” contra greenwashing

As Nações Unidas apresentaram esta terça-feira um relatório para acabar com os “malabarismos climáticos”. A neutralidade carbónica não pode ser uma promessa vazia pintada de verde, mas deve ser uma condição essencial para o equilíbrio entre o CO2 emitido e aquele que é absorvido, de forma a evitar o aquecimento global do planeta.

Durante sete meses, um grupo de peritos da ONU, avaliou o grau de credibilidade dos actores que se comprometem com a neutralidade carbónica. Neste relatório publicado ontem, em plena COP 27, constam dez recomendações que traçam as “linhas vermelhas” contra o greenwashing.

O economista guineense Carlos Lopes, docente na Universidade do Cabo, África do Sul, integra este grupo de peritos das Nações Unidas e ao microfone da RFI começou precisamente por explicar o conceito de Greenwashing.

Na realidade greenwashing é a tentativa de fazer passar como uma contribuição para a economia verde e para o futuro do planeta com menos intensidade de carbono de uma forma ilegítima, ou seja, proclamando determinados objectivos, indicadores e práticas que não se verificam na realidade. Portanto, é uma espécie de cobertura e nós temos que pôr cobro a isso.

Este relatório é uma tentativa de tentar definir o trigo do joio, de tentar ver quais são as promessas que efectivamente contribuem para uma diminuição das emissões e quais são as outras que são apenas proclamações que na realidade encobertam práticas que continuam a ser nefastas para a acção climática.

Ou seja, pode ser considerado como um género de propaganda, uma publicidade enganosa?

Exactamente, não se trata bem de propaganda no sentido comercial do termo, porque algumas das instituições implicadas não são comerciais, temos também entidades como, por exemplo, as cidades, as regiões e determinados organismos não-governamentais. Mas no que concerne às práticas de instituições que têm uma actividade lucrativa, efectivamente, trata-se de propaganda enganosa.

Este relatório foi apresentado ontem, terça-feira, 8 de Novembro de 2022, na apresentação, o secretário-geral da ONU sublinhou tratar-se de um “guia prático”. É como um enquadramento ou uma tentativa de enquadramento legal para este tipo de prática?

Existem inúmeras instituições que estão a fazer a contabilidade destas promessas de contribuição para a redução de carbono e cada uma delas definiu a sua própria taxonomia e a sua própria forma de conceber aquilo que são promessas legítimas e ilegítimas. Cada uma delas tem certificações e estandardizações que decidem unilateralmente e, portanto, chegou a hora de nós pormos cobro a esta proliferação de promessas e tentar ver se é possível estabelecer uma regra universal, para que possamos, de facto, comparar primeiro mas, também, introduzir transparência e introduzir credibilidade no processo.

Nós fizemos este relatório num período relativamente curto meses. Foi uma promessa que o secretário-geral [da ONU] fez na última COP, em Glasgow, e quando ele constituiu o grupo nós, de facto, tivemos um período em que nos tivemos que conhecer, são pessoas que vêm de horizontes muito diferentes e em sete meses conseguimos produzir um relatório para apresentar nesta COP. Eu acho que é o documento mais importante que vai sair desta conferência porque é uma coisa prática, são dez recomendações e portanto toda a gente está a reagir de forma muito positiva a este apelo e a esta contribuição que vem do grupo e que foi endossada pelo secretário-geral.

Peço-lhe que me diga, de uma forma geral, que recomendações são estas?

A primeira [recomendação] é de como é que se deve controlar o anúncio das promessas, em inglês pledges, aquilo que as diferentes entidades prometem. Nós definimos exactamente os contornos de como é que esses anúncios devem ser feitos, em que base legal e com que atribuições de tipo normativo devem ser feitos.

A segunda recomendação é relativa aos indicadores: quais são os objectivos exactos? Como é que se medem indicadores e quais são os indicadores credíveis?

A terceira é utilização voluntária de créditos de carbono. Nós tentamos regular um pouco essa ideia de que se pode resolver tudo através dos créditos de carbono e chegamos à conclusão de que os créditos de carbono não podem substituir uma diminuição real das emissões.

A quarta recomendação tem a ver com o plano de transição, como é que se faz um plano de transição para cada uma das entidades.

A quinta como é que nós ultrapassamos a dependência dos combustíveis fósseis e como é que nós podemos prometer um futuro à volta das energias renováveis em particular.

A sexta recomendação prende-se com as pessoas e as entidades que fazem lobbying e que fazem propaganda e como é que se deve estabelecer limites.

A sétima recomendação é relativa à relação entre pessoas-natureza para uma transição justa, não basta apenas dizer que vamos atingir objectivos de redução de emissões sem tomar conta que as pessoas e a natureza precisam de ser protegidas de várias formas.

A oitava recomendação tem a ver com a questão da transparência na apresentação de contas.

A nona sobre como incentivar o investimento nas transições justas e, finalmente, a última, a décima tem a ver com os reguladores dos diferentes países e entidades multilaterais, como devem trabalhar para estabelecer este standard universal que nós estamos a propor.

Uma questão que aqui se levanta tem a ver com a aplicabilidade dessas recomendações. De que forma é que as entidades, os governos e as empresas visadas por estas recomendações serão fiscalizadas na sua implementação ou não serão?

“O nosso grupo tinha a participação de pessoas que vêm do sector corporativo, tinha representantes das empresas relacionadas com tudo o que tem a ver com seguros, cientistas, académicos, indivíduos muito activos na área do meio ambiente de várias formas, por exemplo trabalhando em créditos carbono, outros especializados na regulação de informação e tratamento de informação sobre questões climáticas.

Enfim, nós tínhamos uma diversidade de pontos de vista que permite pensar que as nossas conclusões são muito práticas e eu acho que são e isto foi reconhecido já pela enorme cobertura mediática que tivemos desde ontem. É um manual bastante prático. 

A implementação agora depende mais de uma vontade colectiva que tem que ser assegurada a partir dos reguladores, porque têm um papel fundamental para poder dar corpo prático a estas documentações.

Uma pergunta que não tem a ver com este relatório mas que tem a ver com um dos temas fundamentais desta COP 27: “perdas e danos”. Não dá a ideia de que é sempre possível pagar e continuar a poluir, porque os países que menos poluem vão ser indemnizados pelos países que mais poluem. Todavia, essa não é a solução para o planeta. Ainda no início da COP, o secretário-geral da ONU disse que estávamos “numa auto-estrada em direcção ao inferno e com o pé no acelerador”. A solução, em vez de indemnizar, não passa por, efectivamente, adoptar políticas de redução da pegada de carbono e de redução das emissões?

Nós podemos reduzir a pegada de carbono de duas formas: uma é através da mitigação, outra é através da adaptação. A mitigação não é uma responsabilidade dos países mais pobres, porque, na grande maioria, esses países mais pobres e aí excluem-se uma boa parte do sul global porque há países do sul global que são grandes poluidores, como a China, por exemplo. Esses países têm que acelerar todos os processos de mitigação.

Os países africanos, em particular, a maioria deles de facto não têm um problema de mitigação porque emitem muito pouco. São os que sofrem mais e portanto precisam de ser compensados por uma espécie de crédito carbono que têm acumulado ao longo do tempo, porque não foram os produtores da situação actual, que é o resultado de um um tipo de consumo mas também de uma industrialização que foi feita através dos combustíveis fósseis. Esses países não tiveram culpa.

Não se desenvolveram, para começar, suficientemente e não tiveram culpa de nós termos chegado à situação em que estamos no planeta, portanto eles têm que ser compensados por essa perda ao longo da história mas também por essa necessidade de, neste momento, passarem directamente para a adaptação e não para a mitigação porque não emitem grande coisa.

Por isso é que esta discussão sobre “perdas e danos” é muito importante, porque estas perdas têm a ver com o facto de que ao longo da história estes países perderam oportunidades de desenvolvimento em benefício de outros. E portanto têm que ser compensados, não se trata de ajuda. Trata-se, eu acho, fundamentalmente, de mudar o sistema financeiro para que esses países possam ter acesso a capital para fazer os investimentos certos, porque neste momento é mais fácil conseguir dinheiro para continuar a produzir combustíveis fósseis e sistemas de produção poluentes que o contrário, apesar de toda a retórica. 

Se nós virmos o catálogo do investimento externo em África, vemos que uma boa parte desse investimento externo é dirigida para combustíveis fósseis. Isso significa que o sistema financeiro continua a privilegiar uma rota que não é nem favorável ao planeta, nem favorável a África.

Mas os países africanos continuam a privilegiar a aposta na energia fóssil?

Os países africanos e os dirigentes africanos têm um discurso que precisa de ser entendido. É um discurso sobre o pragmatismo. Ou seja, se nós tivermos acesso a financiamento dirigido para a baixa intensidade de carbono, essa é a escolha. Não há a mínima dúvida. Mas se esse investimento não estiver disponível e só o outro estiver disponível, nós vamos para o outro. 

Para ter uma comparação clara, não podem os países europeus de repente ficarem muito interessados em voltar aos combustíveis fósseis, ao gás e até ao carvão, que é o mais poluente de todos, por causa da crise na Ucrânia e do seu défice de energia proveniente da Rússia e justificar isso dizendo que é por razões pragmáticas para assegurar o acesso à energia, o direito ao acesso à energia e, ao mesmo tempo, ter discurso que eu diria hipócrita de considerar que os outros não têm direito de ser pragmáticos também. 

Então aí tem que se “jogar a toalha” para o sítio certo: se houver financiamento climático, o que até agora não tem acontecido, a escolha dos africanos é fácil, mas neste momento é mais provável que companhias de combustíveis, que têm a sua sede nos países ocidentais, venham com os capitais necessários para poder produzir gás ou extração de petróleo, etc… porque os bancos consideram que o risco é pequeno e não haver dinheiro para a transição climática.

A Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas decorre até dia 18 de Novembro, em Sharm el-Sheikh, no Egipto.

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