A cartilha do Clube de Roma vem sendo interpretada das mais variadas formas possíveis. Tais interpretações apenas reforçam a certeza de que os pobres ficarão mais pobres e subnutridos, além da implementação do neocolonialismo pela União Europeia. As campanhas trilhardárias continuam incendiando o imaginário popular com pânico, uma verdadeira ‘lavagem cerebral’, cujo alvo preferencial são os países pobres e em desenvolvimento. Entre tais alvos está a produção do ‘mundo rural brasileiro’.
O site Libertarian publicou, em 5 de outubro deste ano, artigo de Jovana Dikovic, antropóloga econômica e pesquisadora do Centro de Responsabilidade Corporativa e Sustentabilidade da Universidade de Zurique, sob o título “Elites ambientais e políticas estão destruindo a produção de alimentos para objetivos climáticos”. Transcrevo trechos:
“O experimento ad hoc que conduzi revelou várias questões importantes. Como é possível que a questão prioritária da segurança alimentar e da agricultura sustentável tenha atraído uma atenção tão fraca? Desenvolver o potencial energético e ambiental para redução de CO2, embora de grande relevância, não pode alimentar o mundo. Mas atrai preocupações ecológicas e mobiliza mais sentimento de solidariedade do que fome na África, Ásia e América Latina, onde uma parte significativa das populações tem apenas uma ou meia refeição por dia.
Tornar os alimentos acessíveis para eles e crianças moribundas no Iêmen e na Etiópia (onde a guerra está acontecendo desde 2020) obviamente não envolve sentimentos tão fortes quanto a informação de que a Terra está 1,5 graus Celsius mais quente do que há cem anos; que as geleiras estão derretendo em uma enorme vastidão de gelo; ou que os ursos polares estão se retirando para o interior do continente. Por causa dos ursos polares e geleiras, reuniões internacionais da mais alta importância se reúnem regularmente em Davos; foi assinado o acordo climático obrigatório em Paris; e Greta Thunberg gritou na Assembleia Geral das Nações Unidas, pedindo mudanças radicais nas emissões de CO2.
Portanto, não é de surpreender que lugares concretos como o Iêmen e a Etiópia e seus problemas particulares de fome inspirem menos declarações públicas e apenas esporadicamente evoquem expressões de preocupação nas conferências internacionais. Em uma nova era ambiental, um papel atribuído à agricultura é mitigar os riscos ambientais e de poluição em primeiro lugar. Lidar com a segurança alimentar e alimentar a população mundial tem uma importância secundária. O European Green Deal indica a tendência, enquanto suas duas estratégias centrais, farm to fork (F2F) e biodiversidade, praticamente revelam toda a hipocrisia ambiental. Ambas as estratégias foram impulsionadas pela nobre intenção de aumentar a produção sustentável de alimentos e restaurar a biodiversidade, mas as consequências não intencionais da mudança são amplamente desconhecidas e até agora nunca foram discutidas de maneira holística.
Tais questões são silenciadas ao longo do caminho ou ignoradas nos debates públicos como se representassem tentativas blasfemas de pôr em risco objetivos comuns de sustentabilidade. As avaliações científicas e de mercado do European Green Deal F2F e das estratégias de biodiversidade já sugerem algumas consequências alarmantes. A plena implementação das duas estratégias terá de enfrentar os desafios do inevitável encolhimento do abastecimento doméstico de alimentos e dos agricultores locais comprometidos, bem como a forma como a UE e o mundo em geral irão lidar com os preços mais elevados das matérias-primas agrícolas e dos alimentos.
Duas grandes consequências futuras das estratégias agroambientais da UE já são evidentes. Os consumidores de todo o mundo arcarão com os custos dos preços mais altos dos alimentos, afetando a eficiência econômica de toda a cadeia de suprimentos. As novas normas ambientais impostas pelas políticas agroambientais de produção e consumo, praticadas principalmente no Ocidente, impedirão que os países pobres participem dos mercados porque não conseguirão atender a esses padrões.
É provável que os pobres continuem a ficar para trás e afundem ainda mais na pauperização. Da mesma forma, as externalidades ambientais que surgem da demanda por alimentos provavelmente serão transferidas para países pobres, onde as pessoas comuns cronicamente não têm acesso a terras privadas e ainda vivem com três dólares por dia – o que era uma condição comum dos cidadãos americanos no início do século XIX. Eles não apenas permanecerão pobres e famintos, mas também serão alimentados pelo CO2 europeu. É um ganho ambiental.
Em 1983, Mary Douglas e Aaron Wildavsky perguntaram profeticamente: “Por que a consciência social está preocupada com o meio ambiente e não com a educação dos pobres ou o alívio dos indigentes?” Quatro décadas depois, o padrão permanece o mesmo e mostra claramente que algumas questões ambientais têm prioridade sobre outras. As preocupações com as emissões de CO2 dos países ofuscam o interesse em saber se os países podem alimentar seu próprio povo. A dimensão desumana dessas preocupações é especialmente importante no contexto da crescente população mundial que aumentará muito a demanda por produção de alimentos. E talvez a civilização não esteja pronta para lidar com o problema, já que as questões prioritárias são feitas e resolvidas por último.”
A grande pergunta que resta é se as autoridades e políticos brasileiros embarcarão na ‘canoa furada’ do ambientalismo importado, prejudicando a produção do ‘mundo rural’ e excluindo o Brasil do comércio internacional por exportar com preços ‘não competitivos’.
“Em vez de dizer que o homem é a criatura das circunstâncias, seria mais próximo do alvo dizer que o homem é o arquiteto das circunstâncias” – Thomas Carlyle, 1795 a 1881, escritor, historiador, ensaísta e professor escocês durante a era vitoriana.