Essencial para a nutrição humana, o leite de vaca, além de fazer uma dupla inseparável com o café na mesa dos brasileiros e servir de matéria-prima para uma série de produtos, desempenha um relevante papel social e de grande importância econômica para o país. A cadeia produtiva de leite foi tema do 1º Dia do Leite O Presente Rural Frimesa, realizado pelo Jornal O Presente Rural, em parceria com a Frimesa, uma das dez maiores indústrias de lácteos no país.
O encontro aconteceu em Marechal Cândido Rondon (PR), em 1º de junho, com a participação presencial de mais de 140 pecuaristas, além de um público superior a sete mil pessoas, que acompanharam a transmissão nos canais do YouTube e do Facebook do Jornal O Presente Rural ou assistiram posteriormente.
Com a palestra: Leite 4.0 – Desafios e oportunidades, o economista e pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Paulo Martins, destacou o desempenho da cadeia produtiva de leite em 2021 com o movimento de R$ 167 bilhões, cerca de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. “O setor movimenta todo o Brasil, gerando emprego e renda não somente na propriedade, mas antes mesmo disso e depois, até chegar ao consumidor”, salienta.
Martins destacou os desafios da cadeia produtiva de leite, principalmente por parte dos produtores, e ressaltou o papel dos projetos tecnológicos, o chamado Leite 4.0, que ganha espaço no segmento. “O Leite 4.0 é uma maneira de encarar tudo isso que está acontecendo no setor, e o digital é uma parte deste processo”, afirmou.
O pesquisador da Embrapa destacou algumas tendências para os próximos 10 anos que devem impactar a cadeia produtiva e que segundo ele, vieram para ficar. “2022 não é apenas o ano em que estamos fazendo a transição de um momento difícil em nossas vidas que foi a pandemia, mas é um momento também em que outros valores começam a aparecer”.
A primeira tendência citada por Martins é o crescimento do consumo de leite e derivados no Brasil e no mundo. O pesquisado apresentou números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), que apontam aumento do consumo per capita de 36,8% em 2019 nos últimos 20 anos. “Conseguimos crescer mais do que setores de frango, suínos e bovinos de corte em termos de consumo”, salienta.
Segundo Martins, o crescimento do consumo de leite, não somente no Brasil, mas em muitos países, traz oportunidades para cadeias produtivas. Entretanto, antes é preciso resolver questões sanitárias e aumentar a competividade em termos de produção. “Isso já vem acontecendo nos últimos anos, mas é preciso que se intensifique”, destaca.
Menos produtores com mais produção
Outra tendência para o Brasil apontada pelo pesquisador, e que acontece em todo o mundo, é a diminuição do número de produtores. “O Brasil passa por um processo de enxugamento da quantidade de produtores”, afirma.
Martins cita como exemplo os Estados Unidos, que atualmente possui apenas 5% do total de produtores existentes na década de 1970. “A cada vinte produtores, apenas um continua produzindo leite nos Estados Unidos, considerando esse período de 50 anos”, mencionou.
Segundo ele, a queda no número de produtores se deve, sobretudo, ao fato de muitos deles produzirem em pequena escala, o que de acordo com Martins, muitas vezes, inviabiliza o negócio. “Não é somente a margem que garante a sobrevivência, mas a quantidade produzida também” afirma.
A captação média entre os 14 maiores laticínios do Brasil passou de 200 litros/dia por produtor em 2005 para 597 litros/dia em 2020. No mesmo período, o número de produtores passou de 6.035 para 2.446, queda de 41%. “Essa transformação não é de agora, talvez ela esteja acontecendo mais rapidamente e está mais visível”, salienta.
Mais vacas por propriedade
O reflexo será o aumento da quantidade de animais por propriedade. Martins cita dados do IBGE que apontam que 80% das propriedades possuem plantel de até 50 vacas, e 90% dos produtores têm até 100 animais. “Essa é uma transformação estrutural que acontece no mundo e está acontecendo também no Brasil”, menciona o pesquisador da Embrapa.
Mudança do perfil do produtor
Segundo o Martins, terá cada vez menos espaço para produtores que herdaram a atividade, mas que pouco melhoraram o negócio da família, e aquelas pessoas que não veem do campo e acham que é possível de ganhar dinheiro tendo a produção de leite como uma espécie de lazer. “Estamos indo com uma velocidade muito rápida para o produtor que é profissional, que necessariamente trabalha sob a ótica técnica e econômica”, aponta.
Especialização regional da produção
Outra tendência, conforme Martins, é a intensificação de regiões especializadas, como, no Sul do país. “Vocês estão em uma região que é um cluser, e será cada vez mais importante para o país”, afirma. Para ele, um dos fatores determinantes é do custo de produção nessa região ser menor do que em outras regiões produtoras do Brasil. “O Sul tem um diferencial nesse adensamento da atividade leiteira que é um nível de organização que cria mecanismos para facilitar o processo de competitividade”, afirma Martins.
Leite é foodtech
O pesquisador destaca a tendência é passar a tratar o leite como um alimento tecnológico (foodtech. Martins explica que as exigências do mercado consumidor impõem à cadeia produtiva de leite inúmeros cuidados relacionados à pegada de carbono, rastreabilidade, bem-estar animal, biosseguridade, entre outros fatores. “Os supermercados estão dizendo isso para a indústria e a indústria exigirá isso do produtor”, afirma.
A década do ESG
A última tendência citada pelo pesquisador no Dia do Leite O Presente Rural Frimesa é as práticas ESG, sigla de Environmental, Social and Governance – ou, em português, ambiental, social e governança. As empresas devem atuar seguindo boas práticas relacionadas ao meio ambiente, causando o menor impacto possível à natureza, considerando profundamente questões sociais e de políticas de administração transparentes. “Temos a preocupação ambiental, que todas as empresas estão atentas, a questão social, a forma como ela se relaciona com a comunidade e a questão de governança, fator que costuma acontecer naturalmente nas cooperativas”, explica Martins.
Nesse contexto, o pesquisador cita as startups que desenvolvem soluções tecnológicas para o agronegócio. “Essas tecnologias apresentam nosso produto cada vez mais tecnológico por que os jovens estão querendo consumir causa”, conclui.
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