Enquanto o setor de alimentos busca alternativas com menor emissão de carbono, a Brown Foods, startup sediada em Boston, está se preparando para apresentar o UnReal Milk, o primeiro leite de vaca integral cultivado em laboratório do mundo - produzido sem uma única vaca.
MILK

A pecuária leiteira está sob crescente pressão por seu impacto ambiental, consumindo vastos recursos e emitindo metano – um gás de efeito estufa muito mais potente do que o CO₂.

Enquanto o setor alimentício busca alternativas com menor emissão de carbono, a Brown Foods, startup sediada em Boston, está se preparando para apresentar o UnReal Milk, o primeiro leite de vaca integral cultivado em laboratório do mundo – produzido sem uma única vaca.

De acordo com seus fundadores, o UnReal Milk é produzido por meio de cultura de células de mamíferos, reproduzindo a nutrição, o sabor e a textura dos laticínios tradicionais. Ele pode ser transformado em manteiga, queijo e sorvete, oferecendo uma alternativa livre de crueldade e com baixa emissão de carbono ao leite convencional. A Brown Foods afirma que seu método de produção reduz as emissões de carbono em 82%, o uso da água em 90% e o uso da terra em 95%, sem depender da pecuária.

A empresa vê sua tecnologia como uma forma de mitigar muitos dos problemas de longa data dos laticínios.

“O futuro dos alimentos enfrenta desafios significativos”, diz Sohail Gupta, cofundador e CEO da Brown Foods, que fundou a startup em 2021 ao lado de Bhavna Tandon e Avhijeet Kapoor.

A primeira versão do UnReal Milk já está sendo validada em laboratório. Testes independentes do Whitehead Institute for Biomedical Research, afiliado ao MIT, confirmaram a presença de todas as proteínas essenciais do leite, tornando o produto estruturalmente idêntico ao leite tradicional. A Brown Foods também confirmou que o UnReal Milk contém as mesmas gorduras do leite, principalmente triglicerídeos, e carboidratos encontrados nos laticínios convencionais.

“A Brown Foods alcançou um avanço científico e tecnológico significativo ao produzir o primeiro tubo de ensaio de leite cultivado em laboratório do mundo”, afirma o especialista em fabricação biofarmacêutica Dr. Richard Braatz, que é professor de engenharia química no MIT e faz parte do Conselho Consultivo Científico da Brown Foods.

O leite cultivado em laboratório está ganhando força

O aumento das emissões de gases de efeito estufa, o desmatamento e a escassez de água associados à pecuária tradicional estimularam a inovação em proteínas de origem vegetal, derivadas de fermentação e cultivadas em laboratório. Com o aumento dos investimentos e dos avanços tecnológicos, essas alternativas estão passando rapidamente de produtos de nicho para opções convencionais.

No espaço cultivado em laboratório, a carne dominou os holofotes, garantindo US$ 2 bilhões em investimentos em 2022 e a aprovação do USDA em 2023, mas os laticínios cultivados em laboratório ainda estão conquistando seu lugar no mercado. De acordo com a The Insight Partners, o setor de alternativas aos laticínios está a caminho de se expandir de US$ 31,13 bilhões em 2023 para US$ 70,60 bilhões até 2031. Alguns analistas projetam que os produtos lácteos sem animais poderão, eventualmente, capturar até 33% do mercado tradicional de produtos lácteos de US$ 893 bilhões.

O investimento no setor está se acelerando. Fundos de risco como o Agronomics, que apoia carne, laticínios, couro e até mesmo chocolate cultivados em laboratório, relatou uma TIR bruta de 23%, enquanto a Cult Food Science investiu em 18 empresas do setor, incluindo a Eat Just, a primeira empresa a comercializar carne cultivada em laboratório em Cingapura (2020). Em dezembro de 2024, os gigantes suíços do setor de alimentos lançaram o The Cultured Hub, uma instalação de biotecnologia focada na expansão da agricultura celular, incluindo laticínios cultivados em laboratório.

Startups como a Remilk e a Perfect Day estão usando a fermentação de precisão para produzir proteínas idênticas às dos laticínios sem depender de vacas, oferecendo uma abordagem alternativa à produção tradicional de laticínios.

No entanto, ainda há desafios. Em junho de 2023, a National Milk Producers Federation (Federação Nacional de Produtores de Leite) solicitou à FDA que proibisse as startups de fermentação de precisão de rotular seus produtos como “leite”, citando normas regulatórias. Enquanto isso, alguns fazendeiros veem os laticínios cultivados em laboratório como uma ameaça competitiva, e ainda não está claro se os consumidores aceitarão totalmente essas inovações ou se elas continuarão sendo uma alternativa de nicho.

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Funcionários da startup francesa Standing Ovation trabalham em um laboratório de Paris em 11 de outubro de 2023, … [+]
AFP via Getty Images

O primeiro leite de vaca integral cultivado em laboratório do mundo

Ao contrário da fermentação de precisão, que produz apenas proteínas lácteas selecionadas, o UnReal Milk é criado usando cultura de células de mamíferos, produzindo uma composição completa de leite. Esse método garante que o UnReal Milk possa ser transformado em manteiga, queijo e sorvete sem aditivos ou reestruturação, o que o torna uma alternativa mais próxima dos laticínios tradicionais. Essa abordagem também oferece um caminho viável para a produção em massa de leite de forma sustentável e eficiente em termos de recursos, com potencial de expansão para atender à demanda global de laticínios sem depender da pecuária.

O Dr. Braatz ressalta a importância dessa abordagem: “Ao contrário da fermentação de precisão, o ponto forte da abordagem tecnológica da Brown Foods é o fato de usar a cultura de células de mamíferos, o que permite produzir todos os componentes do leite juntos, como leite integral, e sua tecnologia pode ser ampliada ainda mais usando sistemas de biorreatores para produzir volumes em massa de leite para consumo humano. O que torna esse avanço notável é sua escalabilidade. Essa tecnologia pode ser ampliada para atender à demanda global e, ao mesmo tempo, oferecer uma solução sustentável e eficiente em termos de recursos.”

De acordo com Gupta, essa abordagem permitirá que a Brown Foods produza qualquer quantidade de leite, em qualquer lugar do mundo, independentemente do clima e da geografia, sem depender da criação de animais.

Os esforços para produzir leite sem vacas estão assumindo várias formas. A Senara, uma startup alemã, está produzindo células mamárias cultivadas em parceria com produtores de leite, combinando biotecnologia com a produção tradicional de leite. A Wilk, um empreendimento israelense, concentra-se na produção de gorduras de leite cultivadas, usadas na fabricação de queijo e iogurte. Essas abordagens contrastam com a UnReal Milk, que está adotando uma rota totalmente baseada em laboratório, com o objetivo de replicar o leite de vaca integral sem depender de gado ou de sistemas tradicionais de laticínios. Para a Brown Foods, o objetivo não é apenas imitar o leite, mas recriá-lo em um nível molecular.

“Tivemos que aprender com a biologia básica da vaca e tentamos nos manter o mais próximo possível da natureza em todo o nosso trabalho”, explica Gupta.

A Brown Foods posiciona o UnReal Milk como uma solução completa de laticínios – sem necessidade de vacas – diferenciando-se dos modelos híbridos. Ao contrário de seus concorrentes, o UnReal Milk é totalmente cultivado em laboratório, criado por meio de células produtoras de leite cultivadas em biorreatores que geram naturalmente proteínas, gorduras e carboidratos – replicando o leite de vaca em nível molecular. Em vez de complementar os laticínios tradicionais, o UnReal Milk foi projetado como uma verdadeira alternativa – sem vacas.

Com uma prova de conceito validada, a Brown Foods está agora refinando seu processo de produção. Atualmente, o UnReal Milk é extraído de um meio de crescimento líquido, mas as iterações futuras removerão todos os traços residuais dessa solução para obter um produto final mais puro. Para acelerar o desenvolvimento, a empresa está integrando o bioprocessamento orientado por IA, otimizando a eficiência e a precisão para uma produção escalável e econômica.

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Bhavna Tandon apresentando o primeiro tubo de ensaio de leite cultivado em laboratório do mundo
Mark Wilson em nome da Brown Foods

Como a primeira empresa a apresentar publicamente o leite de vaca integral cultivado em laboratório, a Brown Foods está se posicionando como um participante importante no crescente setor de agricultura celular. Embora a aprovação regulatória e a aceitação do consumidor continuem sendo desafios, os avanços na cultura de células de mamíferos e no bioprocessamento orientado por IA podem abrir as portas para a produção em larga escala.

Com testes de sabor planejados para 2025 e um piloto de mercado definido para 2026, o progresso da empresa será observado de perto à medida que o setor de alimentos explora alternativas aos laticínios tradicionais. Mas para o cofundador Sohail Gupta, a visão vai muito além de replicar o leite de vaca.

“Embora estejamos começando com leite de vaca, usando nossa tecnologia podemos produzir leite de qualquer espécie de mamífero, inclusive leite humano”, diz Gupta, dando a entender os possíveis planos para o futuro.

“O potencial de mercado vai além do leite, abrangendo manteiga, queijo, iogurte e até mesmo setores não alimentícios, como o farmacêutico e o de cosméticos, nos quais os ingredientes lácteos desempenham um papel importante. A longo prazo, essa tecnologia não diz respeito apenas à Terra – diz respeito à segurança alimentar em qualquer lugar, seja em climas extremos, áreas atingidas por desastres ou até mesmo em viagens espaciais. Estamos apenas começando”.

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