O Queijo Minas Artesanal, símbolo da cultura gastronômica de Minas Gerais, carrega em sua massa muito mais do que sabor e tradição. Ele traz histórias de famílias, regiões e técnicas transmitidas de geração em geração. Mas, para além da memória e da identidade, os queijos mineiros também são fruto de um universo invisível e poderoso: os microrganismos que dão vida ao fermento natural, conhecido como pingo.
Para preservar esse patrimônio, a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) deu início ao projeto “Queijoteca Artesanal”, que pretende catalogar, conservar e estudar as bactérias lácticas presentes no pingo, garantindo não apenas a segurança alimentar, mas também a manutenção da diversidade e das especificidades sensoriais que distinguem cada queijo mineiro.
O que é a Queijoteca Artesanal
A Queijoteca surge como um acervo microbiológico vivo. O objetivo é identificar e armazenar amostras de microrganismos coletados nas dez regiões produtoras reconhecidas do Queijo Minas Artesanal, como Serra da Canastra, Serro, Campo das Vertentes, Araxá, entre outras.
Segundo os pesquisadores, o acervo servirá tanto para preservação genética, evitando a perda dessa biodiversidade, quanto para pesquisas futuras que possam ajudar produtores a aprimorar técnicas sem descaracterizar a tradição.
“A ideia é unir ciência e tradição, garantindo que o queijo produzido daqui a cem anos mantenha o mesmo vínculo com o território e com a cultura que temos hoje”, explica a equipe técnica da Epamig.
O papel do pingo
O pingo é um fermento natural obtido da própria produção do queijo. Ele contém colônias de bactérias lácticas que, ao serem adicionadas ao leite cru, aceleram a fermentação, definem a textura e desenvolvem o sabor característico do queijo mineiro.
Cada região — e até mesmo cada fazenda — tem seu pingo particular. É justamente essa singularidade que torna os queijos artesanais únicos. No entanto, sem registro ou conservação, parte dessa diversidade pode se perder ao longo do tempo, comprometendo o futuro do produto.
Metas do projeto
Entre as principais metas da Queijoteca estão:
- Isolamento e identificação das bactérias lácticas presentes no pingo.
- Criação de um acervo microbiológico que represente a diversidade de todas as regiões produtoras de Minas.
- Estudo do potencial probiótico dessas bactérias, que podem ter aplicações não apenas na produção de queijo, mas também na saúde humana.
- Avaliação do antagonismo dos microrganismos contra bactérias indesejáveis ou patogênicas, aumentando a segurança alimentar.
- Análise das condições de maturação (umidade, temperatura, ventilação) e seu impacto sobre a microbiota e o sabor final do queijo.
Investimento e rede de apoio
O projeto é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), com investimento de R$ 2,1 milhões. Ele é realizado em parceria com a Rede Mineira de Pesquisa em Queijos Artesanais (RMQA) e conta com a participação de associações de produtores e queijeiros de diversas regiões.
Essa abordagem colaborativa é fundamental para que os resultados não fiquem apenas no campo acadêmico, mas se transformem em ferramentas práticas de apoio ao produtor artesanal.
Do laboratório à fazenda
Um dos diferenciais da Queijoteca é sua metodologia participativa. A coleta de amostras e os testes são feitos em diálogo direto com os produtores, que veem no projeto uma oportunidade de proteger sua tradição e ao mesmo tempo agregar qualidade.
Na região do Campo das Vertentes, por exemplo, o trabalho inclui testes de armazenamento do pingo nativo e acompanhamento de maturação controlada dos queijos. O objetivo é entender como fatores ambientais e práticos influenciam a microbiota e, consequentemente, o sabor final.
A experiência da família Tarôco
Entre os produtores parceiros está a Queijaria Tarôco, localizada no Campo das Vertentes. A família começou a produção em 2013, enfrentou dificuldades e quase desistiu. Foi em 2015, com a retomada da mãe à frente da produção, que os queijos ganharam corpo e conquistaram a primeira certificação estadual. Hoje, os Queijos Tarôco circulam por todo o Brasil e atraem turistas em rotas gastronômicas.
Desafios pela frente
Apesar do entusiasmo, os pesquisadores reconhecem os desafios:
- Preservar a diversidade real de microrganismos sem reduzi-la a cepas padronizadas.
- Conciliar os avanços tecnológicos com a manutenção da identidade regional.
- Estender os resultados a pequenos produtores, que muitas vezes têm acesso limitado a recursos.
- Monitorar impactos do clima, do manejo e de mudanças ambientais sobre o pingo.
Conclusão
O projeto Queijoteca Artesanal marca um passo histórico na proteção do Queijo Minas Artesanal. Ao catalogar e preservar os microrganismos do pingo, a iniciativa fortalece o elo entre ciência e tradição, garantindo que as próximas gerações possam degustar queijos com o mesmo sabor, aroma e textura que emocionam os mineiros há séculos.
Mais do que um estudo científico, a Queijoteca é um gesto de cuidado com a memória, o território e a identidade de Minas Gerais.
Adaptado para eDairyNews, com informações de Agência Minas