Com a ajuda de dois especialistas em gastronomia, esclarecemos algumas questões sobre o queijo artesanal brasileiro
Seja como aperitivo, lanche, acompanhamento ou como a estrela do prato principal, queijo é quase uma unanimidade na gastronomia. Queijo é quase um item básico na lista de compras do supermercado. Consumimos incontáveis tipos no nosso dia a dia e, vários deles são produzidos aqui no Brasil. Mas será que conhecemos, de fato, o nosso queijo artesanal?
Para ficar por dentro de tudo sobre essa iguaria tão amada, comentamos vários mitos e verdades com a ajuda de Rusty Marcellini, jornalista e cineasta especialista em gastronomia brasileira, e Fernando Oliveira, que comanda A Queijaria, em São Paulo.
O queijo brasileiro é muito recente no país
Falso. Na verdade, história e tradição definem o nosso queijo artesanal, que está presente desde a chegada dos imigrantes portugueses. O produto, que já se tornou símbolo da nossa cultura, tem uma receita que passa de geração em geração há pelo menos 250 anos.
A diferença do queijo artesanal para o industrializado está no uso do leite cru.
Verdade, a premissa do queijo artesanal é ser fabricado com leite cru, diferentemente daqueles produzidos em larga escala pela indústria, em que o principal ingrediente é o leite pasteurizado.
O queijo artesanal possui um sabor mais pronunciado.
Também é verdade, já que o leite contém as bactérias que são comuns a ele e ao terroir onde estão localizadas as queijarias. E são justamente elas que vão dar sabor ao queijo quando ele for maturado. Assim, o processo de pasteurização dos queijos industrializados acaba matando as bactérias, tirando qualquer sabor que o queijo possa adquirir naturalmente.
O sabor do queijo artesanal vem exclusivamente das bactérias.
Mito. As bactérias são um dos fatores para o sabor, mas além delas, a exemplo dos vinhos, a maior parte das características de um queijo é originada na região em que é produzido: qualidade da água, composição dos minerais do solo, diferentes altitudes, tipo de pastagem e de gado desenvolvido no local. Todos esses são fatores que garantem sabor e acidez ao produto, criando sua identidade.
Cada região produz queijos diferentes.
Sim, verdade! São variados fatores relacionados a região onde é produzido que dão as características de cada queijo. Por exemplo, os queijos da região Sudeste são diferentes dos da região Sul, que, por sua vez, são diferentes dos do Nordeste. Entre os principais tipos de queijo brasileiro, estão o Serrano, no RS; o Canastra, o Serro, o Salitre e o Araxá, em Minas Gerais; o Coalho, em Pernambuco; e o Marajó, feito com leite de búfala no Pará.
A maior região produtora de queijos do país é o sudeste.
Verdadeiro, já que o estado de Minas Gerais se localiza no sudeste do Brasil. Com cerca de 30 mil famílias envolvidas em todo o processo, o estado é o maior produtor do país. Alguns dos principais tipos de queijos brasileiros são de lá, como o Canastra, o Serro, o Salitre e o Araxá.
O consumidor brasileiro ainda não tem tanta informação sobre o queijo artesanal.
Infelizmente é verdade. Há uma lei de 1952 que impede que os queijos de leite cru sejam comercializados fora de seu município de origem, a não ser que tenham mais de 60 dias de maturação. A Queijaria, comandada por Fernando Oliveira, conta com mais de 150 tipos, de 50 produtores e de 10 estados, e com o apoio da opinião pública e da mídia, aos poucos pretende conseguir quebrar essa questão. O problema, para ele, é que apenas fazem retalhos de lei, em vez de criar uma nova que enxergue a produção industrial e artesanal como processos distintos.
O queijo é fonte de renda para milhares de famílias brasileiras.
Verdade. Os queijos artesanais produzidos aqui sustentam pequenos produtores e famílias Brasil afora. No entanto, embora seja fonte de renda para muita gente e tenha importância econômica, social e cultural, foi há pouco tempo que o consumidor brasileiro começou a ter mais informações sobre o assunto. Fernando conta que, no início da A Queijaria, o público tinha certo preconceito, mas agora ninguém mais se assusta com os queijos brasileiros.
Restaurantes brasileiros renomados não têm queijo artesanal nos cardápios.
Mito. Felizmente, cada vez mais chefs brasileiros reconhecidos servem queijo artesanal em seus restaurantes. São alguns exemplos desses: Alex Atala, Helena Rizzo, André Mifano e Carlos Kristensen.
A produção do queijo começa na ordenha da vaca e termina quando o leite coagula.
Falso, em parte. A produção realmente começa com a ordenha da vaca, que deve ocorrer na mesma propriedade onde está localizada a queijaria; mas termina só depois do processo de maturação. Simplificando: depois da ordenha, o leite é coalhado e recebe o pingo (que funciona como inóculo fermento). Depois que coagula, sua massa é separada do soro, cortada, colocada em um molde e prensada – quando o resto do soro é eliminado. Depois é salgado e segue para a maturação, que depende muito da região. É quando o queijo ganha sua identidade e personalidade, podendo acontecer em uma semana, 15 dias ou até mais.
Existem centenas de queijos artesanais pelo Brasil.
Verdadeiro, já que variam de região para região, e até de produtor para produtor. Entre os mais conhecidos e suas características: o Serrano (RS e SC), com sabor suave que se intensifica com o tempo de maturação, tem casca amarela e firme, e é mais comum redondo; o Colonial é um ícone da gastronomia gaúcha, com receita que veio dos imigrantes italianos, produzido na área serrana do estado do RS (e também SC), por fora é amarelo e duro, e por dentro, elástico; o Canastra, com cerca de 20 dias de maturação já está ótimo para consumo e, quanto mais curado, mais sabor e picância adquire. É o queijo minas mais conhecido entre os artesanais; o Araxá, produzido também em Minas, é suave, mas de sabor complexo. Quando maturado, tem casca amarela e sem fissuras e a massa com poucos furos, e quando fresco, é parecido com o Canastra; o Serro que, por ser produzido em um local mais quente de Minas, costuma ser consumido fresco. Para os maturados, em 15 dias já estão prontos, com casca fina e rígida; o Coalho, tradicional no Nordeste, mas principalmente em Pernambuco, tem uma massa não muito borrachuda e a cor puxa mais para o branco; e o Marajó, que talvez seja um dos mais inusitados, por ser feito com leite de búfala. É suave, de cor quase branca e de massa compacta, é preferencialmente consumido fresco.