ESPMEXENGBRAIND
29 jun 2025
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Símbolo da culinária nordestina, o ingrediente é resultado do processo de resistência e adaptação dos sertanejos ao ambiente
O queijo manteiga permite a compreensão sobre o modo como o Brasil foi formado socialmente, refletindo o sentimento de pertencimento e memória dos sertanejos
O queijo manteiga permite a compreensão sobre o modo como o Brasil foi formado socialmente, refletindo o sentimento de pertencimento e memória dos sertanejos

Também conhecido como requeijão do sertão, o queijo manteiga é um laticínio tradicional do Nordeste brasileiro, especialmente do interior da Bahia, Paraíba, Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte, muito comum nas mesas familiares ou em mercados, feiras e hotéis da região.

Origem, características e significados

“Historicamente, no período colonial, o sertão abastecia de produtos de subsistência, ainda que precariamente, as cidades do litoral, ligadas a ciclos econômicos como cana-de-açúcar ou atividades extrativistas. Ao sertão, cabia a criação de animais, entre eles, caprinos e bovinos”, informa o gastrônomo e professor na graduação de Gastronomia do Senac, Thiago Pininga.

A produção de queijos locais fazia parte das técnicas desenvolvidas pelos sertanejos para conservar, transportar e comercializar melhor os derivados de leite das regiões secas e com escassez de recursos, evitando desperdícios e aproveitando ao máximo as possibilidades do leite.

Segundo Jonatã Canela, especialista em eventos exclusivos e chef executivo do hotel Senac Barreira Roxa: “O queijo manteiga tem origem diretamente ligada à necessidade de conservação do leite em regiões de clima quente e escassez de refrigeração. Ele surge como produto da engenhosidade sertaneja, uma forma de conservar o leite, transformando-o em um alimento estável, rico em gordura e de longa durabilidade.”

Com sabor intensamente amanteigado e notas salgadas e defumadas, a textura do produto é macia e elástica. A manteiga é o ingrediente essencial para a sua finalização, o que lhe oferece certa untuosidade. O peso, por sua vez, pode variar de 2 a 10 kg.

Modo de preparo e diferenças em relação aos outros queijos

“In natura, tem um sabor suave, aveludado na boca, cor bastante amarelada, de textura macia e compacta (caso seja feito em método de fogo à lenha, ganhará notas defumadas). Quando aquecido, derrete e apresenta elasticidade. Ao ser chapeado, forma uma crosta crocante e escura, com variações de cor âmbar, e seu sabor e aroma se fortalecem”, completa o gastrônomo

Ele é feito de forma artesanal, tanto em queijarias quanto nos tachos de cozinhas domésticas, sem conservantes. O preparo requer leite de vaca cru e não pasteurizado: a massa é obtida por desnaturação ácida e cozida no tacho à lenha junto ao soro desnatado por cerca de 5 horas.

“O que torna o queijo manteiga um símbolo da culinária nordestina é justamente como ele é preparado. Além do uso de bastante gordura, ele não é feito com coalho, para poder apresentar uma textura mais cremosa”, acrescenta Isabelle de Andrade Brito, pedagógica dos cursos de Gastronomia e Nutrição da Universidade Tiradentes (MG).

Thiago especifica a produção do item: “O leite fresco é colocado para a separação entre a nata, usada para fazer a manteiga de garrafa e o desnatado. Esse último será coalhado, ou seja, adicionado enzimas para provocar a coagulação. O próximo processo é a retirada do soro. A massa resultante é colocada em tachos de cobre em fogão à lenha e batida até ganhar elasticidade, adicionando sal e manteiga de garrafa para homogeneizar, adquirir a cor característica amarela e começar a soltar das bordas no tacho. Por fim, ela é colocada em formas de madeira até se firmar.”

Em alguns casos, a camada residual presa ao fundo do tacho é raspada. Ela pode, eventualmente, ser incorporada à massa do queijo, deixando-o com um efeito visual bicolor: amarelo e com pedaços amarronzados.

A principal diferença em relação ao preparo de outros tipos de queijos está no acréscimo da manteiga de garrafa nordestina (ou manteiga da terra) no cozimento da massa. Nenhum outro queijo, brasileiro ou europeu, incorpora o ingrediente em sua fabricação. Além disso, enquanto a maioria dos queijos são prensados e curados, o manteiga é consumido fresco e conservado pela gordura.

Isabelle também informa que, ao contrário de outros tipos, o queijo manteiga não precisa de maturação ou da adição de coalho para ficar fresco. “É um produto lácteo cozido que, após pronto, é enformado em blocos para ser comercializado”, diz.

Refeições que harmonizam com o queijo manteiga

O alimento pode ser incorporado de diferentes maneiras nos pratos: saladas, purês, blend para pizzas, sanduíches, pastéis e outras combinações. Apesar de ser geralmente consumido no café da manhã – em um contexto doméstico e familiar, servindo como acompanhamento para o cuscuz, a tapioca, o pão ou até mesmo compor uma tábua de frios – as diferentes possibilidades de contraste permitem que o queijo também esteja presente em pratos típicos, como a sobremesa pernambucana cartola.

Como o preparo do queijo visava atender às necessidades dos trabalhadores e moradores do sertão e do litoral, o item apresenta alta durabilidade e não precisa ser armazenado na geladeira. A única recomendação é colocá-lo em um recipiente com tampa ou proteção em plástico-filme após aberto, a fim de evitar o seu ressecamento.

“O queijo manteiga é símbolo da culinária nordestina porque representa a capacidade de adaptação cultural ao meio árido, ao mesmo tempo que expressa o gosto local pelo uso da gordura como elemento de sabor e conservação. Além disso, tornou-se elemento identitário nas feiras, nos cafés e nas mesas sertanejas, mantendo seu prestígio até hoje”, finaliza o chef.

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