Historicamente, a relação entre indústrias lácteas e produtores de leite sempre foi conturbada, com os produtores apontando falta de previsibilidade nos preços recebidos e problemas no fluxo de informações a partir da indústria e, do outro, a indústria queixando-se do custo elevado do leite pago ao produtor, da falta de fidelidade e de qualidade do leite. Ainda que, aparentemente, alguns aspectos tenham evoluído, claramente há muito por fazer nesta relação comercial.
Neste sentido, o MilkPoint Mercado conduziu uma pesquisa para avaliar a percepção de produtores e de indústrias a respeito de sua relação, buscando também vislumbrar possibilidades de mudanças e evolução no relacionamento entre estes dois importantes elos da nossa cadeia produtiva.
Do lado da indústria, contamos com a participação de 30 empresas, que representam cerca de 32% do leite formal captado no país. As empresas participantes estão localizadas nos principais estados produtores do país, como mostra o mapa na Figura 1, que indica o % de participação de cada estado dentre as empresas que participaram da pesquisa.
Figura 1: Localização das indústrias de laticínios que participaram da pesquisa
Já do lado dos produtores, foram 58 respostas com o seguinte perfil de produção: cerca de 30% dos respondentes produzem menos de 1.000 L/dia; os produtores entre 1.000 e 5.000 L dia totalizam quase 50% das respostas e, por fim, os produtores acima de 5.000 litros diários de produção contribuíram com cerca de 20% das respostas da pesquisa (Figuras 2 e 3).
Em relação a localização geográfica dos respondentes (Figura 3), Minas Gerais liderou novamente o número de respostas, com 33%, seguido de Goiás, com 28% e São Paulo e Santa Catarina com 10%.
Figura 2: Estratificação da produção (L/dia) dos participantes da pesquisa
Figura 3: Localização geográfica dos produtores que participaram da pesquisa
A pesquisa começou com a seguinte pergunta: “Qual frase melhor explica a relação indústria-produtor?”. Tanto do lado da indústria, quanto do produtor, a grande maioria (59% e 53%, respectivamente) responderam que “a relação é, em algum grau, colaborativa, mas com conflitos e dificuldades de se estabelecer um relacionamento a longo prazo” – os resultados detalhados das respostas a esta pergunta estão na Figura 4.
Figura 4: Visão da indústria vs. a do produtor quanto a colaboração da relação
Também perguntamos sobre como evoluiu a relação nos últimos 10 anos (Figura 5), e, do lado da indústria, 38% dos respondentes acreditam que a relação melhorou um pouco, seguido por 26% que acreditam que essa tenha piorado um pouco.
Já do lado dos produtores, 32% veem a relação hoje igual à 10 anos atrás, enquanto 21% acreditam que tenha piorado bastante neste período. Portanto, vemos uma razoável disparidade da visão do produtor vs. indústria neste ponto, sendo o produtor mais insatisfeito com a evolução do relacionamento com o elo seguinte da cadeia.
Figura 5: Visão da indústria vs. a do produtor sobre como evoluiu a relação entre eles no última década
Em relação à como a fidelidade na entrega do leite deverá ser daqui para frente (Figura 6), as indústrias e os produtores acreditam, em sua maioria (56% e 65%, respectivamente), que a fidelidade deverá aumentar, além de uma maior transparência e compartilhamento de informações e com desenvolvimento dos fornecedores e relacionamento de longo prazo. Portanto, há não só uma esperança, como uma confiança de que o cenário poderá ser melhor no futuro.
Figura 6: Visão da indústria vs. a do produtor em relação a fidelização daqui para frente
Apesar disso, as indústrias acreditam também (29%) – mais do que os produtores (18%) – numa menor fidelização, com o preço sendo o fator principal para manter o produtor como fornecedor.
Colocamos algumas opções sobre o que pode tornar a relação mais ou menos colaborativa daqui para a frente, onde os respondentes poderiam marcar mais de uma resposta, ou adicionar alguma opção que não descrita.
Em uma relação mais colaborativa, o que mais foi colocado pela indústria, com 76% das respostas, foi o desenvolvimento de novos serviços de base tecnológica que aumentem a integração produtor-indústria, seguido da percepção de que há o relacionamento colaborativo gera mais valor no longo prazo, com 74%. Já os produtores tiveram maior divergência nas respostas, sendo as mais votadas, ambas com 45%, a percepção de que há o relacionamento colaborativo gera mais valor no longo prazo, e a disponibilidade de mais informações de mercado e transparência.
Agora, sobre possibilidades para uma relação menos colaborativa, os dois elos acreditam, majoritariamente, que isso não venha a ocorrer.
Algo a se considerar na relação indústria-produtor é o fornecimento ferramentas tecnológicas ou serviços que permitem melhorar a ligação entre eles. Portanto, perguntamos quais serviços são oferecidos hoje que realmente impactam nesse ponto – podendo ser um ou mais.
Do lado da indústria, o principal item apontado foi a assistência técnica oferecida pela grande maioria dos laticínios (88%), de forma a melhorar a relação, seguido pela antecipação de recebíveis, com 59%. Já do outro lado, mais de 50% dos produtores alegaram não receberem serviços que colaborem para uma melhor relação. Apesar disso, a assistência técnica apareceu como o serviço mais utilizado por eles que melhora o relacionamento com a indústria, com 33%.
Por fim, ao perguntarmos se esses serviços são ou não suficientes para manter a fidelidade (Figura 7), 50% dos produtores e 59% dos agentes da indústria, disseram que seriam sim, desde que os preços praticados estivessem dentro do mercado. Ainda assim, uma boa porcentagem dos produtores – 43% – acreditam que estas ferramentas não sejam suficientes para fidelizar a entrega do leite.
Figura 7: Visão da indústria vs. produtor sobre serviços de fidelização
Portanto, quando olhamos os resultados gerais da pesquisa, percebe-se uma visão ainda não muito alinhada na relação indústria-produtor atualmente, porém relativamente promissora e otimista para o futuro. Espera-se que a relação seja mais transparente, e que gere confiança entre as partes.
Do lado dos produtores, entretanto, há uma maior desconfiança no futuro dessa relação, sendo necessário pensar (a cadeia como um todo) como reverter a insegurança e os pontos fracos desse relacionamento.
De fato, se observarmos que o produtor caminha para investimentos cada vez mais específicos na produção de leite (vide crescimento dos sistemas de produção em confinamento e o crescimento do Compost Barn) e para um maior “engessamento” de seu sistema de produção, o outro lado (a indústria) deve refletir sobre ferramentas de relacionamento que de fato agreguem valor e previsibilidade ao fornecedor de seu principal item de custo.
Os tradicionais pacotes de assistência técnica (ainda que estimulados por programas oficiais de benefícios fiscais) podem já não atender aos produtores que ficarão na atividade no futuro… Para refletir e, talvez, repensar nossas estratégias futuras!