Todos os dias a meio da manhã, Emanuel Fontes desce da sua quinta na Ribeira Seca, Calheta, até à COOPERATIVA AGRÍCOLA DE LACTICÍNIOS DOS LOURAIS, onde entrega o leite que acabou de ordenhar e que dará origem ao queijo tradicional da ilha açoriana de São Jorge. Emanuel é um dos 230 produtores e um dos 40 sócios desta cooperativa, uma de três na ilha que se dedica à produção de queijo.
Com alguma frequência, hoje não tanto como antes da pandemia, abre a porta da sua quinta – EXPLORAÇÃO LEITEIRA IRMÃOS FONTES – a visitantes para mostrar o seu trabalho. E é com gosto que trata da sua manada de vacas holstein, uma das raças mais utilizadas na ilha para a produção de leite. Com 35 anos, Emanuel começou o negócio por conta própria aos 18. “Cheguei a ordenhar 60 vacas, agora tenho 25”, conta. “Ganhei a confiança delas e todas respondem pelo seu nome próprio”. Cada uma, explica, tem o seu lugar na manada, “a que está no lugar mais alto da hierarquia é a primeira a ser ordenhada. Mas isso, são elas que decidem entre si”.
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(Fotografia de Jorge Blayer Góis/DR)
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(Fotografia de Jorge Blayer Góis/DR)
Com uma história que remonta aos primeiros colonizadores da Flandres, o queijo de S. Jorge destaca-se dos das outras ilhas. Emanuel considera que as especificidades se devem ao pasto natural da ilha, vegetação como trevo ou língua de ovelha, e ao facto de ser uma ilha de origem vulcânica. Além disso, os pastos encontram-se, em média, acima dos 500 metros e estão expostos à salinidade do mar. Todos os produtores de leite para queijo entregam-no nas cooperativas, um modelo que, para Emanuel é uma forma de desenvolvimento da ilha, “estamos nisto todos juntos”, defende.
O queijo de São Jorge está a pôr toda uma economia a funcionar. Desde os produtores de gado, a fábricas, lojas e turismo. O trabalho de certificação e promoção tem sido feito nas últimas décadas pela Confraria do Queijo de São Jorge, que celebrou 30 anos em novembro passado com direito a Jornadas sobre o tema. Para comemorar a data foi mesmo produzido um queijo São Jorge DOP com 30 meses de cura, uma raridade, visto que as maturações mais comuns vão dos três aos 24 meses.
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(Fotografia de Jorge Blayer Góis/DR)
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(Fotografia de Jorge Blayer Góis/DR)
Inspirados pelo movimento confrádico de Torrelavega, em Espanha, foi, então, há três décadas que um grupo de dirigentes das fábricas de São Jorge se encantou com a ideia de uma confraria. “Na altura, a intenção era a promoção do queijo. Mais tarde e por causa dos regulamentos comunitários, surgiu a necessidade de haver uma entidade certificadora e a confraria assumiu esse papel”, conta o atual presidente da confraria António Azevedo. Antes, entre 1986, ano da criação da região demarcada, e 1991, era a Uniqueijo, uma união de várias cooperativas da ilha, que certificava, mas por questões de imparcialidade decidiu-se retirar esse processo aos fabricantes e passá-lo para uma entidade autónoma.
Um queijo de várias influências
Terá sido há 500 anos que colonos da Flandres se instalaram na ilha, levando gado e técnicas de produção de queijo. Mas o São Jorge de hoje será muito diferente do que se produzia inicialmente, pois tem uma “mistura de processos”, diz António Azevedo. “Já depois dos holandeses, vieram técnicos alemães e ingleses que deram o seu contributo. Por exemplo, hoje fazemos a cheddarização como se faz no tradicional queijo inglês cheddar”, explica.
A confraria quer agora acentuar o relacionamento do queijo com outros produtos dos Açores, como os vinhos do Pico, ilha que juntamente com esta e Faial compõe o “trângulo” do Grupo Central do arquipélago, mas também com produtos do continente, tentando seduzir chefs de cozinha para trabalhar o queijo e não só.
A ilha e os seus produtos seduziram a chef Luísa Fernandes, conhecida no meio como chef Luisinha, que está agora à frente do RESTAURANTE SÃO JORGE, no centro da vila de Velas. A vida desta chef natural de Monte Real, Leiria, é cheia de aventuras, ambições e sonhos concretizados. Enfermeira até aos 50, profissão que conciliava com a de chef (tinha um restaurante em São Bento, Lisboa), rumou para os Estados Unidos sem saber falar inglês.
“Eu tinha o sonho de ir para Nova Iorque desde que vi, quando era pequena, o filme “New York New York”, com a Liza Minnelli”, lembra. Luisinha, que na época vivia na Figueira da Foz, ficou fascinada com o tamanho dos prédios, a quantidade de automóveis, a imensidão de gente na rua. Quando os filhos já estavam criados, concretizou o sonho. Fechou o restaurante de Lisboa e foi à aventura sem conhecer lá ninguém, só com o contacto de uma senhora portuguesa que alugava quartos e de três restaurantes portugueses.
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(Fotografias DR)
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(Fotografia DR)
Conseguiu emprego num deles logo nos primeiros dias. Mais tarde, acabou por ser chef do Park Blue, restaurante perto do Central Park onde, com uma boa garrafeira e petiscos de inspiração portuguesa, conquistou os nova-iorquinos pelo estômago, incluindo o de muitos chefs de cozinha que trabalhavam por ali. Depois, inscreveu-se no famoso concurso televisivo da Food Network Chopped, em 2009, do qual saiu vencedora.
“Não é fácil viver muito tempo em Manhattan. É muito caro, mas lá tinha sensação de liberdade. Ali, ninguém se mete na vida de ninguém”, conta. Agora nos Açores, está à frente do São Jorge desde 2020. “Sempre tive a ideia de usar produtos locais, estivesse onde estivesse”, diz. “Uso os temperos que se utilizam cá, como a massa de pimenta, mas sem exagerar. Exploro o peixe, que gosto de servir grelhado. Faço espetadas de lulas, de carne de vaca com a liguiça daqui, de frango enrolado em bacon, explorando a influência americana dos muitos descendentes de emigrantes”, refere.
Ao almoço, arrisca em “temperos do continente” e receitas não muito habituais por ali, como rancho ou dobrada. “Quando quis fazer dobrada, disseram-me que era melhor não arriscar. Agora, até ligam para perguntar quando volto a fazer”. Em breve, o restaurante vai ficar maior, pois um novo espaço vai abrir mesmo ao lado, em fevereiro. Além disso, a chef vai ficar responsável por outro restaurante em frente ao mar, também ainda em obras.
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(Fotografia de Jorge Blayer Góis/DR)
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(Fotografia de Jorge Blayer Góis/DR)
Uma fajã muito fértil
Não são apenas os produtos locais que seduzem em São Jorge. A exuberância da ilha, com vegetação farta e muito verde, com altas arribas que contrastam com as fajãs, planícies junto ao mar usadas para a agricultura, não permite que esta se dê a conhecer em apenas dois ou três dias. Mas um dia basta para uma caminhada pela fajã do Ginjal (na Calheta), onde a meio do caminho se pode conhecer uma adega especial.
Na entrada, lê-se: “O sabor da vida depende de quem a tempera. Bem vindos à ADEGA DO GINJAL”. É num terraço sobre o mar, frente ao Pico e debaixo de uma frondosa videira, que se provam os petiscos da Dona Rosa, confecionados com produtos locais, não fosse esta fajã próspera em terra fértil, de onde se colhe batata-doce, inhame, malagueta, milho, tomate, uva americana para o vinho de cheiro e até café. Rosa adora cozinhar e conhecer pessoas. “Já fiz amizades com gente de todo o mundo”, conta.
A tradição de receber começou com a avó de Rosa, passou pela mãe e agora é assegurada por ela, que ali serve grupos por marcação. Tudo o que chega às mesas é o mais tradicional possível: queijo de São Jorge, massa sovada, bolo de sertã feito com o milho ali plantado, tortas de linguiça caseira, caldo de peixe, lapas, pudim de queijo, entre muitos outros petiscos.
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(Fotografia DR)
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(Fotografia DR)
É também no concelho da Calheta que vive Nelson Branco. Há sete anos, trocou a Ilha Terceira, de onde é natural, por São Jorge, e está agora a ganhar visibilidade por se dedicar, nos tempos livres, à arte da carpintaria. “O meu pai é carpinteiro e ensinou-me. Achei que também tinha jeito”, conta. Nelson trabalha na SATA, a companhia aérea dos Açores, e tem diversos hobbies, principalmente ligados ao mar, como surf e outros desportos aquáticos. “A madeira tinha ficado um pouco adormecida, mas durante a pandemia, comecei a ajudar um amigo que tem uma carpintaria”.
O interesse voltou e a ideia de desenhar tábuas para servir comida surgiu recentemente, antes do verão passado. A minha namorada prepara jantares vegans em eventos de Yoga e tinha sempre dificuldade em encontrar tábuas onde servir. Decidi fazer”.
Nasceu assim o projeto WILD WOOD AZORES, que aos poucos começou a crescer no Instagram e agora tem já um atelier que Nelson abre depois do trabalho para produzir e receber pessoas. Os formatos das tábuas são inspirados no imaginário açoriano, principalmente no mar, na forma de cachalote, onde o rabo é a pega, ou rabos de baleia. O logotipo do projeto saiu à primeira: um triângulo, a representar as três ilhas – Faial, São Jorge e Pico – e uma onda. A insularidade desenhada por quem a vive.