O fenômeno La Niña – caracterizado por chuvas abaixo do histórico nos estados do sul do país, chuvas dentro do histórico, mas com problemas de distribuição no Sudeste e no Centro-Oeste, e chuvas acima do histórico no Nordeste brasileiro

fenômeno La Niña – caracterizado por chuvas abaixo do histórico nos estados do sul do país, chuvas dentro do histórico, mas com problemas de distribuição no Sudeste e no Centro-Oeste, e chuvas acima do histórico no Nordeste brasileiro – vem castigando severamente os produtores de leite dos estados do Sul, principalmente aqueles que utilizam o pasto como principal fonte de volumoso para os animais. O momento é de bastante dificuldade, visto que os produtores já vinham sendo impactados pelos altos custos de ração e insumos e por outro período de seca que ocorreu entre o fim do ano passado e o início deste e comprometeu a produção de silagem e a entrada dos animais nas pastagens de inverno.

Figura 1. Distribuição geográfica da produção de leite no Brasil (esquerda) e anomalias de precipitação no terceiro trimestre de 2020 (direita).

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Segundo Juliano Alarcon Fabrício, agrônomo e responsável pela consultoria Dr. Pastagem, não se via uma estiagem tão intensa desde 1943. Em 1977 houve também um episódio memorável, porém este se deu a partir de janeiro e não comprometeu a produção de alimentos na primavera, ao contrário do que estamos vendo hoje. “Outubro é o mês que mais chove no Paraná. O normal é cerca de 250 mm de chuva e tivemos apenas 50. No acumulado desde agosto, não chegamos a 100 mm de chuva”.

Na primavera é quando ocorre o crescimento das pastagens e são plantadas as lavouras de milho para a produção de silagem, que servirá como alimento para o próximo ano. De acordo com Juliano, “houve um crescimento de pastagem até final de outubro, mas a partir de novembro, mesmo com bom manejo e adubação, o crescimento foi zero”.

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Pastagem. Foto: Juliano Fabrício

Algumas propriedades mais bem preparadas trabalham com estoque de alimentos e têm condições de manter os animais até o próximo ano, segundo o agrônomo. A maioria, porém, não possui este planejamento e está sofrendo para conseguir alimentar os animais. “É uma procura desenfreada por silagem, feno, pré-secado... Eu vi silagem ser vendida a R$ 0,50/kg de matéria original, mais o frete, isso é muito caro! A gente não tem muita perspectiva de produção de volumoso”, contou. “Contudo, ainda assim, nas propriedades atendidas, temos visto uma produção de leite superior a do ano passado, por enquanto, mesmo com a seca. Sem essa estiagem, estaríamos produzindo muito mais!”

De acordo com Juliano, as chuvas recentes foram muito importantes para recuperar o milho e a soja, mas não os pastos. A esperança é que tenha mais precipitação nos próximos dias e que se cumpra a previsão para a segunda quinzena de dezembro, que é quando o milho está pendulando e em floração. “Esta é uma época muito crítica, mesmo com todo o mal que estamos passando, se vierem estas chuvas a gente consegue ainda colher de 30 a 40 t/ha de silagem”. Segundo Thomer Durman, consultor técnico, as condições da silagem de milho vão variar muito de acordo com a região, mas estão sendo relatadas perdas entre 10 e 60% no rendimento.

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Lavoura de milho. Foto: Thomer Durman

No Rio Grande do Sul, em diversas regiões, a situação também é alarmante. Segundo Leonel Fonseca, coordenador da comissão de Leite e Derivados do sistema Farsul, houve perdas muito elevadas nas lavouras de milho e de soja. O volume de pasto também ficou muito aquém do projetado e já há racionamento de água para os animais. “As consequências na produção e reprodução do rebanho irão se estender até o próximo ano agrícola”, disse Leonel.

“É muito séria a situação. Alguns produtores não têm mais trato para os animais ou têm poucos dias de reserva de silagem. Alguns estão comprando palha de trigo e aveia. Grão não existe, não existe milho, trigo ou triguilho para fazer ração”, desabafou Pedro Signor, da FETAG/RS. Segundo ele, a chuva veio em alguns momentos, mas foi insuficiente, e seria necessária uma intervenção pública para trazer pelo menos milho para alimentar os animais. Outra possível solução seria a vinda de uma chuva abundante, que permitiria a recuperação de alguns de tipos de pastagem que se desenvolvem mais rapidamente, como o tifton. “No geral, a situação é feia e preocupante. Todo mundo está preocupado e ansioso, vendo os bichos berrando de fome e não tendo com o que tratar”.

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Pastagem. Foto: Juliano Fabrício

Diante de um quadro tão complexo, diversos são os questionamentos sobre os impactos na oferta de leite e, consequentemente, no mercado. Com a dificuldade de alimentar os animais e a alta da arroba do boi, já estão havendo relatos de animais de leite enviados para o abate. “Vários animais estão sendo encaminhados para o frigorífico, tanto por uma questão de sobrevivência e fluxo de caixa, como pelo alto custo dos insumos e a falta deles em muitos municípios”, relatou Leonel. De acordo com Pedro, já podem ser vistas consequências na captação de leite, devido à falta de alimento para os animais e o calor. Além disso, alguns produtores estão antecipando a secagem dos animais.

Segundo Valter Galan, do MilkPoint Mercado, a produção de leite normalmente tem uma queda sazonal neste período do ano. Contudo, “neste ano, a queda tem sido bem mais pronunciada, em função dos graves problemas de seca, principalmente no Noroeste do RS, no Oeste de Santa Catarina e no Sudoeste do Paraná que, juntos, produzem cerca de 18% do leite brasileiro (produção total), algo equivalente a 17 milhões de litros diários”.

Segundo informações de técnicos que atuam na região, a estiagem deste ano, associada a estiagem do ano passado – que reduziu a qualidade e a quantidade de silagem de milho disponível, que serviria para compensar neste momento a falta de pastagens tanto de inverno como de verão – tende a reduzir a produção de leite de novembro em cerca de 20% em relação a outubro, algo que certamente impactará o mercado como um todo. “Como as empresas que atuam na compra de leite no Sul também estão nas bacias do Sudeste e Centro-Oeste, elas compensam a redução de volumes lá [Sul] com o aumento das compras aqui [Sudeste e Centro-Oeste], impactando diretamente os mercados nestes locais. Além disso, outro importante fator que tem impactado o mercado são os preços altos de soja e milho, que influenciam a redução de produção em todo o país”, comentou o analista de mercado.

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Lavoura de milho. Foto: Thomer Durman

Diante disso, vemos que a situação é realmente preocupante e que o ano de 2020 vem tendo comportamento totalmente atípico. A severa estiagem, somada a fatores como alta da arroba do boi e altos custos do milho e da soja, poderão mudar os rumos do mercado e, ao contrário das previsões de preço ao produtor que vinham sinalizando queda, podemos ver uma estabilidade nos valores pagos pelo leite.

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A relação entre segurança alimentar e negócios tem ganhado força, já que um descompasso do lado da oferta afeta negativamente a demanda.

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