O setor de laticínios desempenha um papel crucial na economia brasileira. O Brasil é atualmente o quinto maior produtor de laticínios do mundo (EMBRAPA, 2022), e Minas Gerais se destaca como o principal estado produtor de leite, totalizando 6,5 bilhões de litros em 2020, o que representa aproximadamente 27,1% da produção nacional.
Comparado ao ano de 2019, o estado apresentou um aumento de 224 milhões de litros produzidos. Minas Gerais também possui a maior quantidade de indústrias licenciadas do ramo, acima de 300, com uma média de processamento diário de 100.000 litros de leite (EMBRAPA, 2022; MAPA, 2021). Nesse cenário produtivo, é exigido cada vez mais cuidado com o meio ambiente e a adoção de técnicas sustentáveis.
Segundo Carvalho, Prazeres e Rivas (2013), tanto nas indústrias de laticínios quanto nas queijarias artesanais e pequenas indústrias, a produção e a higienização requerem grandes volumes de água, o que acarreta geração de águas residuárias com altas cargas orgânicas. As características das águas residuárias podem variar consideravelmente, dependendo do tipo de produto, da tecnologia e dos métodos de produção utilizados. Mas, no geral, contêm matéria orgânica, fósforo e nitrogênio.
Estas últimas são responsáveis pela eutrofização dos corpos d’água e pela degradação do solo (Minakshi et al., 2022). O descarte dessas águas residuárias em corpos d’água está sujeito a regulamentações rigorosas, como a Resolução 430/2011 do CONAMA (Brasil, 2011), e leis estaduais específicas, como a Deliberação Normativa Conjunta COPAM/CERH n° 08/2022 em Minas Gerais.
Nesse contexto, os Sistemas Alagados Construídos (SACs), conhecidos como wetlands construídos ou jardins filtrantes, surgem como uma alternativa promissora para o tratamento de efluentes da produção de queijos artesanais e pequenas indústrias.
Essa tecnologia oferece simplicidade, facilidade de operação, baixo custo e benefícios adicionais, como a produção de biomassa verde e a melhoria do aspecto paisagístico, conforme destacado por Sezerino et al., (2018) e Kiflay et al., (2021). Estudos como os de Kadlec e Wallace (2009) apontam para uma eficiência comparativa favorável em relação aos sistemas convencionais.
Embora pouco difundidos no Brasil, os SACs são considerados soluções de saneamento sustentável, capazes de atenuar diversos tipos de contaminantes presentes nos efluentes, como evidenciado por Dotro et al, (2017). O estudo realizado por Vieira et al.(2019) demonstrou a eficácia desses sistemas no tratamento de efluentes de laticínios, alcançando altas taxas de remoção de poluentes, atendendo aos padrões estabelecidos pela legislação ambiental.
No trabalho realizado por Vieira et al., (2019), um protótipo de SACs foi utilizado para fins experimentais no tratamento de efluente de laticínios e apresentou remoção de 89% de DQO e 92% de sólidos dissolvidos, atendendo os limites estabelecidos na Resolução CONAMA nº 430/2011.
A Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais-Instituto de Laticínios Cândido Tostes (EPAMIG/ILCT), por intermédio de seus pesquisadores, liderou um projeto financiado pela FAPEMIG. O objetivo foi avaliar, em escala real, o uso do sistema alagado construído no tratamento do efluente gerado por uma queijaria artesanal situada na zona rural de Tiradentes, MG.
Para isso, foram adquiridos dois tanques de polipropileno com 8 mm de espessura, com 5,5 m de comprimento, 2,5 m de largura e 0,60 m de altura. O dimensionamento dos tanques foi realizado a partir do método WC-Reed. Um dos tanques foi vegetado com espécie Zantedeschia aethiopica, popularmente conhecida como Copo-de-leite, enquanto o outro permaneceu sem vegetação.
Imagens que documentam a montagem, o progresso e o desenvolvimento das unidades experimentais apresentadas na Figura 1
A. Tanque de polipropileno dimensionado sob medida
B. Nivelamento do terreno para assentamento das caixas
C. SACs vegetado e não vegetado
D. Desenvolvimento das mudas de Copo-de-leite
E. Estrutura experimental
F. Floração do Copo-de-leite
G. Desenvolvimento Afluente (antes do tratamento) e Efluente (depois do tratamento)
H. Efluente tratado.
As mudas de Copo-de-leite se adaptaram bem aos sistemas alagados construídos, melhorando a estética do local e contribuindo para a eficiência do sistema. Os resultados demonstraram uma remoção satisfatória dos poluentes, mantendo-se dentro dos limites legais para o descarte em corpos d’água, com exceção da matéria orgânica (demanda bioquímica de oxigênio-DBO 5,20 e demanda química de oxigênio-DQO). Maior tempo de operação e monitoramento do sistema pode levar a uma melhor remoção de matéria orgânica e atender os parâmetros de legislação.
Nesse contexto, os sistemas alagados construídos emergem como uma opção para o tratamento de efluentes de queijarias e pequenos produtores, oferecendo uma combinação de eficiência, custo-benefício e conformidade legal. A estrutura experimental servirá como base para futuras pesquisas e como uma demonstração prática para interessados, facilitando assim a divulgação e implementação dessa tecnologia.
Para mais detalhes sobre o sistema de tratamento de efluente de queijaria e uma compreensão aprofundada do projeto, uma cartilha educativa foi elaborada e está disponível através do seguinte link: [livrariaepamig.com.br/wp-content/uploads/2023/09/Tratamento-de-efluentes-de-queijaria.pdf].
Agradecimentos
Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG), pelas bolsas e pelo fomento à pesquisa (APQ-04000-17) e a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais/Instituto de Laticínios Cândido Tostes (ILCT).
Referências
Brasil. Resolução CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente n° 430/2011. Dispõe sobre classificação de corpos d’água e estabelece as condições e padrões para lançamento de águas residuárias, complementa e altera a Resolução nº 357, de 17 de março de 2005, do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA.
Diário Oficial da União. República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 16 mai. 2011.
Carvalho, F.; Prazeres, A.R.; Rivas, J. (2013) Cheesewhey wastewater: Characterizationandtreatment. Science ofthe Total Environment, v. 445-446, p. 385-396.
Doi: 10.1016/j.scitotenv.2012.12.038.
Dotro, G.; Langergraber, G.; Molle, P.; Nivala, J.; Puigagut, J; Stein, O.; Sperling, M. Biological Wastewater Treatment Series: Treatment Wetlands. Chennai: IWA, 2017.
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Anuário Leite 2022, Brasília, 2022.
Disponível em: https://www.embrapa.br/buscade-publicacoes/-/publicacao/1144110/anuario-leite-2022-pecuaria-leiteira-deprecisao. Acesso em: 09 de janeiro de 2024.
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Cadeia produtiva do leite no Brasil: produção primária.
Disponível em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/215880/1/CT-123.pdf. Acesso em: 11 de setembro de 2024.
Kadlec. H. R.; Wallace. S. Treatment wetlands. 2. ed. Boca Raton: CRC Press, 2009. 1016 p.
Kiflay, E.; Selemani, J.; Njau, K.. Integrated constructed wetlands treating industrial wastewater from seed production. Water Practice & Technology, v.16, n.2, p.504-515,
2021.
MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Tabelas Gerais Projeções do Agronegócio 2020-2021 a 2030-2031, Brasil, 2021.
Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/politica-agricola/todaspublicacoes-de-politica-agricola/projecoes-do-agronegocio/tabelas-geraisprojecoes-do-agronegocio-2020-2021-a-2030-2031-1.xlsx/view. Acesso em: 08 de janeiro de 2024.
Minakshi, D.; Kumar Sharma, P.; Rani, A. Effect of filter média and hydraulic retention time on the per-formance of vertical constructed wetland system treating dairy farm wastewater. Environmental Engineer-ing Research. 2022, 27.
Minas Gerais – Deliberação Normativa Conjunta COPAM/CERH-MG N° 08. Deliberação Normativa Conjunta COPAM/CERH-MG N.o 08, de 21 de novembro de 2022. Dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento, bem como estabelece as condições e padrões de lançamento de água residuárias, e dá outras providencias. Disponível em: siam.mg.gov.br/sla/download.pdf?idNorma=56521 Acesso em: 14 fevereiro. 2024
Sezerino, P. H.; Rousso, B. Z; Pelissa R. C.; Santos, M. O; Freitas, M. N.; Fechine, V. Y.; Lopes, A. M. B.. Wetlands Construídos aplicados no tratamento de esgoto sanitário: recomendações para implantação e boas práticas de operação e manutenção. Florianópolis: FUNASA, 2018.
Vieira, S.P.; Silva, A. B.; Freire, S. S.; Cavalcanti, L. A. P. Tratamento de águas residuárias da indústria de laticínios por meio de wetland construído. Revista Brasileira de Gestão Ambiental e Sustentabilidade, vol. 6, n. 13, p. 309-316, 2019.
Autores: Claudety Barbosa Saraiva – Professora/Pesquisadora – Instituto de Laticínios Cândido Tostes/EPAMIG- Coordenadora do projeto. (Primeira autora)
Clarice Coimbra Pinto – Pesquisadora – Instituto de Laticínios Cândido Tostes/EPAMIG – Mestranda em Ciência e Tecnologia do Leite e Derivados – UFLF/EMBRAPA/ILCT
Liz Marques Souza Duque – Graduanda em Engenharia Ambiental e Sanitária – Universidade Federal de Juiz de Fora.
Mariana Campos Lima – Graduanda em Engenharia Ambiental e Sanitária Universidade Federal de Juiz de Fora.
Fonte: Epamig/Instituto de Laticínios Cândido Tostes