Nas últimas cinco décadas o setor de leite e derivados brasileiro se transformou.
leite

Em 1972, saímos de uma produção de cerca de 7 bilhões de litros de leite/ano, para cerca de 36 bilhões/ano, atualmente. São cinco vezes mais, enquanto a população dobrou, saindo de 100 milhões para 211 milhões, aumentando significativamente a disponibilidade de leite para cada brasileiro.

Mas, o crescimento da produção não retrata toda a mudança estrutural vivida. Para evidenciá-la, vamos construir a linha do tempo do setor e apresentá-la em três artigos, a partir deste. Sim, será a Trilogia do Leite Brasileiro.

Em 1972, os melhores rebanhos apresentavam produtividade média de cinco litros por vaca/dia. Eram animais sem raça definida, criados extensivamente em pastos não cultivados. O único cuidado com a alimentação verde era roçar o pasto uma vez por ano. E a ração era o farelo de trigo importado, comprado a preços subsidiados. Era um Brasil que não conhecia a soja e produzia pouco milho. As propriedades eram multifuncionais, produziam para subsistência.

A ordenha era manual e a produção não enchia um latão de 30 litros. Levado para a beira da estrada, este latão ali permanecia ao sol ou chuva, até ser recolhido pelo caminhão não refrigerado. Nessa época, o poder de barganha do caminhoneiro com produtor e com indústria era muito grande, pois ele definia as rotas de captação.

Os laticínios eram pequenos, exploravam mercados restritos, com marcas regionais. Havia forte presença de cooperativas centrais, congregando dezenas de singulares, principalmente nas regiões Sudeste e Sul. Itambé, Paulista, CCGL e CCPL eram suas marcas fortes. A variedade de derivados disponíveis para o consumidor era restrita: leite em pó, leite pasteurizado em sacos de um litro, leite condensado, creme de leite e queijos, como muçarela, prato e minas. O canal de comercialização único eram as padarias. Mas, o forte da comercialização era o mercado informal. O leiteiro, em sua carroça de burro, fazia delivery porta a porta.

O crescimento econômico exponencial desta década, em que o PIB chegou a crescer 14% num único ano, deixou um legado: o crescimento substancial do consumo. A resposta imediata foram as importações e o Brasil se tornou o terceiro maior importador de leite do mundo.

Mas, o quadro de bonança da economia terminou na década seguinte. Os anos oitenta trouxeram dois grandes desafios para o setor: estagflação e urbanização rápida. A inflação galopante, expressão da época, se instalou num ambiente de recessão. Portanto, estagflação – o pior dos mundos. Foi a primeira grande crise econômica desde o início da industrialização brasileira, que fez aquele período ser conhecido como “a década perdida”.

Leite e derivados são muito afetados por desemprego e inflação elevados, que deprimem o poder de compra dos assalariados. Para complicar ainda mais o setor, nesta época o preço do leite era tabelado sem critérios pelo Governo, que usou deste instrumento para combater a inflação, ao segurar os reajustes ao produtor. Vale ressaltar que o leite tinha um considerável peso no cálculo do índice do Custo de Vida.

O segundo desafio foi a urbanização rápida, com o crescimento das capitais dos Estados. Isso resultou num maior custo de leite e derivados na mesa do consumidor e maiores perdas na comercialização. O Brasil não tinha uma logística de frios. Com distâncias crescentes do local de produção para o consumo, o quadro se agravou, numa época em que o Brasil era importador de petróleo caro e com escassez de dólares no Banco Central.

Neste ambiente de preços controlados e custos elevados, os produtores reduziram a oferta e ficou evidenciado que era preciso criar um critério transparente para reajuste de preços do leite ao produtor. Coube ao professor Sebastião Teixeira Gomes e a mim propormos uma planilha de custos, que se tornou oficial pelo Governo, em 1987. Com 25 anos, era minha a responsabilidade dizer quanto deveria ser o reajuste de preços.

O legado deste período? A Planilha de Custos de Produção de Leite da Embrapa foi uma disruptura institucional. A partir dela os produtores passaram a reivindicar políticas públicas. Já a urbanização evidenciou a necessidade do aumento de produtividade em toda a cadeia, visando eficiência e competitividade.

Neste artigo abordamos as décadas 70 e 80. O começo das transformações estruturais. No mês que vem avançaremos no tempo. Aguardo você aqui.

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