Os queijos brasileiros conquistaram reconhecimento mundial ao garantirem 58 medalhas na 7ª edição do Mondial du Fromage et des Produits Laitiers, realizado em Tours, na França, entre 14 e 16 de setembro.
Foi um resultado histórico: o Brasil se tornou o segundo país mais representativo do evento, atrás apenas dos anfitriões franceses, com quase 300 produtos inscritos. A avaliação coube a 220 jurados internacionais, que premiaram o país com 10 medalhas de ouro, 18 de prata e 30 de bronze.
Esse feito comprova a excelência e a diversidade da queijaria nacional, tanto artesanal quanto industrial. No entanto, por trás do brilho das medalhas, surge um desafio que pode redefinir o futuro de muitos desses produtos: a restrição ao uso de nomes tradicionais protegidos pela União Europeia (UE).
Durante a competição, os queijos foram identificados apenas pelo país de origem, sem destaque para o laticínio ou produtor responsável. Ainda assim, nomes como “Parmesão”, “Brie”, “Gouda”, “Camembert” e “Gorgonzola” estiveram entre os premiados.
O problema é que esses mesmos termos estão prestes a se tornar exclusivos de produtos europeus, caso o Acordo Mercosul-União Europeia seja ratificado.
Esse tratado, em fase final de negociação, prevê a proteção das Indicações Geográficas (IGs) europeias. Assim, nomes consagrados só poderão ser utilizados por queijos produzidos em suas regiões originais, como o Parmigiano Reggiano na Itália ou o Gorgonzola, também italiano.
No Brasil, onde esses nomes foram empregados legalmente por décadas como descrição de estilo, a mudança representará uma ruptura drástica.
Segundo documentos da União Europeia, como o Anexo 13-E do acordo, algumas empresas foram registradas como “usuários prévios” e, sob condições restritas de rotulagem, poderão continuar usando certos nomes.
No entanto, ao cruzar informações, constata-se que nenhum dos produtores brasileiros premiados em Tours figura nessas listas de exceção. Trata-se, em grande parte, de pequenos e médios empreendimentos que se consolidaram com base em denominações amplamente aceitas pelo mercado interno.
A consequência imediata será a necessidade de retirar esses nomes das embalagens após a assinatura do acordo. Isso implica custos financeiros e estratégicos: será preciso reconstruir identidades de marca, reposicionar produtos, investir em comunicação para reeducar consumidores e lidar com a perda de valor associada a denominações que já carregam tradição e reconhecimento.
A conquista em solo francês evidencia que a qualidade do queijo brasileiro não está em questão. O verdadeiro desafio, agora, é de ordem comercial e regulatória.
Para muitos especialistas, o setor precisa se preparar com urgência para um processo de rebranding em massa, capaz de valorizar a originalidade brasileira e reduzir a dependência de nomes estrangeiros.
Termos genéricos como “queijo azul” ou “queijo tipo italiano ralado” podem ser alternativas, mas ainda carecem de apelo junto ao consumidor.
A transição exigirá suporte do governo e das entidades representativas do setor lácteo. Sem orientação adequada, os produtores mais vulneráveis — justamente os artesanais e de menor escala, que conquistaram prestígio internacional — correm o risco de perder competitividade no mercado interno e externo.
O episódio em Tours revela uma contradição: ao mesmo tempo em que o Brasil mostra ao mundo a qualidade dos seus queijos, enfrenta a ameaça de ver sua produção descaracterizada por restrições legais. A batalha pelo paladar foi vencida na França, mas a próxima, pela sobrevivência comercial com novos nomes, será ainda mais complexa.
Como defende a mestre e doutora em Reprodução Animal pela USP, Roberta Zuge, conselheira do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS), é urgente discutir o impacto do acordo para os produtores nacionais.
O CCAS, entidade privada fundada em São Paulo em 2011, reúne especialistas que pautam suas ações na ética, na ciência e na transparência, reforçando a importância de políticas claras para garantir sustentabilidade e competitividade ao agronegócio brasileiro.
A experiência internacional demonstrou que o Brasil tem talento e qualidade reconhecidos no setor queijeiro.
Agora, o tempo de agir é curto: é necessário transformar a conquista em estratégia e apoiar os produtores para que a identidade dos queijos brasileiros não se perca no rótulo, mas siga conquistando mercados pelo sabor e pela excelência.
*Adaptado para eDairyNews, com informações de Portal e TV Fator Brasil