A crise no setor leiteiro do Rio Grande do Sul preocupa cada vez mais produtores e analistas do agronegócio.
Em entrevista ao programa Campo em Dia, da ClicRádio, a jornalista e comentarista política Gilkiane Cargnellutti, em participação desde Brasília, destacou que o estado perdeu mais de 12% dos produtores entre 2023 e 2025, mesmo com a produção de leite mantendo-se praticamente estável.
Os dados apresentados fazem parte da 6ª edição do Relatório Socioeconômico da Cadeia Produtiva do Leite no Rio Grande do Sul, divulgado pela Emater em setembro. Segundo o levantamento, o número de propriedades que comercializam leite cru ou operam agroindústrias legalizadas caiu de 33.019 em 2023 para 28.946 em 2025 — uma redução expressiva que acende o sinal de alerta no campo.
Em contraste, o volume produzido avançou levemente de 3,83 bilhões para 3,84 bilhões de litros por ano, um crescimento de apenas 0,2%, o que indica maior concentração produtiva e redução da base familiar no setor.
“Há 10 anos, quando o primeiro relatório foi feito, o Rio Grande do Sul tinha mais de 84 mil estabelecimentos produtores de leite. Hoje temos um terço disso”, enfatizou Cargnellutti.
Apesar da retração no número de produtores, o valor bruto da produção (VBP) do setor segue relevante, movimentando cerca de R$ 9,5 bilhões por ano. O leite se mantém como o quinto produto mais importante da economia gaúcha, atrás apenas da soja, arroz, frango e suínos.
Dependência de insumos preocupa o agronegócio brasileiro
Gilkiane Cargnellutti também chamou atenção para um dos maiores paradoxos do agronegócio nacional: o Brasil é uma potência agrícola global, com lavouras que abastecem mais de 170 países, mas segue dependente de insumos importados, especialmente fertilizantes.
Mais de 85% dos fertilizantes nitrogenados usados no país são importados, o que deixa a produção vulnerável a conflitos e sanções internacionais. “Basta uma guerra, uma sanção ou um bloqueio logístico para desorganizar o custo de produção”, alertou a analista, citando o impacto da guerra entre Rússia e Ucrânia em 2022, que elevou fortemente os preços da ureia e do cloreto de potássio.
Petrobras estuda reduzir dependência com reativação de fábricas
Como resposta a essa fragilidade, a Petrobras anunciou planos para fornecer até 35% da demanda nacional de fertilizantes nitrogenados, reativando unidades no Paraná, Sergipe e Bahia, além de avaliar o retorno da planta de Três Lagoas (MS), paralisada há mais de uma década.
Se o projeto avançar, o país poderá reduzir sua vulnerabilidade externa e equilibrar os custos de produção agrícola, fundamentais para preservar a competitividade e a segurança alimentar.
STF decidirá sobre benefícios fiscais a defensivos agrícolas
Em paralelo, o setor enfrenta um novo desafio. O Supremo Tribunal Federal (STF) julgará nesta quinta-feira (16) duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que questionam as isenções fiscais sobre defensivos agrícolas.
As ações foram apresentadas pelos partidos PSOL e PV, sob o argumento de que as isenções incentivam o uso de agrotóxicos. Segundo o Ministério da Agricultura, o fim desses benefícios representaria um custo adicional de R$ 8,8 bilhões anuais aos produtores.
A CropLife Brasil, entidade que representa empresas do setor, advertiu que a medida poderia elevar em até 25% o preço dos defensivos agrícolas, com impacto direto sobre os custos de produção e, consequentemente, sobre o preço dos alimentos.
O julgamento ocorre em um contexto fiscal delicado, após o Congresso Nacional derrubar a Medida Provisória 1303/25, que previa tributação sobre investimentos e poderia gerar cerca de R$ 20 bilhões em 2026.
Um retrato de contrastes
O cenário descrito por Cargnellutti revela os contrastes do campo brasileiro: menos produtores, produção estável e dependência externa. Enquanto o Rio Grande do Sul perde base produtiva, o país busca saídas para reduzir custos e fortalecer sua autonomia agrícola.
O leite, que movimenta bilhões e sustenta milhares de famílias, segue sendo símbolo de resiliência e transformação, em meio a um mercado cada vez mais competitivo e volátil.
*Escrito para o eDairyNews, com informações de Clic Camaquã