Na última semana um grupo foi detido em Uberaba por adulterar leite com soda cáustica. Com ele, a polícia apreendeu mais de 500 litros do produto alimentício modificado. O hidróxido de sódio (NaOH), nome científico da substância, é amplamente utilizado na indústria com diversas finalidades, entre elas, na fabricação de papel e detergentes e até na desobstrução de encanamentos pelo fato de ser corrosivo.
O que muitos consumidores não sabem, é que a soda cáustica também pode ser usada na indústria alimentícia, porém a utilização em alimentos como o leite é proibida. Para entender porquê esse produto foi colocado em toda essa quantidade de leite apreendida no Triângulo Mineiro, uma doutora em Ciência e Tecnologia de Alimentos e professora da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) explica sobre o assunto.
Sobre o grupo de falsificadores preso, a Polícia Civil informou “que a investigação está a cargo da Delegacia especializada em investigação de crimes rurais, em Uberaba”. A corporação informou que outras informações só serão repassadas com o avanço do inquérito.
O caso de uso de soda cáustica no leite não foi inédito em Uberaba. Em 2007, a cidade já teve 18 pessoas condenadas por crime contra a saúde pública, em um esquema de fraude de leite praticado por duas cooperativas.
O uso da soda cáustica
Segundo a especialista em Ciência e Tecnologia de laticínios e professora da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Emiliane Araújo, o uso da soda cáustica é para neutralizar a acidez do leite e ocorre sendo adicionada no leite cru refrigerado, que é o produto que ainda vai para a indústria para ser processado.
“Dependendo das condições que esse leite é obtido, por exemplo, condições higiênico sanitárias insatisfatórias, questão de temperatura não adequada, isso pode levar a desenvolvimento de microrganismos, desenvolver acidez no leite e levar a perda de qualidade”, explicou.
Emiliane ressaltou ainda que adicionar soda para neutralizar a acidez do leite não é a única adulteração possível de ser feita com o alimento.
“Existem fraudes para tentar mascarar adição de água, que é para poder aumentar o volume de leite a ser comercializado para indústria”.
Ainda conforme a especialista, é possível identificar essas fraudes no leite através de testes, que são feitos rotineiramente na indústria, já que nenhum tipo de adição é permitido ao leite cru refrigerado.
“Esse leite ele tem que ser obtido em boas condições higiênicas e ser transportado para a indústria na temperatura adequada, sem nenhum tipo de adição. Então isso [as alterações] é incorreto, constitui fraude e está previsto na nossa Legislação vigente”, finalizou.
Soda cáustica em alimentos
De acordo com a Anvisa, o hidróxido de sódio (soda cáustica) é também classificado com um aditivo alimentar, que tem a função de regular a acidez de um alimento, em alguns casos. Porém, o uso desse aditivo na categoria de “leite e produtos lácteos” não é permitido.
“O hidróxido de sódio (INS 524) não é permitido para uso em leite por induzir a fraude e mascarar as boas práticas de fabricação”, diz a Anvisa.
Mesmo sendo um material corrosivo e tóxico, a Anvisa explicou que a soda cáustica pode ser usada em quantidades específicas e reguladas nos alimentos, quando permitido, sem causar danos, o que não é o caso do leite.
O uso da soda cáustica é permitido em produtos como:
- Bebidas não alcoólicas;
- Sopas e caldos;
- Balas, caramelos, pastilhas, confeitos, gomas de mascar, torrones, entre outros;
- Farinhas, massas (alimentícias, para pastéis, para pizzas);
- Gelados comestíveis;
- Molhos, maionese, ketchup, mostarda;
- Cremes vegetais e margarina.
Porém, o principal risco é o contato do produto químico em estado puro direto com a pele.
Caso em 2007
Além do registro neste mês, Uberaba já teve 18 pessoas condenadas em primeira instância por crime contra a saúde pública, por um esquema de fraude de leite, praticado em 2007 por duas cooperativas, uma delas em Uberaba.
Entre os envolvidos estava o diretor-presidente da Cooperativa dos Produtores de Leite do Vale do Rio Grande (Copervale) de Uberaba à época, Luiz Gualberto Ribeiro Ferreira.
O esquema funcionava da seguinte maneira: o leite era recebido dos produtores rurais e, no momento do beneficiamento, a solução química composta por soda cáustica, ácido cítrico, citrato de sódio, sal, açúcar e água era adicionada ao produto para aumentar o volume e o prazo de validade e, com isso, aumentar a lucratividade.