A importação de lácteos em julho bateu recorde histórico. Foram importados o equivalente a 244 milhões de litros de leite. Isso significa cerca de 7,9 milhões de litros entrando a cada dia no Brasil!
De janeiro a julho foram o equivalente a 1,319 bilhões de litros. Mais que o equivalente a 1,237 bilhões de litros, ocorrido no mesmo período em 2023. Portanto, 6,7% a mais. Um mar de leite!
Por outro lado, em julho de 2023 o preço médio pago ao produtor foi de R$ 2,41, de acordo com o Cepea/USP. Já em julho de 2024 esteve em R$2,72, ou 12,9% superior.
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De janeiro a julho de 2023, os preços pagos ao produtor saíram de R$ 2,66 e caíram para R$ 2,41, ou menos 9,4%. Já este ano, os preços cresceram de R$ 2,13 para R$ 2,72, de janeiro a julho. Portanto, 27,7% a mais.
Importações maiores em 2024 que 2023 e preços pagos melhores para os produtores. Em média, receberam em julho de 2024, o equivalente a U$ 0,48. Esse valor é mais do que receberam os produtores dos EUA, União Europeia, Nova Zelândia, Austrália, Argentina ou Uruguai. Como explicar este fenômeno?
Os dados preliminares do IBGE mostram um crescimento 3,3% da produção brasileira de leite no primeiro trimestre de 2024 frente ao primeiro trimestre de 2023 e uma estabilidade no segundo semestre, fechado em junho.
E somente não houve crescimento na produção brasileira por causa da tragédia do Rio Grande do Sul. Já o Indice de Captação de Leite do Cepea/USP mostra um crescimento de 4,6% em julho de 2024, frente a julho de 2023. Portanto, oferta aquecida.
Se oferta está crescente e preços ao produtor também, com importações recordes, a explicação está na demanda. Leite e derivados são considerados bens-salários.
Portanto, são produtos que dependem muito do poder de compra das famílias. Quanto mais renda, mais consumo. Quanto menor o risco de perder o emprego, maior o consumo.
Os supermercados revelam que estão com um crescimento de vendas totais de 4,9% em relação ao ano passado. Já o comércio, fala em 2,6% a mais.
EDAIRY MARKET | O Marketplace que Revolucionou o Comércio Lácteo
Existe um nível de endividamento elevado das famílias. Mas, há a renegociação feita pelo programa Desenrola e limitação da taxa de juros no cartão de crédito. Isso ajuda o consumo em geral ficar aquecido.
O nível de desemprego está em seu menor patamar, com 6,9%. E a massa de salários, pincipalmente dos mais pobres, tem contado com a injeção de renda de programas sociais de transferência de renda.
Some-se a isso, há uma inflação acumulada anual de apenas 4,5%, depois de apenas 4,6% registrada no ano passado.
O PIB este ano vai crescer mais de 2,2%, depois de ter crescido 2,9% no ano passado. A renda per capita, que está em R$ 50 mil, está crescendo este ano novamente.
E não há motivos para imaginar que o futuro presidente do Banco Central, já indicado, fará loucuras quando assumir. Os juros deverão se manter em patamares que sinalizem responsabilidade no controle da inflação. Portanto, sem tempestade no horizonte.
Além disso, o leite e derivados voltaram a ser um alívio para a inflação, puxando-a pra baixo. Na verdade, estão bem mais baratos do que neste período do ano passado.
Os preços dos lácteos subiram três vezes menos que a inflação geral e estão bem mais acessíveis ao bolso. Os laticínios, que estão com estoque baixo, aprenderam a lição de 2022, que ensinou que é melhor vender mais com preços menores, que subir preços e dar espaço para os produtos análagos, ou quase lácteos.
Com importações recordes e preços ao produtor elevado, preço ao consumidor baixo e laticínios vendendo tudo que produzem, fica claro que a demanda está elevada e faltando leite para equilibrar o abastecimento.
E, a fórmula que os laticínios encontraram para equacionar tudo isso foi usar a importação para pagar melhor ao produtor brasileiro. Como o que interessa para o laticínio é o preço médio que é pago pelo leite comprado, cada litro importado cria possibilidade de elevar o preço pago ao produtor nacional.
Estamos no melhor dos mundos, onde o produtor pobre e o consumidor pobre estão se beneficiando com a importação. E, o leite importado, sempre vilão, neste momento é o companheiro que ajuda a sustentar a renda do produtor brasileiro. Vejamos até onde vai esta lua de mel.
*Economista, Doutor em Economia. Pesquisador da Embrapa e Professor da UFJF