Em um movimento que sacudiu o mercado global, a Tether, gigante por trás da stablecoin USDT, adquiriu recentemente 70% da gigante argentina do agronegócio, a Adecoagro, por US$ 615 milhões.
Essa operação histórica une dois mundos aparentemente distantes: o das finanças digitais de ponta e a solidez material do agronegócio.
Para entender mais sobre esse novo horizonte no agro argentino, o Infocampo conversou com o CEO da empresa agroindustrial, que caminha para novos desafios impulsionando a produção e a sustentabilidade em todos os seus processos: o engenheiro agrônomo Mariano Bosch.
A entrada da Tether no coração do agro sul-americano não é um movimento qualquer. A Adecoagro, uma das principais empresas agroindustriais da região, com forte presença na Argentina, Brasil e Uruguai, é conhecida por sua diversificação, que vai da produção de grãos, arroz e leite à geração de energia renovável.
A chegada de um sócio “cripto” de sucesso, que administra a maior stablecoin do mundo, injeta não só capital, mas também um espírito inovador, revolucionário e tecnológico.
– A verdade é que estamos muito entusiasmados com esse projeto. Ter um acionista como eles, dispostos a investir, olhando para a Argentina, para a América do Sul, para a região, e que acham interessante o que começamos a desenvolver há 20 anos, nos dá muita alegria e nos impulsiona a pensar em novos projetos.
– A mentalidade empreendedora continua como nos últimos 20 anos?
– Sem dúvida, sempre com uma mentalidade muito empreendedora, observando a tecnologia e entendendo quais são as novas variáveis que existem para agregar valor.
Sem deixar de lado ações que nos tornem mais eficientes, mais competitivos e capazes de exportar mais para o mundo. Toda essa agenda que já vínhamos conduzindo é o que nos fortalece e, por isso, estamos muito entusiasmados.
ADECOAGRO: PROJETOS AMBICIOSOS E A PROMESSA BLOCKCHAIN
A chegada da Tether como acionista majoritária não pretende revolucionar a essência do negócio da Adecoagro da noite para o dia, mas sim potencializar sua visão de eficiência e sustentabilidade por meio da tecnologia.
Bosch adiantou que, embora tenham “milhares de projetos”, não há uma mudança radical de direção, mas sim um aprofundamento do que já foi iniciado.
Quando questionado sobre algum projeto em andamento, Bosch mencionou exemplos de como a tecnologia atual permite melhorar a eficiência:
“Temos muitos projetos variados, mas vamos revelando à medida que forem saindo. Estamos com muitos planos em circulação.
Não há nada que não possamos fazer, não tem algo específico acontecendo neste exato momento, mas são milhares de pequenos projetos. Não é que exista agora um projeto totalmente diferente do que havia antes, são vários que vão tornando a cadeia ou o sistema mais eficiente”, explicou o engenheiro agrônomo.
– Pode citar algum projeto concreto que a Adecoagro tem em andamento?
– Me vem à mente o biogás a partir da vinhaça da cana-de-açúcar no Brasil, que estamos reaproveitando. Transformamos a vinhaça, que é um resíduo, em fertilizante para ser aplicado no campo, e ao mesmo tempo estamos construindo biodigestores dos quais vamos obter biogás.
– Para que utilizam esse biogás obtido desse resíduo no Brasil?
– Esse biogás é concentrado e usado para substituir parte do diesel em todas as nossas operações no transporte da cana. Isso nos gera, além disso, mais créditos de carbono.
Bosch acrescentou que replicam um modelo semelhante na produção de biogás a partir de efluentes da produção de leite em Santa Fé, um projeto que classificou como “espetacular”.
A integração com a Tether abre uma porta fascinante para a tecnologia blockchain, área na qual a empresa cripto é líder mundial. Nesse ponto, o entrevistado vê uma ponte entre o “etéreo” das criptomoedas e o “material” do agro.
“Talvez o tema das criptomoedas nem seja tão etéreo assim, mas rapidamente os mundos se conectam, e começamos a entender como transformar esses ativos em dinheiro mais rápido, como tokenizá-los, ou como montar uma rede blockchain que ajude a dar maior certificação a tudo isso”, contou entusiasmado o empresário.
UM EXEMPLO CONCRETO DE RASTREABILIDADE
Segundo Mariano Bosch, um exemplo já em prática na Argentina é a rastreabilidade do amendoim exportado para a Europa:
“O blockchain do amendoim é um exemplo concreto desse trabalho. O amendoim vai para a Europa, e o cliente que o recebe, com um código QR no saco e por meio de uma cadeia blockchain, tem toda a rastreabilidade do que aconteceu, e ninguém pode alterar essa informação porque está registrada na cadeia”, apontou.
Além da operação transcendental com a Tether, Bosch também ofereceu sua visão sobre o cenário produtivo e econômico da Argentina.
– Como você vê a atual safra e os impactos das recentes inundações no norte da província de Buenos Aires?
– Falar do setor como um todo é difícil, porque depende se você estava justo em Rojas ou em Solís e a água passou por cima dos sacos. É uma situação especialmente complicada.
Sempre estamos expostos a eventos climáticos que nos afetam mais ou menos, dependendo de onde você está. Então, no geral, diria que o setor teve uma produção média, com muitos desafios pela frente.
– Como você recebeu o anúncio do governo sobre a continuidade da redução das alíquotas das retenções nos cereais de inverno?
– Me parece que essas medidas de reduzir gradualmente as retenções ajudam bastante. A questão da unificação cambial também é positiva.
Agora começa aquilo que falávamos há pouco sobre competitividade. Me parece que, como setor, também devemos pensar muito competitivamente: como fazemos uma soja, um milho, um trigo, um amendoim melhores, tudo o que estamos produzindo.
Como fazemos melhor, como transportamos do campo até o local de consumo de forma mais eficiente, como aplicamos menos insumos com melhores resultados.
– A tecnologia é indispensável para alcançar esses resultados?
– Sem dúvidas. Pensar em como usar todas as tecnologias disponíveis hoje, editar processos, compreender que estar tudo conectado permite usar menos recursos e ser mais sustentável é fundamental. Todas essas mudanças que estão ocorrendo no setor nos tornam também mais competitivos.
Bosch enfatizou que o negócio continua sendo “semear e colher”, olhando para o “custo por tonelada”, mas sem negligenciar o “custo por hectare”, por causa do risco climático.
Sobre as questões financeiras que poderiam ter abalado o setor, Bosch se mostrou tranquilo:
“Não acho que mude muito; o setor é bastante competitivo, não vejo problema financeiro que gere desconfiança. Acredito que 90% das empresas do setor são muito sérias e estáveis, não vejo medos específicos”, afirmou.
O FUTURO: UMA NOVA FRONTEIRA PARA O AGRO E AS FINANÇAS
A aquisição da Adecoagro pela Tether não é apenas uma operação financeira, mas um experimento em larga escala que pode se tornar um precedente. A fusão entre a solidez da produção de alimentos e a inovação das criptomoedas abre um leque de possibilidades ainda inexploradas.
A visão de Bosch, entre o entusiasmo pela tecnologia e a avaliação pragmática do contexto nacional, desenha um futuro em que o campo argentino pode estar mais conectado do que nunca às tendências financeiras e tecnológicas globais.
“Estamos em um momento de virada que devemos aproveitar, focando fortemente em aprofundar a competitividade que o agro começa a conquistar no cenário dos mercados globais”, concluiu.