No coração do agreste potiguar, onde o sol castiga mais do que conforta e a chuva é artigo raro, uma fazenda se transformou em símbolo de resiliência e inovação no agronegócio brasileiro.
Localizada em Taipu, no Rio Grande do Norte, a propriedade de Francisco de Assis Veloso Jr. tornou-se referência nacional ao apostar na criação de búfalos, energia limpa e laticínios de alto valor agregado — tudo isso em pleno semiárido.
A história começou em 1989, quando Veloso, então gerente agrícola de uma usina de cana-de-açúcar, comprou uma fazenda com a ideia de cultivar cana e vender para seu próprio empregador. Mas o sonho virou prejuízo: sem irrigação viável e com solo de rocha cristalina, a seca levou tudo. A partir dessa perda, nasceu uma nova visão.
Sem desistir do campo, em 1991 o produtor obteve financiamento para investir na avicultura. Começou com 15 mil galinhas poedeiras e, em cinco anos, já somava 80 mil aves. Foi o primeiro passo para transformar a escassez em oportunidade.
Mas foi ao apostar no inusitado que Veloso deu o salto. Primeiro, adaptou o sistema de produção para que as galinhas vivessem em piquetes, como na criação caipira. Depois, aplicou o Pastoreio Racional Voisin (PRV) ao seu rebanho bovino e, mais adiante, decidiu testar a criação de búfalos — algo considerado “maluco” por muitos, inclusive por ele.
Os resultados surpreenderam: os búfalos ganhavam até 27% mais peso com o mesmo manejo usado para o gado. A adaptação não foi simples.
Por serem menos eficientes na transpiração, os búfalos exigem mais acesso à água e sombra. Para isso, Veloso construiu cinco cisternas com capacidade total de 3 milhões de litros, captação de água de telhados, e perfurou poços artesianos em propriedades vizinhas, levando a água por 8 km de tubulação subterrânea.
Instalou ainda sombrites que bloqueiam 80% da luz solar e intensificou o uso da palma forrageira — resistente à seca e rica em água. “Se uma búfala come 100 kg de palma, está ingerindo até 90 litros de água”, explicou. O cultivo de cana voltou à propriedade, desta vez nas áreas com mais umidade, e em papel coadjuvante na alimentação.
Outro desafio foi o ciclo reprodutivo concentrado das búfalas, que normalmente entram em cio entre abril e julho. Em parceria com pesquisadores, Veloso implementou a desestacionalização do rebanho, com uso de hormônios, permitindo partos o ano todo e maior previsibilidade na produção.
Com um dos maiores rebanhos bubalinos do Brasil, a fazenda hoje coleta cerca de 2.200 litros de leite por dia com um sistema de ordenha exclusivo para búfalas. A produção é transformada em laticínios artesanais como muçarela, burrata, ricota, queijo minas e coalho — todos com alto valor agregado e voltados para um público premium.
A sustentabilidade também é destaque. A propriedade gera biogás a partir dos dejetos de aves e búfalos, utilizado na caldeira para pasteurizar o leite e aquecer água. O excedente serve como adubo orgânico, aplicado via irrigação. E um aerogerador aproveita os ventos fortes da região para reduzir ainda mais os custos com energia.
Ao Globo Rural, Veloso resumiu sua filosofia: “A seca é normal. Vai acontecer. Estar preparado é melhor do que reclamar. Dá pra conviver com ela. É mais caro, mais difícil, mas é possível.”
Sua experiência mostra que, com conhecimento técnico, persistência e criatividade, até mesmo o semiárido nordestino pode ser fértil — em ideias, produção e prosperidade.
*Adaptado para eDairyNews, com informações de Click Petroleo e Gas