Argélia quer reduzir em 50% suas importações de leite em pó, e esse movimento estratégico pode impactar diretamente as exportações do Brasil e os preços globais do produto.
A informação vem da Embaixada Argentina em Argel, que reportou a assinatura dos primeiros contratos operacionais do ambicioso projeto agroindustrial liderado pelo grupo catariano Baladna, com forte participação de capitais estatais argelinos e suporte tecnológico dos Estados Unidos e Europa.
Trata-se de uma iniciativa que busca garantir segurança alimentar ao país africano, que há anos é um dos principais importadores globais de leite em pó — com valores superiores a US$ 1,2 bilhão anuais, segundo o Ministério do Comércio da Argélia.
🏗️ Um projeto bilionário para mudar o mapa do leite
Em abril de 2024 foi firmado o acordo-marco entre Baladna e o Fonds National d’Investissement (FNI), braço financeiro do Estado argelino. A meta: produzir localmente 50% da demanda nacional por leite em pó.
A primeira fase do projeto foi ativada em 28 de julho com a assinatura de 14 contratos no valor de US$ 500 milhões, dentro de um plano total de US$ 3,5 bilhões, para desenvolver uma área de 117 mil hectares na província de Adrar, ao sul do país.
Nesta fase inicial, serão instalados 700 pivôs de irrigação, criadas duas fazendas de gado leiteiro e construída a primeira planta de processamento de leite em pó. A previsão oficial é de que a produção comece em 2026.
🌐 Envolvimento internacional estratégico
O projeto conta com a participação de empresas globais como:
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GEA Technologies (Alemanha): design das fábricas e fazendas;
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Valmont (EUA) e AFKO (Turquia): sistemas de irrigação;
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UCC (Canadá/Catar): estruturas metálicas;
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EHAF (Catar) e DG Jones (Chipre): gestão técnica e arquitetônica.
Além disso, empresas argelinas como o BNEDER e a EFORHYD atuarão nos estudos de solo e perfuração de poços. O envolvimento local também é parte da estratégia para gerar empregos e desenvolver a infraestrutura no deserto argelino.
A Embaixada dos EUA em Argel destacou a importância do projeto, que incluirá o envio de vacas leiteiras e transferência de tecnologia genética — continuidade de uma cooperação iniciada em 2023.
📉 Impactos diretos e indiretos para o Brasil
A Argentina é atualmente um dos maiores fornecedores de leite em pó para a Argélia, e será diretamente impactada caso o país reduza suas importações. Porém, o Brasil também deve se preocupar, mesmo com uma fatia menor nesse mercado.
Se a Argélia deixar de importar cerca de US$ 600 milhões em leite em pó, esse volume será redirecionado para outros mercados — muitos dos quais também são alvo das exportações brasileiras.
Isso poderá provocar pressão sobre os preços internacionais e aumentar a concorrência em destinos alternativos, como Venezuela, Cuba, Líbano, África Ocidental e América Central.
Além disso, o movimento argelino pode estimular outros países africanos ou do Oriente Médio a buscar modelos semelhantes de autossuficiência, o que colocaria em xeque a dependência dessas regiões de fornecedores tradicionais como Brasil, Argentina, Nova Zelândia ou União Europeia.
⚠️ Sinal de alerta e oportunidade de reflexão
O projeto argelino deve servir de alerta para a cadeia láctea brasileira. A capacidade de planejamento estratégico, articulação diplomática e cooperação técnico-empresarial internacional demonstrada por Argel e seus aliados mostra que o mercado global de leite está passando por uma nova fase de regionalização e industrialização local.
Para o Brasil, isso representa um desafio comercial, mas também uma oportunidade de revisão de suas políticas de promoção de exportações. Mais do que nunca, será necessário diferenciar-se por qualidade, preços competitivos e relações bilaterais consistentes.