Leite argentino voltou ao centro do debate regional após a recente decisão do Departamento de Defesa Comercial do Brasil, que optou por não aplicar medidas antidumping contra as exportações de leite em pó provenientes da Argentina.
A denúncia havia sido apresentada pela Confederação Nacional de Produtores do Brasil, que acusava os exportadores argentinos de praticarem preços abaixo do valor de mercado interno, configurando concorrência desleal.
A resolução, tomada pelo governo de Luiz Inácio “Lula” da Silva, foi recebida como um “respiro” para a cadeia láctea argentina, segundo declarou Raúl Catta, coordenador da Comissão de Lechería da Sociedad Rural Argentina (SRA), em entrevista ao programa Chacra Agro Continental.
Alívio para o setor exportador
Catta destacou que a acusação surpreendeu, sobretudo por ter sido impulsionada pelo setor primário brasileiro, e não pela indústria. Ele lembrou que o Brasil é o principal destino do leite em pó argentino e que apresenta déficit em relação à sua própria demanda de consumo.
“O vínculo comercial está amparado pelas normas do Mercosul, que protegem o intercâmbio intrazona frente a terceiros mercados”, afirmou.
De acordo com dados oficiais, em 2023 e 2024 as exportações argentinas de leite em pó para o Brasil variaram entre 90.000 e 95.000 toneladas anuais, o que representou cerca de US$ 330 milhões. Esse mercado, portanto, é estratégico para a manutenção da atividade industrial no país vizinho.
O argumento decisivo de Brasília
O governo brasileiro concluiu que não havia evidências suficientes de prejuízo para a indústria local. Segundo o parecer, as informações apresentadas pelos denunciantes não correspondiam ao segmento relevante da cadeia —o de leite em pó—, mas sim ao de leite cru.
Essa reinterpretação do que constitui o “produto similar” foi determinante para encerrar, pelo menos nesta etapa, a possibilidade de medidas restritivas.
Para a Argentina, isso significa evitar um golpe severo em suas exportações lácteas, em um contexto de alta competitividade global. No entanto, a decisão é considerada intermediária: não implica o fechamento definitivo do processo, mas garante a continuidade dos embarques sem barreiras imediatas.
Estagnação de um quarto de século
Apesar da boa notícia no front externo, Raúl Catta ressaltou que a realidade interna do setor lácteo argentino continua sendo motivo de preocupação. “Produzimos entre 10 e 11 bilhões de litros por ano há mais de 25 anos, e as perspectivas atuais da indústria não são alentadoras”, declarou.
O dirigente da SRA explicou que, mesmo com um ambiente político de maior abertura e sem controles oficiais sobre as exportações, o preço pago ao produtor apresenta tendência de queda em termos reais. Essa situação, segundo ele, mantém a incerteza sobre a capacidade de expansão do setor.
“É uma indústria que respira com a ajuda do comércio exterior, mas que internamente não consegue gerar incentivos para crescer”, sintetizou Catta.
O desafio pela frente
O episódio deixa em evidência um dilema para a leiteria argentina: como transformar um alívio temporário em uma oportunidade para recuperar dinamismo produtivo. Analistas do setor lembram que, sem políticas de estímulo à eficiência e maior competitividade, a tendência de estagnação pode se prolongar, com impactos sobre produtores e indústrias.
Enquanto isso, o Brasil se mantém como cliente central para o leite argentino. A evolução do processo antidumping, embora momentaneamente suspenso, seguirá sendo monitorada de perto por autoridades e representantes da cadeia produtiva dos dois países.
Para Catta e a SRA, o foco agora deve ser aproveitar esse espaço de respiro para traçar estratégias que revertam mais de duas décadas de produção estacionada. “O risco é que continuemos apenas sobrevivendo de decisões externas, em vez de construir bases sólidas para crescer”, concluiu o dirigente.
*Adaptado para eDairyNews, com informações de Infobae