A cena se repete: em tempos de queda no preço do leite pago ao produtor, a importação volta ao banco dos réus.
Desta vez, partiu de Santa Catarina a proposta do vereador Valdair Dahmer (MDB), de Itapiranga, que defende a proibição da entrada de leite estrangeiro e articula, junto à União dos Vereadores do estado (Uvesc), moções de apelo para levar ao governo federal e ao Congresso.
A justificativa é conhecida: segundo Dahmer, o produto importado chega mais barato, desestabiliza a concorrência, e força os produtores brasileiros a abandonar a atividade. A Uvesc já reuniu 450 assinaturas em apoio à causa, e pede inclusive subsídios para tornar a produção nacional mais competitiva.
O discurso tem apelo emocional e encontra eco entre famílias que, geração após geração, vivem do leite. Mas até onde vai o diagnóstico e onde começa a simplificação?
Os dados, sempre eles
Estudos técnicos recentes — incluindo análises da Embrapa e dados oficiais de comércio exterior — mostram que, em 2023, as importações de leite em pó representaram apenas 4,4% do volume de leite produzido no Brasil. Percentual incapaz de determinar o preço do mercado.
Mais: o valor pago ao produtor brasileiro naquele ano foi um dos mais altos da América Latina, superando inclusive Argentina e Uruguai, principais fornecedores. Em outras palavras: culpar as importações pela crise é, no mínimo, exagerado.
Especialistas lembram que o leite em pó importado tem destino majoritariamente industrial, usado em chocolates, biscoitos e derivados. Não concorre diretamente com o leite in natura entregue diariamente pelo produtor ao laticínio.
E, historicamente, o Brasil depende dessas compras externas para equilibrar oferta em períodos de entressafra ou diante de choques climáticos — como as estiagens severas que reduziram a produção em 2022.
O verdadeiro inimigo
A lista dos gargalos da cadeia produtiva é extensa: baixa escala produtiva, custo logístico elevado, baixa eficiência média nas fazendas, ausência de políticas consistentes de longo prazo, além de distorções fiscais e regulatórias. Nenhum desses pontos tem relação com as importações.
Ignorá-los para mirar o “vilão externo” pode ser politicamente conveniente, mas resolve pouco. Pior: pode distrair de onde o foco realmente deveria estar — em apoiar o produtor na sua rentabilidade e sustentabilidade.
A quem serve a desinformação?
A pergunta que não cala é: a quem serve esse tipo de narrativa simplificadora? Será que não corremos o risco de gastar energia em debates estéreis, desviando atenção das reformas estruturais que poderiam, de fato, mudar a realidade no campo?
Hora de construir, não de dividir
O produtor precisa, sim, de apoio. Precisa de políticas que valorizem sua produção, que ampliem escala, produtividade e agregação de valor. Precisa de inovação, crédito, cooperativismo fortalecido e diálogo transparente com a indústria.
Importar não é o problema. O problema é insistir em respostas fáceis para questões complexas.
Talvez o debate precise menos de proibições e mais de políticas que enfrentem as causas de fundo. Porque, no fim das contas, é disso que depende o futuro da cadeia láctea brasileira: de soluções reais e duradouras, e não de culpas mal direcionadas.
EDAIRYNEWS