A genética Gyr está no centro de uma transformação na produção de leite tropical, e o Equador acaba de se tornar um exemplo concreto dessa virada. Com a chegada de 110 vacas Gyr brasileiras, o país demonstra que é possível manter rentabilidade sem depender de sistemas de refrigeração caros e pouco sustentáveis.
De acordo com dados divulgados por especialistas do setor, enquanto vacas Holandês perdem até 25% da produção durante o verão, as vacas Gyr mantêm estáveis cerca de 11 litros diários sem necessidade de ventiladores ou climatização artificial. Essa diferença está alterando as contas de milhares de produtores em regiões de clima quente, onde os custos com energia consomem boa parte das margens.
A realidade equatoriana
O Equador produz em torno de 2,4 milhões de litros anuais, segundo estimativas do setor, distribuídos entre cerca de 300 mil famílias produtoras, na maioria pequenas propriedades. Quase metade dessa produção circula em canais informais, o que dificulta modernização e acesso a melhores preços.
Em zonas como Pichincha e Cotopaxi, acima de 2.700 metros de altitude, a produção média chega a 15,1 kg de leite por vaca/dia em sistemas de pasto rotativo, de acordo com estudos da Universidade de Liège.
Mas o cenário é desafiador: a combinação de altitude, calor e custos crescentes de refrigeração pressiona os resultados econômicos. Produtores da região de Cayambe relataram que as contas de energia representam quase metade do que gastam com ração — um dinheiro que prefeririam investir em genética adaptada.
Por que a genética Gyr é decisiva
No Brasil, especialmente em Minas Gerais, a raça Gyr já provou sua eficiência. Segundo o geneticista Dr. Roberto Silva, especialista em zebuínos, os animais mantêm produção estável mesmo sob índices de temperatura e umidade (THI) de 77,5, quando raças europeias como Holandês começam a reduzir o desempenho.
Dados comparativos de pesquisas científicas mostram:
- Produção média tropical: Gyr 11L | Holandês 7L | Girolando 9,5L
- Teor de gordura: Gyr 4,2% | Holandês 3,6% | Girolando 4%
- Queda de produção no verão: Gyr 5% | Holandês 25% | Girolando 12%
Um produtor de Uberaba (MG) relatou: “Meus cruzamentos Holandês chegam a 18 litros no frio, mas no verão caem para 8. Já as Gyr mantêm 11 litros sem falhar”.
O fator oculto: alimentação e micotoxinas
Além do estresse térmico, produtores enfrentam desafios de alimentação. Nas regiões costeiras equatorianas, o risco de aflatoxinas compromete a qualidade do alimento. Já nos Andes, o teor proteico dos pastos varia de 12% a 18% ao longo do ano, com digestibilidade menor na seca.
Nesse cenário, o metabolismo eficiente do Gyr e sua capacidade de lidar com forragens de qualidade variável garantem resiliência, superando limitações que afetam raças de clima temperado.
Logística e investimento
A chegada dos animais ao Equador representou também um marco logístico. A LATAM Cargo coordenou a operação com protocolos veterinários rigorosos de quarentena e monitoramento.
Para os produtores, a comparação é clara: enquanto sistemas de refrigeração exigem milhões de dólares em infraestrutura e altos custos de energia (US$0,50 a US$0,85 por vaca/dia na temporada quente), o investimento em genética mostra retorno mais rápido e sustentável.
Tendência global
O comércio internacional de genética adaptada ao calor movimentou US$306 milhões em 2023, segundo dados de mercado, com forte participação brasileira. Países como Austrália, Nova Zelândia e Alemanha já incorporam linhas de sangue Gyr para enfrentar realidades climáticas cada vez mais quentes.
O professor Klaus Weber, da Universidade de Hohenheim (Alemanha), sintetizou: “Forçar genética europeia em clima tropical é como usar botas de neve na praia. O zebuíno tem a vantagem evolutiva de que precisamos”.
Genômica a favor da precisão
Outro ponto central é a tecnologia. Pesquisadores brasileiros alcançaram 85% de precisão na previsão da tolerância ao calor com ferramentas genômicas, permitindo selecionar animais adaptados antes mesmo do nascimento. Trata-se de unir a seleção natural acumulada por milênios com ferramentas modernas de reprodução.
O futuro do leite tropical
A decisão equatoriana lança um recado claro aos produtores tropicais: apostar em genética adaptada pode ser mais estratégico do que continuar investindo em refrigeração intensiva.
Como resumiu um produtor de Cuenca: “Recebemos orçamentos para refrigeração que nos assustaram. Depois vi as vacas Gyr produzindo sem ventiladores, e mudei minha visão de negócio”.
O clima não vai esfriar. O leite tropical já encontrou uma resposta viável: a genética Gyr brasileira.
*Adaptado para eDairyNews, com informações de The Bullvine