A gordura do leite é a palavra-chave que separa volume de rentabilidade. Produtor que enxerga apenas litros por vaca pode estar perdendo seu maior ativo: os sólidos.
Entre eles, a gordura do leite se destaca como o componente mais valorizado pelos laticínios, sendo muitas vezes o principal critério de bonificação.
Essa é a mensagem central do artigo técnico enviado pelo engenheiro agrônomo e especialista em produção de leite a pasto, Alfredis Nicolás López Dicurú, ao portal Ciência do Leite, que destaca estratégias para potencializar este verdadeiro “ouro líquido” da atividade.
Como a gordura do leite é formada
Segundo Dicurú, cerca de 50% da gordura do leite é formada no rúmen a partir da fermentação de fibras de qualidade, como pastagens e volumosos, que produzem os ácidos graxos voláteis acetato e butirato.
O restante vem da circulação sanguínea, oriundo de ácidos graxos da dieta ou das reservas corporais da vaca. Para que ambas as vias sejam eficientes, o equilíbrio nutricional é essencial: “o segredo está em nutrir tanto o rúmen quanto o animal”, explica.
Dieta e manejo: base da síntese de gordura
A alimentação é o fator mais decisivo para a qualidade da gordura do leite. O autor reforça a importância da fibra efetiva: forragens no ponto certo estimulam a mastigação, aumentam a produção de saliva e mantêm o pH ruminal estável entre 6,0 e 6,8, condição que favorece as bactérias produtoras de acetato.
Quando a dieta tem excesso de concentrados de rápida fermentação e baixa fibra, há risco de acidose ruminal subclínica. Essa alteração mata bactérias benéficas e desencadeia a chamada “bio-hidrogenação incompleta”, que pode reduzir a gordura do leite em até 1 ponto percentual, conforme estudos publicados no Journal of Dairy Science.
Outro alerta está no uso de óleos vegetais não protegidos. Eles podem ser tóxicos para a microbiota ruminal, ao passo que fontes de gordura protegida, absorvidas no intestino, oferecem benefício sem prejudicar o rúmen.
Genética e potencial produtivo
A genética exerce papel importante no teor de gordura. Raças como Jersey e cruzamentos F1 tendem a entregar leite naturalmente mais rico em sólidos. Ainda assim, lembra Dicurú, “mesmo o melhor potencial genético pode ser neutralizado por uma dieta inadequada”.
Estado de lactação e condição corporal
O teor de gordura do leite também varia conforme a fase da lactação. No início e no final, tende a ser maior, enquanto no pico de produção, mais baixo. Vacas com bom escore corporal no pré-parto (3,5 a 4,0) têm reservas suficientes para sustentar a síntese no início da lactação, mas perdas excessivas de peso podem gerar problemas metabólicos graves.
Fatores de manejo do rebanho
O manejo diário influencia diretamente o consumo e a saúde ruminal. Estresse térmico, superlotação e trato brusco reduzem a ingestão de matéria seca e a ruminação. Já práticas simples como aumentar a frequência de fornecimento do alimento ajudam a manter o pH ruminal estável, favorecendo a síntese de gordura.
Do pasto ao bônus no leite
A mensagem central de Dicurú é clara: “o verdadeiro segredo está no pasto”. Pastagens de qualidade fornecem a fibra essencial para um rúmen saudável, que por sua vez garante a síntese eficiente de gordura.
Aliado a uma suplementação estratégica e a um manejo respeitoso com a fisiologia da vaca, esse cuidado transforma litros em valor agregado.
Na prática, focar na gordura do leite significa não apenas melhores índices na análise do laticínio, mas também eficiência técnica e econômica. É a diferença entre vender volume e vender valor.
Referências
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Allen, M.S. (2000). Effects of diet on milk fat concentration in lactating dairy cows. Journal of Dairy Science.
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Bauman, D.E., Griinari, J.M. (2003). Nutritional regulation of milk fat synthesis. Annual Review of Nutrition.
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Palmquist, D.L., Jenkins, T.C., et al. (1993). Effect of dietary fat and protein on milk composition and yield. Journal of Dairy Science.
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Van Soest, P.J. (1994). Nutritional ecology of the ruminant. Cornell University Press.
Fonte principal: Trabalho enviado por Alfredis Nicolás López Dicurú ao portal Ciência do Leite.
*Adaptado para eDairyNews, com informações de Ciência do Leite