A produção de leite no Brasil ainda está distante do padrão consolidado nos Estados Unidos.
Enquanto o setor norte-americano se apoia em contratos estáveis, padronização genética e forte especialização de cada elo da cadeia, no Brasil o produtor continua exercendo múltiplas funções, arcando com altos custos e enfrentando instabilidade comercial.
A reflexão foi inspirada em uma conversa do MF Cast, que destacou como a realidade dos Estados Unidos pode servir de espelho para compreender os desafios brasileiros.
O modelo americano: padronização e especialização
Nos Estados Unidos, a cadeia leiteira é marcada por uma organização consolidada. Em estados como Califórnia, Texas, Flórida e Wisconsin, o cenário se repete: vacas produzem em média 40 litros por dia, com primeiro parto aos 24 meses.
Esse desempenho é resultado de genética de qualidade, inseminação bem estruturada e contratos sólidos que oferecem segurança ao produtor. Outro ponto central é a especialização de funções:
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O produtor de leite dedica-se apenas à ordenha.
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A recria das bezerras é feita por vizinhos especializados, que devolvem a novilha já prenha.
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A produção de milho para silagem também fica a cargo de agricultores específicos.
Esse modelo segmentado garante eficiência e redução de custos, permitindo que cada etapa seja conduzida por quem possui expertise no assunto.
O desafio brasileiro: multifuncionalidade e instabilidade
No Brasil, a situação é bem diferente. O produtor de leite, em geral, precisa assumir todas as etapas: cria, recria, produção de volumosos e ordenha. Essa multifuncionalidade eleva custos e compromete a produtividade.
Além disso, a comercialização do leite enfrenta grande instabilidade. Diferentemente dos EUA, onde contratos de longo prazo garantem previsibilidade, aqui o produtor costuma trocar de laticínio conforme o preço pago no mês. Essa prática enfraquece relações comerciais e gera insegurança tanto para quem vende quanto para quem compra.
Outro contraste é com a pecuária de corte, onde está claramente definido quem é criador, recriador ou terminador. Na pecuária de leite, essa segmentação praticamente não existe. Soma-se a isso a perecibilidade do leite, que obriga entregas diárias e torna o sistema mais vulnerável.
Iniciativas de especialização no Brasil
Apesar dos desafios, algumas cooperativas brasileiras já vêm testando alternativas inspiradas no modelo norte-americano. Entre elas, programas de recria de bezerras, entregando novilhas prenhas aos cooperados em até 24 meses.
São iniciativas ainda pequenas, mas que apontam para o potencial de avanço do setor. O entrave principal está na falta de segurança: no corte, é possível avaliar o bezerro visualmente e medir ganho de peso. No leite, não há como estimar a produção futura de uma vaca apenas pela aparência.
O retorno do investimento é de longo prazo e depende de confiança na genética e no processo de recria, aspectos que ainda são frágeis no Brasil.
O futuro do leite no Brasil
A comparação com os Estados Unidos evidencia que a cadeia leiteira brasileira ainda precisa superar grandes obstáculos.
Nos EUA, a padronização genética e a divisão clara de funções consolidaram uma estrutura eficiente e competitiva. Já no Brasil, a variabilidade de raças, climas, sistemas de manejo e até preferências pessoais dos produtores dificulta a consolidação de um padrão.
Mesmo assim, o potencial de crescimento é expressivo. Hoje, a média nacional de produção gira em torno de 2.000 litros por vaca/ano. Em contrapartida, raças como o Girolando já alcançam 5.000 litros por lactação, e o Holandês pode chegar a níveis ainda mais elevados.
O Brasil é considerado jovem na pecuária leiteira e tem margem para avanços significativos. Com investimento em genética, gestão eficiente e maior cooperação entre produtores, há espaço para saltos importantes de produtividade e competitividade internacional.
*Adaptado para eDairyNews, com informações de Compre Rural