Os Estados Unidos mantêm uma das reservas alimentares mais curiosas do planeta: aproximadamente 1,5 bilhão de quilos de queijo armazenados em câmaras frigoríficas. Pouca gente sabe que esse “tesouro” existe — e menos ainda conhecem as razões por trás dele. O estoque, resultado de políticas agrícolas iniciadas há mais de 50 anos, é hoje um símbolo das tensões entre tradição e modernidade, segurança alimentar e desperdício, abundância e sustentabilidade.
Como começou a montanha de queijo americana
Nos anos 1970, o governo dos Estados Unidos enfrentava um problema grave: a inflação pressionava os preços dos alimentos e ameaçava a renda dos produtores rurais. Para conter o avanço dos custos e proteger o setor leiteiro, foram implementadas políticas de incentivo à produção de leite, garantindo preços mínimos e compras públicas do excedente.
O resultado foi uma superprodução de laticínios sem precedentes. Em pouco tempo, o governo federal passou a acumular toneladas de manteiga, leite em pó e, principalmente, queijo — um produto mais fácil de armazenar por longos períodos.
Assim nasceram as chamadas “cavernas de queijo”, grandes câmaras frigoríficas espalhadas pelo país, projetadas para conservar o excedente sob condições de temperatura estáveis.
Das cavernas à Casa Branca: o custo do excesso
Segundo registros oficiais, esses estoques chegaram a 1,5 bilhão de quilos, o equivalente a quase 4,5 quilos de queijo por habitante dos EUA. Embora o sistema tenha evitado desperdícios e protegido o preço ao produtor, os custos de manutenção se tornaram altos, levantando críticas de economistas e ambientalistas.
O armazenamento exige enorme consumo de energia, além de gerar questionamentos sobre a real necessidade de manter volumes tão elevados. Hoje, o país enfrenta o dilema de como equilibrar a segurança alimentar com a eficiência econômica e ambiental.
Segurança alimentar e reserva estratégica
A ideia de manter estoques de alimentos não é exclusiva do queijo. Historicamente, os governos americanos — e também europeus e asiáticos — mantêm reservas estratégicas para enfrentar crises, guerras ou desastres naturais.
Nos Estados Unidos, órgãos como a FEMA (Agência Federal de Gestão de Emergências) recomendam inclusive que os cidadãos mantenham pequenas reservas domésticas de alimentos não perecíveis.
O princípio é o mesmo: garantir resiliência diante de interrupções na cadeia de suprimentos. No caso dos laticínios, o governo justifica os estoques como parte de um plano de segurança alimentar nacional, pronto para ser mobilizado em momentos de emergência.
O futuro das “cavernas de queijo”
Com o avanço das tecnologias de conservação e o debate global sobre sustentabilidade, cresce a pressão para repensar o modelo de armazenamento. Especialistas em políticas agrícolas afirmam que o país precisa migrar de um sistema baseado em excedentes para um modelo de produção ajustada à demanda.
Ainda assim, o queijo segue sendo um ícone cultural e econômico dos EUA. Marcas históricas, receitas familiares e tradições regionais — de Wisconsin à Califórnia — continuam a fortalecer o setor, que movimenta bilhões de dólares por ano e gera centenas de milhares de empregos diretos e indiretos.
Enquanto isso, nas câmaras frigoríficas subterrâneas que deram origem à expressão “cheese caves”, repousa silencioso um símbolo do sucesso e dos excessos da política agrícola americana. Um patrimônio que começou como resposta à inflação e hoje serve como lembrete de que toda abundância precisa de equilíbrio.
*Escrito para o eDairyNews, com informações de Crusoé






