A crise do leite brasileiro voltou ao centro do debate político e econômico. Enquanto o preço pago ao produtor despenca e as importações da Argentina e do Uruguai inundam o mercado, duas propostas tentam apontar saídas: uma passa pelo mercado financeiro; a outra, pelo bolso do governo.
De um lado, o deputado Cobalchini (MDB-SC) propôs a criação de um contrato futuro de leite na Bolsa de Valores (B3), tema que será debatido em audiência pública na Câmara dos Deputados nesta terça-feira (4/11). O instrumento permitiria que produtores e indústrias travassem preços com antecedência, reduzindo riscos e garantindo previsibilidade.
“O leite brasileiro enfrenta volatilidade extrema e custos crescentes. Um contrato futuro pode oferecer estabilidade e atrair investimentos”, defendeu o parlamentar.
A ideia é inspirar-se em commodities agrícolas já consolidadas na B3 — como milho e soja — e dar ao setor lácteo uma ferramenta moderna de proteção de preços. Para Cobalchini, o avanço da produtividade nacional ainda não foi suficiente para competir com o leite subsidiado vindo do Mercosul.
“A diferença de custos inviabiliza a continuidade de muitos produtores e ameaça a sustentabilidade da atividade no país”, alertou.
📉 Um mercado saturado e um governo pressionado
Enquanto o Congresso busca soluções estruturais, o governo tenta conter o curto prazo.
O ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro (PSD), defendeu que o governo federal compre leite diretamente de produtores brasileiros, por meio de programas públicos de aquisição de alimentos — como o Pnae, o PAA e o Programa de Compras Institucionais.
“O Brasil pode e deve estender a mão aos produtores que têm seus preços achatados. Esses produtos podem ir, por exemplo, para a merenda escolar”, disse Fávaro, durante a Conferência de Ministros da Agricultura das Américas, em Brasília.
A proposta ecoa a situação dramática no campo: segundo o Cepea/USP, o preço médio do litro caiu 19% em 12 meses, chegando a cerca de R$ 2,40. Em termos reais, a queda foi de 4,2% desde agosto.
O excesso de oferta interna — impulsionado por boas pastagens e produtividade — coincidiu com o avanço das importações, que em setembro cresceram 20%, somando 198 milhões de litros equivalentes, quase 80% em leite em pó. Resultado: mercado saturado e margens negativas.
⚠️ Pequenos pecuaristas no limite
A CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) vem alertando para o risco de perda da base produtiva nacional, especialmente entre pequenos e médios produtores. Segundo a entidade, a entrada de leite a preços “desleais” configura prática de dumping, e por isso foi protocolado um pedido formal de investigação e medidas antidumping junto ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
No campo, o desânimo é generalizado. Com o litro abaixo do custo de produção, muitos produtores relatam dificuldades para manter a atividade.
💬 Duas respostas, um mesmo problema
As duas frentes — mercado e governo — refletem caminhos distintos para o mesmo impasse.
Enquanto o contrato futuro de leite pode trazer previsibilidade e sofisticação financeira à cadeia, as compras públicas oferecem um alívio imediato, mas temporário.
Para Fávaro, qualquer ação além das compras públicas precisa ser conduzida com cautela para não afetar as relações comerciais com países vizinhos. “Temos que garantir a boa relação comercial com a América do Sul”, ponderou.
Já para o setor produtivo, a urgência fala mais alto: ou se reequilibra o jogo agora, ou o Brasil corre o risco de perder milhares de produtores para sempre.
*🧾Escrito para o eDairyNews, com informações da Câmara dos Deputados, do MAPA e dados complementares do Cepea/USP e CNA.
