No prato do brasileiro, o tamanho das porções diminui, mas a exigência de qualidade cresce. A popularização de medicamentos como o Ozempic, o Wegovy e o Mounjaro — análogos do hormônio GLP-1, usados para controle do peso — está transformando o modo como o país come, e isso já se reflete nas prateleiras dos supermercados.
O fenômeno conhecido como “efeito Ozempic” vem redesenhando o consumo de alimentos: quem come menos, quer comer melhor.
E nessa corrida por valor nutricional, a proteína virou o novo ouro da dieta, abrindo espaço para o protagonismo dos produtos lácteos.
🧬 Do remédio à refeição: um novo apetite
Esses medicamentos reduzem o apetite e prolongam a saciedade, o que naturalmente leva o consumidor a ingerir menos calorias. Mas o desafio é fisiológico: ao emagrecer rápido, muitos perdem não só gordura, mas também massa muscular. É aí que entra o papel essencial da proteína — e, consequentemente, dos laticínios.
Segundo médicos e nutricionistas, a reposição proteica é indispensável para preservar a massa magra. A orientação média é consumir de 1,2 a 1,6 grama de proteína por quilo de peso corporal, em doses distribuídas ao longo do dia — exatamente o que produtos lácteos, como iogurtes e bebidas proteicas, podem oferecer com praticidade e densidade nutricional.
🧃 Danone se antecipa: leite funcional como estratégia
A Danone, uma das maiores referências globais em nutrição, foi rápida ao ler o sinal de mudança. A companhia vem reformulando seu portfólio para atender ao brasileiro que busca menos volume e mais qualidade.
Marcelo Bronze, vice-presidente de marketing da empresa no Brasil, explica que o movimento vai além da moda das “canetinhas”.
“Essas pessoas vão, em algum momento, buscar mudar seus hábitos, e nós queremos estar prontos para acompanhá-las. O GLP-1 é só um acelerador — o verdadeiro motor é o brasileiro repensando o que come”, afirma Bronze.
Hoje, a multinacional aposta em linhas como Yopro, Activia 000 e o recém-lançado Danone 5 Zeros, que combinam alto teor de proteína, probióticos e baixo teor de açúcar. A empresa entende que o consumidor que come menos quer funcionalidade e conveniência, e o leite se encaixa com naturalidade nesse novo padrão.
🧠 Um mercado bilionário em formação
O uso dos medicamentos à base de GLP-1 ainda está restrito a consumidores de renda mais alta no Brasil. Mas a tendência é de expansão: segundo a Associação Médica Brasileira, até 6% da população pode vir a usar algum análogo nos próximos anos — um mercado potencial de milhões de pessoas repensando sua relação com a comida.
A queda da patente da semaglutida, prevista para o início de 2026, deve ampliar drasticamente o acesso, e o impacto sobre o setor alimentício será direto. Especialistas já falam em uma “nova pirâmide alimentar”, com menos ultraprocessados e mais alimentos com função metabólica.
Nesse cenário, a proteína do leite ganha valor estratégico. Rica em aminoácidos essenciais e de alta digestibilidade, ela atende tanto o público fitness quanto o consumidor em tratamento médico. É a ponte entre o prazer alimentar e a necessidade clínica.
🧩 Indústria láctea: de coadjuvante a protagonista
No passado, o leite era visto como básico. Agora, é ativo de saúde. O setor lácteo vem acompanhando esse reposicionamento silencioso, que redefine o papel do iogurte, do whey e até do leite UHT.
Marcas vêm testando formatos que unem nutrição, sabor e praticidade: iogurtes com 20g de proteína por porção, snacks lácteos fermentados e bebidas prontas para o consumo ganham espaço. E, à medida que o consumidor come menos vezes por dia, cresce a demanda por alimentos densos em valor biológico.
Para o cardiologista Pedro Farsky, especialista em metabolismo e obesidade, a mudança é estrutural:
“Os medicamentos reprogramam a fome. O corpo come menos vezes, então precisa de alimentos mais completos. O leite e seus derivados entregam isso com naturalidade.”
⚖️ Oportunidade e alerta
Apesar do entusiasmo, o setor precisa ter cautela. A nutricionista Lara Natacci, pós-doutora pela USP, alerta que o consumo exagerado de proteína pode sobrecarregar os rins e que o equilíbrio continua sendo a palavra-chave.
“O desafio é ensinar o paciente a comer pouco, mas bem — e o leite, nesse contexto, é aliado pela densidade nutricional e fácil digestão”, afirma.
Enquanto o mundo redescobre a importância das proteínas, a indústria láctea brasileira tem a chance de assumir a liderança na agenda da nutrição funcional — com inovação, transparência e uma boa dose de marketing inteligente.
A era Ozempic não é uma ameaça: é um convite à reinvenção do leite como alimento essencial do futuro.
*Escrito para o eDairyNews, com informações de InvestNews






