A crise do leite segue se aprofundando no Brasil, com produtores pressionados por custos crescentes, preços em queda e uma enxurrada de importações do Mercosul que ameaça a sobrevivência da cadeia produtiva nacional. De norte a sul, o sentimento é o mesmo: o setor pede ação.
Nesta semana, cerca de 80 produtores e lideranças do setor se reuniram com representantes de três ministérios em Brasília, em diálogo articulado pelo deputado federal Zeca Dirceu (PT-PR). A pauta incluiu desde o endividamento rural até a investigação antidumping sobre o leite em pó importado da Argentina e do Uruguai — um dos temas mais sensíveis para o setor.
“A situação é grave. O que mais escuto é o apelo por medidas urgentes para melhorar o preço do leite e reduzir os custos de produção”, afirmou Dirceu, que já levou a pauta a ministros como Carlos Fávaro (MAPA), Paulo Teixeira (MDA) e Geraldo Alckmin (MDIC).
Antidumping e endividamento: o nó que trava o campo
A diretora substituta do Departamento de Defesa Comercial do MDIC, Amanda Serra, confirmou que a investigação antidumping segue em curso, dentro das normas da OMC, para verificar se as importações de leite em pó do Cone Sul configuram concorrência desleal.
Enquanto isso, a crise se agrava no interior. Em Mato Grosso, segundo o IMEA, o litro do leite pago ao produtor caiu para R$ 2,28 em agosto, enquanto o custo médio gira em torno de R$ 2,60. “O produtor precisa desse valor mínimo para se manter vivo no campo”, afirma Luciano Rodrigues, presidente da APLO-MT.
A defasagem entre custo e preço tem dizimado propriedades: o estado, que já esteve entre os dez maiores produtores do país, viu o número de produtores cair de 10 mil para 4 mil em apenas cinco anos.
“A sucessão familiar virou um desafio. O leite exige dedicação diária e o jovem não vê futuro sem rentabilidade”, lamenta Antônio Carlos Carvalho, presidente da MT Leite.
O governo tenta reagir
Em meio à pressão, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) criou, pela Portaria nº 55, o Grupo de Trabalho da Cadeia Leiteira da Agricultura Familiar (GT-Leite).
O objetivo é formular medidas emergenciais e estruturantes para fortalecer a produção familiar, com foco em crédito, industrialização local e fortalecimento das cooperativas.
O grupo, coordenado pela Secretaria de Agricultura Familiar e Agroecologia (SAF), trabalhará por 30 dias — prorrogáveis — e apresentará propostas ao ministro Paulo Teixeira.
“A cadeia do leite é vital para a segurança alimentar e para manter as famílias no campo. Nosso papel é transformar as demandas em ações concretas”, afirmou o secretário Vanderley Ziger.
Entre os participantes estão Embrapa Leite, CNA, OCB, CONTAG, CONTRAF, MST, UNICAFES, MAPA e representantes do Congresso e das cooperativas regionais. A presença de entidades tão diversas mostra que o governo tenta reconstruir pontes com o setor.
Do Paraná ao Centro-Oeste: um país de contrastes
No Paraná, segundo maior produtor do país, o descontentamento cresce com a lentidão das respostas. Agricultores como Maria Matilde Machado, da cooperativa Siscooplaf de Cascavel, pedem mais que renegociações: querem abatimentos reais das dívidas.
“Agricultor não gosta de dever. Queremos incentivo imediato e abertura das exportações, para escoar o leite que sobra”, reivindica.
No Centro-Oeste, as importações agravam o quadro. O Brasil comprou 590,8 milhões de litros em equivalente-leite no primeiro trimestre de 2025 — o maior volume desde 1997. Só em setembro, foram 192 milhões de litros, frente a exportações de apenas 4,9 milhões.
“Em 15 anos, a produção de leite em Mato Grosso caiu 54%. As indústrias estão ociosas e o Custo Brasil nos mata”, alerta Antônio Bornelli, presidente do Sindilat-MT.
Entre promessas e urgência
Enquanto o governo fala em diagnósticos e planos de ação, o campo cobra pragmatismo. A inflação dos insumos, a defasagem no preço mínimo e o peso dos juros empurram o pequeno produtor para fora da atividade.
“Sem proteção e sem margem, a sucessão rural desaparece. E com ela, o leite brasileiro perde sua alma”, resumiu o técnico Vagner Schwanke, da Secretaria de Agricultura de Pinhão (PR).
A crise do leite, mais que um problema conjuntural, tornou-se o espelho das desigualdades estruturais do agronegócio brasileiro: um setor que alimenta milhões, mas que luta para não desaparecer.






