O debate sobre leite reconstituído voltou a ganhar força em Santa Catarina após a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa aprovar, por unanimidade, o relatório favorável ao Projeto de Lei 759/2025.
A proposta, de autoria do deputado Oscar Gutz (PL), busca proibir que laticínios catarinenses utilizem leite em pó importado para produzir leite reconstituído no Estado. O relator, deputado Alex Brasil (PL), também acolheu o apensamento do PL 768/2025, apresentado pelo deputado Altair Silva (PP), que trata de tema semelhante.
Segundo Gutz, a medida pretende proteger a produção local e reforçar a transparência sobre a origem dos produtos oferecidos ao consumidor. Ele argumenta que a reconstituição com insumo importado poderia desestimular a atividade dos produtores catarinenses e comprometer a sustentabilidade da cadeia.
A proposta prevê penalidades para quem descumprir a futura lei, como apreensão do lote, multa, suspensão temporária e até cassação da Inscrição Estadual, com fiscalização a cargo da Cidasc e dos órgãos de defesa do consumidor. Os valores arrecadados seriam destinados ao Fundo Estadual de Desenvolvimento Rural (FDR).
Durante a discussão, Alex Brasil afirmou que o setor vive uma crise e que “quem está sofrendo é o pequeno produtor”, justificando a necessidade do projeto. O deputado também atribuiu parte das dificuldades ao aumento das importações de leite em pó, citando países como a Argentina, e recebeu apoio do deputado Volnei Weber (MDB).
Entretanto, parlamentares apresentaram contrapontos. O deputado Fabiano da Luz (PT) observou que a liberação para importações ocorreu ainda no governo anterior e destacou que, em Santa Catarina, o leite reconstituído representa cerca de 3% do volume consumido, sendo utilizado principalmente por indústrias de sorvete.
Para ele, o foco do debate deveria incluir fatores estruturais do mercado, como a dificuldade de ampliar o consumo e o custo elevado das embalagens longa-vida, que pressionam a rentabilidade da indústria.
O deputado Mauro De Nadal (MDB) reforçou essa linha ao defender que a solução para o setor passa pela qualificação do produto catarinense e pela abertura de mercados externos. Ele mencionou a implantação do laboratório do leite em Pinhalzinho, financiado pela Bancada do Oeste, como elemento estratégico para a competitividade.
O debate estadual ocorre em meio a um cenário nacional marcado por alegações recentes da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) sobre suposto dumping de leite em pó por parte da Argentina e do Uruguai.
Até o momento, porém, não há evidências consistentes que confirmem prática desleal, conforme dados de comércio exterior e análises técnicas disponíveis. Em 2023, as importações desses dois países representaram aproximadamente 4,4% do volume total de leite produzido no Brasil, de acordo com dados do ComexStat e da PPM/IBGE.
Especialistas apontam que esse percentual é insuficiente para definir preços ou exercer poder de mercado. Historicamente, essas compras são sazonais e funcionam como complemento em momentos de entressafra ou de redução da oferta interna, ajudando a evitar desabastecimento e oscilações bruscas de preços para o consumidor.
Além disso, o leite em pó importado tem uso predominantemente industrial e baixa substitutibilidade com o leite in natura destinado ao consumo fresco.
Dados recentes também mostram que a produção nacional sofreu impactos relevantes antes do aumento das importações, especialmente devido a condições climáticas adversas, como estiagens no Sul, e ao aumento dos custos de energia, ração e fertilizantes — fatores influenciados pelo conflito entre Rússia e Ucrânia. Esses elementos, segundo informações técnicas, são independentes das relações comerciais com o Mercosul.
Outro ponto citado por analistas é que o preço médio pago ao produtor brasileiro em 2023 esteve entre os mais altos da América Latina, superando os valores praticados na Argentina e no Uruguai. De acordo com indicadores do ICPLeite/Embrapa, houve recuperação significativa das margens dos produtores ao longo de 2024, mesmo com o aumento das importações.
O Anuário do Leite 2024 da Embrapa lista dez desafios para a competitividade do setor — fragmentação produtiva, baixa escala, eficiência limitada, custos logísticos elevados e distorções regulatórias, entre outros — e nenhum deles está relacionado às importações. Para especialistas, esses gargalos internos continuam sendo os principais entraves ao desempenho da cadeia láctea.
Nesse contexto, o avanço do PL sobre leite reconstituído em Santa Catarina levanta questões relevantes, mas também evidencia a necessidade de distinguir medidas com impacto simbólico daquelas capazes de enfrentar as limitações estruturais do setor. Enquanto o projeto segue para outras comissões, o debate técnico permanece fundamental para orientar decisões que garantam abastecimento, competitividade e sustentabilidade para toda a cadeia.
*Escrito para o eDairyNews, com informações de Upiara.






