O açúcar voltou ao centro de um debate global depois que um novo relatório da ONG suíça Public Eye reacendeu críticas sobre supostos “padrões duplos” da Nestlé na formulação de alimentos infantis.
A entidade, que atua em parceria com organizações da sociedade civil africana, afirmou ter encontrado açúcar adicionado em mais de 90% das amostras de Cerelac coletadas em 20 países do continente. A multinacional suíça, por sua vez, contestou de forma enfática as conclusões, classificando as alegações como “equivocadas e infundadas”.
A investigação conduzida pela Public Eye se concentrou em produtos de cereais infantis Cerelac comercializados em mercados africanos.
Segundo a ONG, os testes realizados pelo laboratório francês Inovalys apontaram um nível médio de quase seis gramas de açúcar adicionado por porção — o equivalente a um cubo e meio de açúcar. A ONG afirma ainda que esse volume representa um aumento de 50% em relação ao levantamento realizado no ano anterior.
Em nota enviada à imprensa internacional, a Nestlé contestou a metodologia e as interpretações apresentadas pela ONG. A companhia ressaltou que “não adota padrões duplos” e que seu enfoque nutricional é aplicado globalmente, sempre adequado aos requisitos regulatórios locais.
A empresa também defendeu que os níveis de açúcar encontrados nas amostras estão “bem abaixo” dos limites estabelecidos pelo Codex Alimentarius, referência internacional em segurança e qualidade de alimentos.
Apesar disso, o relatório destaca diferenças marcantes entre regiões. Enquanto os produtos de Cerelac vendidos na Suíça — país sede da empresa — e em mercados europeus como Alemanha e Reino Unido apresentam zero adição de açúcar para bebês a partir de seis meses, os níveis registrados na África alcançam até 7,5 gramas por porção.
Esse pico foi encontrado em um produto comercializado no Quênia, destinado a crianças a partir de seis meses. Ao menos sete países africanos apresentaram produtos com sete gramas ou mais de açúcar adicionado.
Outro ponto levantado pela ONG é a questão da transparência. De acordo com o relatório, cerca de dois terços das embalagens analisadas não informavam de forma explícita a quantidade de açúcar adicionado, dificultando a avaliação por parte dos consumidores.
A situação alimentou críticas de grupos civis, especialmente de organizações como a International Baby Food Action Network (IBFAN) e a nigeriana Consumer Advocacy and Empowerment Foundation (CADEF). Ambas enviaram uma carta ao CEO global da Nestlé, Philipp Navratil, pedindo a eliminação total de açúcar adicionado em alimentos infantis no mundo, em consonância com as diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS).
As entidades argumentaram que, se o açúcar não é considerado adequado para crianças suíças ou europeias, tampouco deveria ser para crianças africanas. A carta acusa a multinacional de “colocar a saúde de bebês africanos em risco por lucro”, afirmando que a empresa estaria plenamente consciente dos riscos associados ao consumo precoce de açúcar.
A Nestlé, por sua vez, afirma que a interpretação da ONG não distingue adequadamente entre açúcares naturalmente presentes em ingredientes como leite, cereais e frutas e açúcares efetivamente adicionados. “É impreciso e cientificamente incorreto tratar todos os tipos de açúcares como equivalentes a açúcar refinado adicionado”, reagiu a companhia.
A empresa reforçou que está acelerando o lançamento de versões sem adição de açúcar, incluindo na África, onde essas linhas já estariam disponíveis em 97% dos mercados atendidos.
A multinacional também destacou que oferece versões com e sem açúcar adicionado na mesma faixa de preço, tanto na África quanto na Europa, a fim de evitar que escolhas nutricionais dependam do poder aquisitivo das famílias.
A Public Eye, no entanto, insiste que a discrepância entre mercados segue evidente e constitui uma prática injustificável diante do impacto do açúcar na saúde infantil.
À medida que o debate ganha força, cresce a pressão para que autoridades regulatórias africanas avaliem padrões internacionais e impulsionem maior transparência no setor.
O tema também reacende discussões sobre equidade nutricional em mercados emergentes, onde consumidores tendem a enfrentar barreiras de informação e acesso.
*Escrito para o eDairyNews, com informações de Just Food






