A exportação de leite voltou ao centro do debate do setor lácteo brasileiro como alternativa estrutural para enfrentar uma crise que, segundo especialistas, deixou de ser conjuntural e passou a se repetir em ciclos cada vez mais curtos.
No Sul do país, a Aliança Láctea Sul Brasileira articula estudos, propostas e ações para abrir mercados internacionais e reposicionar o leite nacional em um cenário global altamente competitivo.
Quem coordena esse trabalho é o economista Airton Spies, doutor em Economia dos Recursos Naturais e natural de Itapiranga, em Santa Catarina. Atuando como palestrante e consultor, Spies avalia que o setor vive uma dinâmica de instabilidade crônica. Na sua análise, praticamente a cada dois anos o produtor rural alterna períodos de preços elevados com fases de forte depressão, resultado direto do desequilíbrio entre oferta e demanda.
De acordo com os levantamentos apresentados pelo especialista, o Brasil enfrenta atualmente um excedente estimado em cerca de 1,7 bilhão de litros de leite. Essa sobra pressiona os preços pagos ao produtor e amplia a vulnerabilidade da cadeia produtiva. Para Spies, enquanto o consumo interno cresce lentamente, a produção avança em ritmo superior, criando um gargalo que não pode mais ser absorvido apenas pelo mercado doméstico.
Nesse contexto, a competitividade internacional aparece como o principal desafio. Spies chama atenção para a diferença estrutural entre o leite e outros segmentos do agronegócio brasileiro. Segundo ele, setores como suinocultura, avicultura e carne bovina destinam cerca de um terço de sua produção ao mercado externo, o que funciona como válvula de escape em momentos de excesso de oferta. Já o leite segue caminho inverso, com cerca de 9% do consumo interno sendo suprido por importações, especialmente da Argentina e do Uruguai, países que operam com custos de produção mais baixos.
A preocupação com esse cenário levou o tema à agenda política regional. Conforme destacou o consultor, o Codesul — bloco que reúne Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul — programou uma reunião em Curitiba para discutir o Plano de Desenvolvimento e Incentivos às exportações de lácteos. O encontro envolve governadores e busca alinhar políticas públicas voltadas à inserção internacional do setor.
O Conselho de Desenvolvimento da Região Sul atua em parceria com o BRDE, o Banco Regional de Desenvolvimento Econômico, na construção dessas propostas. Na avaliação de Spies, o objetivo é garantir um “passaporte” para o leite brasileiro, criando condições para que o país dispute espaço no mercado mundial de forma sustentável. Ele ressalta que medidas emergenciais para aliviar a crise atual são importantes, mas insuficientes se não vierem acompanhadas de uma reestruturação profunda da cadeia.
Segundo o especialista, a pressão por preços mais baixos não vem apenas do campo. Indústrias e grandes redes de supermercados, diante da concorrência internacional, buscam produtos lácteos em outros países quando encontram valores inferiores aos praticados no mercado interno. Esse movimento, afirma Spies, evidencia a urgência de transformar o leite brasileiro em um produto competitivo também fora das fronteiras nacionais.
O setor passa, portanto, por uma transformação estrutural acelerada. Alguns produtores já operam dentro de padrões internacionais de eficiência, qualidade e escala, mas a maioria ainda enfrenta dificuldades significativas. Para o coordenador da Aliança Láctea Sul Brasileira, a redução de custos é o ponto central dessa equação e determinará quem conseguirá permanecer na atividade.
Dados do relatório da entidade revelam um encolhimento expressivo no número de produtores nos últimos dez anos nos estados do Sul. O Rio Grande do Sul passou de 84 mil para cerca de 28 mil produtores de leite. Em Santa Catarina, o número caiu de 70 mil para aproximadamente 22 mil. Quem permanece na atividade, em geral, amplia o plantel e a escala de produção, enquanto outros acabam excluídos do sistema.
Na avaliação de Airton Spies, esse processo é consequência direta da ausência de uma política consistente de exportação e não apresenta solução simples. Para ele, o caminho já foi trilhado com sucesso por outras cadeias do agronegócio brasileiro. “O propósito é desenvolver a competitividade global do leite brasileiro, da mesma forma que ocorreu com frango, suínos e gado de corte”, conclui o especialista, reforçando que a exportação deixou de ser uma opção e se tornou uma necessidade estratégica para o futuro do setor.
*Escrito para o eDairyNews, com informações de RP






